Sempre achei assustador que metade das brasileiras entre 18 e 25 anos nunca tenham se masturbado – pelo menos foi o que elas declararam numa pesquisa do Prosex (USP). Não à toa recebo dezenas de perguntas, por email e nas palestras que realizo, sobre como chegar ao orgasmo. Como se houvesse uma única resposta, do tipo “vire à direita no semáforo e siga até a esquina da padaria”. Você consegue imaginar METADE dos brasileiros sem jamais ter tocado umazinha? Pois é: o tabu do prazer feminino é tão absurdo que não exploramos nossos corpos sozinhas e, portanto, esperamos que o outro nos dê (ou não) aqueles deliciosos tremeliques.
Rob Perkins e Lydia Daniller não se conformam com essa triste realidade. Criaram o site OMGYES (algo como “Ah, meu Deus, sim!”, a expressão remete ao gemido de prazer) depois de entrevistar mais de mil mulheres sobre as formas como elas mais gostavam de ser tocadas. Eles compilaram as técnicas mais comuns, explicando em detalhes. Mais do que isso: publicaram vídeos curtos em que algumas voluntárias mostram, explicitamente, como fazem para gozar. Não é pornografia, não é de graça. Para acessar o conteúdo, é preciso se cadastrar e pagar uma taxa equivalente a R$ 224. Nesta entrevista, Rob e Lydia contam o que descobriram em suas pesquisas e como pretendem contribuir com um mundo livre de orgasmos fingidos.
– Quando e por que vocês decidiram criar o OMGYES?
LYDIA – Tudo começou numa conversa entre amigas. Estávamos compartilhando alguns detalhes explícitos sobre como gostamos de ser tocadas. Foi muito útil ouvir o insight umas das outras sobre o prazer. Por exemplo, algumas do grupo concordaram que movimentos contínuos são essenciais para o orgasmo, enquanto outras discordaram dizendo que os movimentos precisam ser imprevisíveis. Então procuramos por pesquisas sobre o prazer feminino para saber se existia consenso em alguns temas, se as técnicas que estávamos discutindo tinham nome. Ficamos surpresas e um pouco decepcionadas ao descobrir que nunca estudaram formas específicas de tocar a vulva. Decidimos criar uma empresa, obter financiamento e começar uma pesquisa. Em vez de apresentar uma lista de fatos, reuniríamos histórias reais – faríamos desses relatos e experiências pessoais algo acessível e divertido como foram as nossas primeiras conversas sobre o assunto.
– Como é a plataforma, o que vocês oferecem exatamente e quanto custa?
LYDIA – Fizemos um site para mostrar que, embora o prazer feminino seja complexo, não é total incógnita: todo mundo é diferente, mas algumas coisas levam a maioria das mulheres ao orgasmo. Queríamos reunir isso e oferecer de um jeito prático. Percepções de pessoas reais, não de especialistas em sexo. Para que outras tentassem em casa também, não apenas assistissem ou ficassem na teoria. A primeira série do projeto OMGYES tem 10 seções sobre as principais formas de estimulação do clitóris – durante o sexo, com o dedo ou a língua. Temos 50 vídeos curtos em que mulheres explicam e mostram explicitamente variações de como gostam de ser tocadas. Também oferecemos vídeos “tocáveis” (em telas touch de celular, tablets e computadores) em imagens de vaginas para treinar os movimentos e receber um feedback – se está fazendo certo. O valor para assinar essa fase 1 é de 59 dólares (em média R$ 224). Você compra e tem acesso por tempo indeterminado ao conteúdo.
– Quantas mulheres foram entrevistadas para construir essa espécie de “guia”? Vocês descobriram dicas específicas que funcionam para muitas delas gozarem?
LYDIA – Fizemos mil entrevistas em profundidade e alguns insights para o prazer apareceriam várias vezes. As formas de expressá-las eram um pouquinho diferentes, mas significavam a mesma coisa: antes do orgasmo, precisavam de “consistência no movimento”, “continuar desse jeito” ou “não mudar nada”. Depois, conduzimos uma pesquisa quantitativa com mais mil mulheres, entre 18 e 95 anos, e descobrimos quais técnicas eram as mais prevalentes.
– Você gosta daqueles “passo-a-passo para o orgasmo” publicados nas revistas femininas? Tenho a impressão de que se generaliza tanto… como se o sexo e o prazer tivessem uma “fórmula” simples.
LYDIA – Então, na verdade é um erro chamar os tópicos do OMGYES de “técnicas”. São várias categorias de insights que levam a ter mais prazer. Como eu disse, embora o prazer feminino seja complexo e diferente para cada uma das mulheres, algumas coisas são comuns para muitas. E juntamos tudo isso de uma forma didática.
– Por que o prazer sexual das mulheres ainda é um tabu? Ter um vibrador, por exemplo, ainda faz com que algumas pessoas nos rotulem como “vadias”.
LYDIA – Nossa cultura tem constrangido fortemente a sexualidade feminina por tanto tempo que ainda é polêmico entrar em detalhes. O tabu impediu conversas abertas e francas, assim como pesquisas sobre o assunto. Então adesinformação e a vergonha vêm à tona como obstáculo ao prazer.
– O número de mulheres com dificuldades para “chegar lá” é inacreditável. Estima-se que uma em cada três brasileiras nunca teve um orgasmo. Quais as causas desse absurdo?
ROB – O mais interessante em nossa pesquisa foi perceber como a estimulação do clitóris durante o sexo aumenta o prazer e as chances de ter um orgasmo. Alguns dados: 36,6% das mulheres disseram que precisam que o clitóris seja estimulado para ter um orgasmo durante a penetração; apenas 18,4% delas conseguem ter orgasmo somente com a penetração vaginal; 7,5% nunca têm orgasmos durante a penetração. A questão é que existem muitas formas diferentes de estimular o clitóris – e o que funciona num dia pode não funcionar no outro. Estamos tentando jogar luz sobre essas possibilidades para que as pessoas explorem como tornar o prazer ainda maior.
– Você acha que os homens têm responsabilidade na falta de orgasmos femininos? O que eles poderiam fazer para nos ajudar?
ROB – Perguntamos a 1055 mulheres americanas entre 18 e 95 anos o que faz um bom parceiro sexual. As três características mais comuns foram: 91% disseram que ele/ela “se dedica a descobrir o que eu gosto”; para 89% das respondentes, ele/ela “presta atenção se estou curtindo o sexo enquanto acontece”; 73% defendem que ele/ela “está disposto a experimentar e testar novas técnicas para me dar ainda mais prazer”. Apenas 6,3% das participantes da pesquisa afirmaram que um pênis grande era muito importante e 11,5% gostam que o sexo dure bastante tempo. Esses dados são bem diferentes do que filmes e revistas nos fizeram acreditar sobre o que seria “bom de cama” – alguém que telepaticamente sabe o que fazer em cada momento do sexo. Explorar sempre o outro, conversar sobre o que está funcionando ou não, pedir por feedback são atitudes essenciais. Nossa pesquisa mostra que as mulheres em relacionamento que estão constantemente buscando como tornar o sexo mais prazeroso têm 5 vezes mais chance de serem felizes e 12 vezes mais chance de ficarem sexualmente satisfeitas.
– Não acho que as mulheres que fingem orgasmos percebem o quanto isso pode ser prejudicial para elas mesmas. Você concorda?
ROB – Sim. Esperamos que, nos próximos vinte anos, as pessoas olhem para trás e se surpreendam com o fato de termos fingido orgasmos. Do mesmo jeito que olhamos para coisas que aconteciam nos anos 1950 e não acreditamos que era assim. Ao dar acesso a pesquisas sobre o prazer feminino e conversar abertamente, acreditamos que fingir não será mais necessário.
– Você acha que as pessoas entendem como o prazer sexual é questão de saúde?
ROB – Prazer sexual é um aspecto importante da nossa vida: torna nossos relacionamentos melhores e nos faz mais felizes. Deveria ser visto como parte da nossa saúde e bem-estar, mas o tabu é tão grande que instituições têm receio de falar sobre isso e pesquisar o prazer em detalhes. Acho que está mudando e as pessoas estão mais dispostas a se abrir e explorar o assunto.
– Vocês planejam expandir o OMGYES e traduzir o conteúdo para outros idiomas?
ROB – Sim. Já está traduzido em muitos idiomas, incluindo português! Nos próximos meses vamos disponibilizar esse conteúdo. Estamos pesquisando material para a segunda série do OMGYES – abordando como a gravidez, o parto e a menopausa mudam a forma como as mulheres sentem e obtêm prazer. Ainda há tanto para explorar que isso é apenas a ponta do iceberg.
Fonte: Na Pimentaria
Créditos: Na Pimentaria