Rubens Nóbrega

O ministro Francisco Falcão, corregedor nacional de Justiça, lançou ontem em João Pessoa uma campanha curiosa, para dizer o mínimo, pois a tal campanha tem o objetivo de convencer ou conscientizar juiz de Direito a cumprir a obrigação de trabalhar todo dia útil, como todo e qualquer servidor público.

A inusitada campanha mira principalmente juízes do interior, que por força da própria Lei Orgânica da Magistratura deveriam residir nas comarcas onde atuam, onde são lotados ou para as quais são designados. Mas alguns não residem e por lá só aparecem nas terças, quartas e quintas-feiras, daí serem chamados de juízes TQQ, expressão nacionalmente famosa graças ao ministro Falcão.

Daquela maneira o corregedor referiu-se aos juízes gazeteiros nas entrevistas à grande imprensa que marcaram sua estréia no cargo, dois meses atrás. Para azar da Paraíba, em suas declarações o ministro terminou por conferir ao nosso Estado mais uma fama triste: a de celeiro – ou lócus privilegiado – dos juízes TQQs. Como se outros estados, começando pelos maiores e mais ricos, também não os tivessem.

As palavras do ministro Falcão foram respeitosa e veladamente criticadas pela Associação dos Magistrados da Paraíba (AMPB). A reação parou por aí. Quem sabe apenas para confirmar a nossa lamentável e humilhante vocação para saco de pancadas da grande mídia, que vez por outra conta com o auxílio luxuoso de figuras de expressão nacional como o corregedor para deixar a Paraíba cada vez pior na fita.

De qualquer sorte, talvez devamos ficar agradecidos porque o corregedor nos escolheu como cenário para lançar a surpreendente campanha, que pretende sensibilizar os magistrados a marcarem audiências preferencialmente às segundas e às sextas-feiras, “dias em que o quórum de juízes nos fóruns é mais baixo”, segundo a revista Consultor Jurídico, que entrevistou o ministro sobre o assunto.

A propósito, essa informação deixou um dos nossos mais brilhantes juízes bastante animado quanto a um novo impulso de celeridade e eficiência que ganhará o Judiciário brasileiro em função da nova cruzada moralizante empreendida pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), agora sob nova direção.

Em conversa com o colunista, ontem, o esperançoso meritíssimo previu que muito em breve a campanha chegará aos tribunais superiores sediados em Brasília. “Ah, vai ser uma maravilha ver ministro do Supremo, do STJ ou do TST marcando e fazendo audiência nas segundas e sextas-feiras. Deve baixar o faturamento nas companhias aéreas, mas isso é o do menos”, disse.


Por “apreço”

Quanto aos motivos da escolha da nossa brava terrinha para tamanho lançamento, o ministro disse à imprensa local que se tratava de “uma questão de apreço aos magistrados locais”. Fico imaginando como seria se o corregedor não tivesse apreço aos togados paraibanos. Mas acredito nas suas palavras e, ainda mais, na sua consideração aos paraibanos.
Afinal, o pernambucano Francisco Falcão tem “raízes profundas na Paraíba”, como diz um texto do portal do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde o corregedor certamente dá expediente com a assiduidade e competência. A referência às ligações com a Pequenina deve-se ao fato de o corregedor ser filho do saudoso Djaci Falcão, paraibano de Monteiro.
O ministro Djaci foi juiz de comarca interiorana e morava onde trabalhava. De segunda a sexta. Por esse e outros predicados, que ao longo da vida se somaram ao seu reconhecido e aclamado saber jurídico, construiu merecida fama de jurista e fechou a carreira no topo, como ministro do Supremo, Tribunal que presidiu nos anos 70.

Em tempo
Entre os mortais do serviço público a falta não justificada ao trabalho é punida com desconto no contracheque, advertência na ficha e até demissão, por abandono de emprego, se a gazeta se estender de forma contínua por mais de 30 dias ou mais de 60, intercaladamente, ao longo de um ano.
É o que diz a lei. Lei que parece não se aplicar aos aplicadores da lei num país onde em tese todos são iguais perante a lei. Na prática, a julgar pela campanha da Corregedoria do CNJ, os juízes são bem mais iguais do que os seus jurisdicionados. Vai ver é por isso que precisam ser conscientizados, convencidos etc. Punidos, jamais.
Apesar de…
Segundo divulgou ontem este Jornal, bem ao contrário do que induzem outras avaliações uma pesquisa recente do CNJ aponta os juízes paraibanos em segundo lugar no quesito produtividade entre aqueles que pertencem aos dez judiciários estaduais considerados de pequeno porte.
Com uma média de mais de mil processos julgados por magistrado, atingimos um percentual de eficiência de 86% em 2011. Em 2009, com média de 745 sentenças por juiz, o índice não passava de 44%. É medição que se faz pela quantidade de processos resolvidos. Chegou a 199.810, há três anos; ano passado, subiu para 224.676.
Imaginem se não tivéssemos juízes TQQ…