Sob o manto do anonimato // Para isso, sem medo, é preciso mostrar a cara.

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 PAULO MELO

Ninguém que seja comprometido com o regime democrático ousa negar o direito constitucional à manifestação de pensamento e à reunião pública. Alongar-se em citações dos dispositivos da Constituição é tarefa para os juristas. Se a todo direito corresponde um dever, nunca é demais lembrar que a Constituição proíbe o anonimato e exige que as manifestações sejam pacíficas e desarmadas.

Neste ano, o povo brasileiro, lançando mão de um direito seu, as manifestações públicas, ocupou o que é seu, as ruas, a fim de reivindicar direito seu, um poder público eficiente. Pelos cidadãos que, pacificamente e sem armas, assim agiram, tenho mais do que admiração: tenho orgulho. O exercício da cidadania, que inclui o direito de criticar asperamente os erros dos políticos, é mais que um direito: é uma demonstração de compromisso com o futuro do Brasil.

No Brasil, país que ostenta amplas liberdades públicas, cidadãos podem exercer seu dever cívico com a certeza de que nenhuma represália estatal ocorrerá. Assim, aquele que ocupa as ruas pacificamente e sem armas pode ostentar publicamente sua indignação estampada em seu rosto, podendo associar suas ideias à identidade. Todavia, alguns desajustados tentaram infiltrar-se nesses movimentos a fim de cometer os mais variados atos de vandalismo. Para lograrem êxito, usaram paus, pedras e mascararam seus rostos. Por que, no Brasil democrático do século XXI, é necessário usar máscara para criticar qualquer governo? Por que portar paus e pedras em manifestações?

Os mascarados, envergonhados de seus atos ignóbeis, armados e escondidos sob o manto do anonimato, costumam dizer que erradas são as votações secretas dos Parlamentos. O argumento não me constrange porque sempre lutei por votações abertas e públicas na Assembleia Legislativa. Aprovamos uma emenda constitucional nesse sentido, mas o STF considerou-a inconstitucional. Essa luta, porém, continua.

Por outro lado, tais direitos não são exclusivos da Carta de 1988. As democracias mais célebres, a alemã, a austríaca, a belga, a canadense, a estadunidense, a francesa, a italiana e a suíça, ostentam garantias constitucionais extremamente similares. Interessantemente, todos os países acima enumerados editaram leis, nacionais ou regionais, proibindo máscaras em reuniões públicas na vigência de regimes democráticos.

No caso do Estado de Nova York, uma quadrilha da pior espécie ajuizou uma ação visando à declaração de inconstitucionalidade de lei que proibia o uso de máscaras em reuniões políticas: a Ku Klux Klan, notoriamente conhecida por seus membros usarem máscaras quando espancavam, estupravam e matavam negros.

O mais terrível é constatar-se que, sem dar-se conta da péssima influência, algumas entidades repetem o argumento da quadrilha racista americana, afirmando que o uso de máscara em manifestação pública pode significar a tentativa de envio de mensagem. Infelizmente, no ponto, eles têm razão: o uso de máscara em manifestação pública veicula uma mensagem. Para a quadrilha racista americana, a ideia por trás do uso daquelas máscaras brancas de forma triangular é afirmar ódio a negros e judeus.

A lei estadual que proíbe o uso de máscaras em manifestações públicas – além de seguir a linha de democracias consolidadas – nada mais faz do que assegurar o direito à livre manifestação do pensamento, honesta, ordeira e pacífica por aqueles que amam o Brasil.

Para isso, sem medo, é preciso mostrar a cara.

O GLOBO