Na sexta-feira 24 de abril, dia em que o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro deixou a pasta, a assistente social carioca Elaine Cristina de Souza publicou no facebook um post bastante significativo — ainda mais para alguém que, como ela, participou ativamente da campanha de Jair Bolsonaro (sem partido) à presidência da República.
Acima de uma imagem de Bolsonaro com a mão no queixo e o ar pensativo, lê-se: “Que merda eu vou fazer hoje”.
Criadora do grupo virtual de relacionamento “Bolsolteiros (https://www.facebook.com/groups/2219718604963746/), ela mostra agora que seu entusiasmo pelo presidente arrefeceu-se. “Eu peço para Deus que o ilumine, dando-lhe sabedoria para governar sem a interferência dos filhos.”
À reportagem, ela vai além. “Não defendo mais o Bolsonaro, só rezo.” Pela quantidade de provocações que o presidente tem empreendido diariamente, inclusive à gente do próprio governo, a hipótese da “sabedoria” parece remota. A possibilidade de “governar sem a interferência dos filhos” está ainda mais fora de cogitação. “Esse é o problema”, diz ela, amuada.
Quarentena e máscara
Em relação à saída de Sergio Moro do governo, Elaine diz: “Por todo o passado dele, penso que seja uma pessoa correta e, como ex-juiz, dificilmente faria acusações sem provas”. Se Moro é a “pessoa correta” na história, então Bolsonaro seria, na melhor das hipóteses, a “pessoa incorreta”. Elaine prefere não se estender. “Estou dando um tempo. Vamos ver o que acontece.”
Ela diz que, enquanto dá um tempo, respeita a quarentena imposta pela pandemia de covid-19 e usa a máscara indicada para evitar o contágio pelo SARS-CoV-2 (novo coronavírus) — algo que o presidente da República desafia deliberadamente, apesar da orientação de autoridades de saúde do mundo todo. “Ele, como presidente, deveria dar o exemplo respeitando, inclusive, as orientações do próprio ministério da Saúde.”
Sobre o affair Luiz Henrique Mandetta, ministro defenestrado duas semanas atrás, ela diz que prefere não comentar: “Já estão descobrindo uma porção de coisas dele (Mandetta)”, afirma, sem dizer exatamente o quê.
Santo casamenteiro
O grupo Bolsolteiros foi criado antes de o presidente tomar posse, em novembro de 2018, e em pouco mais de seis meses contava com cerca de 5.700 membros do Brasil e de fora. Hoje, há mais de 6.100. Pelas contas do Facebook, houve uma queda no número participantes, nas últimas semanas. Elaine diz que não tem controle de quem entra, quem sai.
Na página principal do grupo, uma ilustração de Bolsonaro vestido de frade, com uma auréola acima da cabeça, aparece acompanhada dos dizeres: “Santo Casamenteiro. Trago o amor em 17 dias”. Quase um ano e meio depois, o santo não trouxe o amor para a Elaine. Aos 44 anos, separada, ela diz que não logrou arrumar um namorado no grupo. “Sou muito ocupada, tenho filho pequeno”, diz, sem mágoa.
Seja honesto
A iniciativa de criar o “Bolsolteiros” surgiu num dia em que ela estava teclando com integrantes de um grupo pró-Bolsonaro no facebook. “Como vi que uma porção de gente gostou da ideia, fiz uma enquete para criar o nome, e a história acabou vingando”, conta.
Para fazer parte do “Bolsolteiros”, o pretendente deve responder a três perguntas: 1) Você votou no Bolsonaro? 2) Você é solteiro (a)? Por favor, seja honesto (a) 3) Você tem mais de 21, certo?
A fim de preservar os participantes do grupo, Elaine impôs como regra o respeito aos membros e moderadores/administrador, e proibiu terminantemente postagens de:
- imagens de crianças;
- palavrões, ofensas e palavras obscenas;
- conteúdo sobre violência;
- prints de conversas pessoais;
- cunho sexual, religioso, político;
- futebol;
- fotos de nudez, seios e/ou decotes; bolsolteiras de lingeries, bolsolteiros de cuecas, roupas de banho ou sem camisa;
- números de telefone e/ou links de grupos de whatsapp;
- propagandas de qualquer natureza
Vertente paulista
Em fevereiro do ano passado, um punhado de dissidentes do grupo criou uma vertente paulistana chamada “Bolsolteiros VPR” ( “vem pra real”, um apelo para sair do virtual), que chegou a agregar mil pessoas. De acordo com integrantes entrevistados na época pela coluna, o “VPR” tinha regras menos rígidas que o “oficial”. “A liberdade de expressão aqui é maior. Até pessoas de outros estados têm nos procurado”, disse a advogada Carolina Lopes, 40, solteira, sem filhos.
Pelo visto, a liberdade de expressão foi tamanha que os integrantes acabaram se desentendendo. A coluna apurou que houve um choque de interesses com o administrador, Pedro Luiz Ferreira da Silva, que tencionava abrir o VPR para eventos que permitiam o ingresso de pessoas de outros credos, “inclusive esquerdopatas e feministas”. A reportagem não conseguiu localizar Ferreira da Silva.
Em outubro o grupo não existia mais.
O “oficial” resiste, em grande parte graças à proibição de falar sobre política. Convenhamos que a regra, nesse momento, tem um efeito providencial.
Fonte: UOL
Créditos: UOL