No domingo, dia 31/7, a atriz Letícia Sabatella, uma das mais talentosas de sua geração, estrela de filmes, minisséries e novelas de TV e peças de teatro pelos quais sempre recebeu os mais calorosos aplausos do público e da crítica, sofreu um linchamento moral em Curitiba, sua cidade natal, que só não degringolou em algo pior ainda graças à sua atitude pacifista, à sua firmeza, às pessoas que a protegeram e à pronta intervenção da polícia.
Nessa entrevista exclusiva ao 247, ela conta, em detalhes, tudo o que aconteceu naquele dia – “teve um senhor que estava pintado que jogou tinta, me segurou no braço… teve a senhora que instigou tudo aquilo… as senhoras que provocaram aquilo… um linchamento entre aspas, um linchamento moral… eu tentava chegar no olho de algumas pessoas e falar ‘tá errado isso que você está falando… eu não fiz isso o que você está dizendo… eu não sou uma ladra… não roubei dinheiro de nada… nem usei dinheiro da Lei Rouanet’…”
E tudo o que pensa a respeito da divisão instaurada pelo discurso do ódio: “Isso não é possível, isso não é sustentável, um apartheid… não é sustentável um país assim, esse nível de intolerância não é suportável”. “Eu acho que esse impeachment de alguma maneira é um golpe também por isso… ele não tem o intuito de melhorar a situação do nosso país, pelo que estou vendo ele acirra mais essa exclusão dos mais pobres, ele acirra as desigualdades”.
“Acho que esse governo não é legítimo. Não é legítimo. Ele é traidor. É um governo que traiu a pátria com a mudança total do projeto do governo que foi eleito. Que não quer combater a corrupção, ao contrário… tem corruptos ali… e inelegíveis… acho que é uma hipocrisia”… Mas ela acha que nem tudo está perdido: “Eu não tenho certeza se esse impeachment vai passar… Você não destrói facilmente uma força que é tão essencial da humanidade. A força do amor, a força da justiça, a força do desejo de uma sociedade justa”.
O que aconteceu lá em Curitiba?
Aconteceu que, depois de eu sair da minha casa depois de me recuperar de um resfriado forte – fiquei com febre na noite anterior e tudo…
Você é de lá mesmo?
Eu sou de lá mesmo…eu fiquei em casa até mais tarde justamente porque eu estava me recuperando, geralmente num domingo de manhã eu saio com a minha família, a gente vai no Largo da Ordem, ver um concerto, a gente vai ver uma orquestra como se fosse nossa missa…mas aí, quando eu desci, eu pensei em passar mais tarde na manifestação contra o impeachment e quando eu passei na frente do teatro Guaíra estava acontecendo uma concentração da manifestação pró-impeachment e eu passei olhando os cartazes que estavam no Guaíra que estavam pedindo a volta da Polícia Militar, eu fui passando e veio uma senhora amistosamente falar comigo, com sorriso, falando normal e eu fui conversar com ela, uma senhora, dar atenção a ela, não era porque ela estava vestida de verde e amarelo que eu precisaria ser grossa ou ignorá-la. Parei para conversar com ela, no começo era uma coisa amistosa, ela falou “você não vai vir na manifestação”? “Não, eu vou almoçar, se eu for eu vou na outra manifestação”… falei para ela sinceramente. Nisso ela foi chamando as amigas dela, e elas começaram a falar “ah, tira uma foto com a gente”, eu falei “deixa eu passar” e elas foram me enredando, me puxando e uma senhora mais autoritária queria muito forçar uma foto minha com aquele Pixuleco, aquele Lula presidiário, aí é que eu fiquei sabendo que o nome era esse, com uma bandeira e eu falei “não… por favor…”, mas elas foram me puxando e chamando outras pessoas, queriam me pintar, isso foi crescendo e isso foi um diálogo que estava durando um tempo, como eram senhoras eu tomei o cuidado de tentar sair com delicadeza, mas eu vi que a situação foi ficando meio tensa… eu fui desviando pro outro lado…
Você estava sozinha?
Estava sozinha… é, acho que é melhor até estar sozinha porque se alguém vai te defender vira uma briga…enfim, eles estavam querendo tirar um sarro, a coisa foi ficando mais agressiva, mais agressiva a partir do momento mesmo que a polícia, para me proteger, acabou dando mais argumentos para eles, talvez fosse uma técnica para lidar com aquele estado de histeria, os policiais perceberam que a população estava chegando e tentavam me proteger, mas eles foram crescendo mais ainda e gritavam e gritavam e jogavam coisas… tinta, né…quando eu vi que estava todo mundo com celular lá gravando a hostilização eu também liguei o meu celular pra mostrar o que eu estava vendo…até para ter uma defesa…ter uma versão, ter uma verdade do que estava ali…e aquilo eu acho que o celular também me esvaziou de uma outra emoção, reativa, natural que pudesse acontecer…de uma reatividade humana, enfim… embora eu não conseguisse sentir uma reação na mesma moeda porque eu percebia que eles estavam entrando em estado de inconsciente histeria… as pessoas tentando me reduzir, me xingando de várias coisas…por mais que falasse pra elas “não”… eu tentava chegar no olho de algumas pessoas e falar “tá errado isso que você está falando… eu não fiz isso o que você está dizendo…eu não sou uma ladra… não roubei dinheiro de nada…nem usei dinheiro da Lei Rouanet”… Não adiantava eu falar alguma coisa, eu percebi que as pessoas não estavam querendo argumentos, elas estavam querendo justificativas para agir da maneira que elas estavam impulsionadas a agir, fomentadas a agir… eu acho que elas estão recebendo esse aval através de vários discursos de ódio que se fazem pelo país…
É como o caso do impeachment também…tem provas que não houve crime, mas certos senadores insistem que houve crime… ela roubou o país...
Eu sinto que há essa necessidade de pegar um bode expiatório, de criar um bode expiatório para não resolver o problema, destruir aquele bode expiatório… mas você não resolve a crise assim. Acho que a gente tem que arregaçar as mangas e fazer realmente a reforma política, lutar contra a corrupção, prender os corruptos, os bandidos… entrar no âmbito jurídico e fazer o que tem que ser feito, não proteger ninguém de partido algum…
Mas tá na cara que isso é feito contra a esquerda… é como o macarthismo…
Mas o que está acontecendo é que, ao invés de se resolver o problema acho que está se criando bodes expiatórios para destruir pessoas e partidos, estigmatizando…essa necessidade de que para que alguém exista precisa destruir o adversário, aquele que pensa diferente… esse é o perigo que estamos correndo…
Isso é o que faz a direita sempre, a esquerda nunca agride, você já reparou? Quando acabou a ditadura a esquerda não saiu agredindo a direita, não exigiu punição dos torturadores, os torturadores não foram punidos…a esquerda nunca agride a direita, acontece o contrário, é o que estamos vendo hoje, a direita vai pra cima da esquerda…porque a direita é que tem as armas, a direita é que é furiosa… a esquerda é boazinha… a esquerda é boazinha, como você… você é compreensiva, você não usa armas… a direita usa armas de fogo, usa a arma da incompreensão, da intolerância, esse é o choque que está havendo… é o macarthismo… é como aconteceu nos Estados Unidos… não precisava de provas para condenar, bastava delatar…era contra a esquerda… a gente está vivendo a repetição do macarthismo… e o McCarthy agora se chama Sergio Moro…foi ele na verdade quem começou tudo isso…Curitiba é a capital da intolerância!
Eu não quero corroborar o teu discurso na entrevista, embora eu esteja ouvindo o que você está falando.
Eu estou dizendo isso para ouvir a tua opinião…
Mas você faz uma pergunta mais clara, por favor?
Claro…
Porque senão parece que a gente tá…
Como é que se desenvolveu o episódio com você? As pessoas vieram te xingar? Veio aquele cara te xingar, o filho do presidente do Banestado…?
As pessoas se sentiram acobertadas pela multidão, né, a multidão é como se fosse uma máscara… a internet é como se fosse uma máscara… acobertadas por isso elas soltaram sua necessidade de agressividade… que existe isso no ser humano…
E o que esse cara fez? Esse parece ter sido o mais agressivo…
Não sei dizer… todos eles foram muito agressivos… já tinham feito bastante coisas antes…teve um senhor que estava pintado que jogou tinta, me segurou no braço…teve a senhora que instigou tudo aquilo…as senhoras que provocaram aquilo… um linchamento entre aspas, um linchamento moral… e a coisa foi crescendo assim, dessa maneira e está lá no vídeo também…
Você foi isolada pela Polícia Militar. Foi isso?
Tá lá no vídeo… você viu?
Não.
Ahhh… dá uma olhada…eles me fizeram sair da praça… continuaram me perseguindo… continuaram indo atrás… e os policiais queriam me colocar dentro do camburão… para me proteger, claro, mas eu disse “eu não vou para um camburão”… eu achava que a melhor coisa a fazer era a polícia ir para lá, mas a polícia não tinha como dirimir essa visão, era uma confusão armada… então, o que eles fizeram? Eles isolaram aquela reação e foram me tirando dali…queriam me colocar num lugar que eles consideravam seguro, que era o camburão…mas seria uma imagem muito humilhante, uma situação muito errada diante do que estava acontecendo, então eu resisti a isso… e eles não tinham porque fazer isso, eu não estava opondo qualquer tipo de resistência nem estava sendo agressiva, estava apenas filmando…então eles entenderam isso e eu falei “a minha casa é aqui do lado”…eles foram me levando até o portão do meu prédio. Eu fiquei ali e o policial pediu para eu subir enquanto eles estavam gritando muito. Eu falei “eu não vou subir desse jeito, eu acho que o senhor precisa levar eles para a manifestação”. Ele falou: “eu preciso garantir tua segurança”. Falei: “parece que o senhor está cuidando mais para que eles possam continuar fazer isso” e ele falou “não, eu estou cuidando da tua segurança”. Eu concordei com ele, mas falei “eu não vou subir, eu vou ficar aqui na minha casa e acho que é hora de eles voltarem para a manifestação”. Eles falaram: “Então nós vamos ficar aqui, porque se alguma coisa acontecer em relação ao patrimônio público é uma responsabilidade nossa”. Eu falei: “Eles não vão fazer nada, se os senhores forem embora eles também vão embora”. Eu fiquei esperando eles se retirarem. Depois que eles se retiraram eu continuei andando na rua com outras pessoas, pessoas que foram se juntando, porque, naquele momento na praça outras pessoas estavam passando para irem para a outra manifestação. E essas pessoas se juntaram a mim, ficaram ali em volta. E me chamaram “vamos lá para a outra manifestação, já está na hora”. Tudo isso durou mais ou menos uma hora e tanto, foi longo, demorou um tempão essa situação… então, nesse momento, já estava na hora da outra manifestação começar… e eu ia com eles para a outra manifestação, só que no meio do caminho eu estava tão cheia de tinta eu falei “eu acho que vou para minha casa, me lavar e depois eu vou”. Aí eu me despedi deles e fui para minha casa me arrumar.
Você chegou a se assustar com isso que aconteceu?
Depois que tudo passou eu e o rapaz que me protegeu e a moça que também me protegeu que estavam juntamente comigo na hora em que a gente voltou, ficaram comigo o tempo todo, a gente se olhou, se abraçou e chorou. A gente chorou, assim, pelo que está acontecendo. Por esse abismo criado, por esse abismo de comunicação com as pessoas que eu tenho certeza que são meus vizinhos… que são parentes de pessoas que eu conheço… provavelmente tem ali parente de alguém com quem eu brinquei na minha infância…então, é uma sensação ruim por isso… mas, por aquele episódio eu confesso que meu sentimento é de tristeza por todas as pessoas que foram envolvidas ali de algum modo. Porque eu percebi que aquilo fugiu de algum modo do controle civilizatório total e de um controle possível, eu acredito que aquilo foi uma sombra que ficou em cima daquela situação e acredito que se nós estivéssemos em outro momento, numa situação em que os discursos de ódio não estivessem tão acirrados, se nós pudéssemos sentar em algum lugar e conversar, boa parte daquelas pessoas não teriam chegado àquele ponto…alguns talvez sim… um ou outro talvez tenha um caráter mais doente nesse sentido, mais maléfico nesse sentido, mas acho que a maior parte das pessoas acabam se envolvendo nessas situações pelo coletivo. Então, meu sentimento é de tristeza pelo que está acontecendo a esse povo, a esse nível de irracionalidade.
Por que você acha que está acontecendo isso?
Eu vejo na maneira antidemocrática com que as pessoas estão lidando com as questões e os discursos de ódio. Os discursos que incitam à intolerância.
Mas quem está liderando essa incitação?
Tem várias pessoas… acho que é possível eu falar isso e as pessoas reconhecerem esse discurso de ódio… quem lê a matéria pode reconhecer o que é esse discurso de ódio e pode reconhecer o que é um discurso consciente. Acho mais importante buscar por um discurso de conscientização, por mais que possa parecer maçante, por mais que as pessoas pensem ah, meu Deus…é melhor isso do que frases de efeito, do que clichês, do que estigmas, do que bulling…coxinha… petralha… Isso é como eu penso, romanticamente falando: a solução é o diálogo.
Mas quem você acha que começou essa guerra, esse discurso do ódio? Foi o Eduardo Cunha, que é um sujeito agressivo?
Eu não sei dizer quem foi que começou, eu acho que isso sempre existe, mas, de algum modo, quando a gente vê isso se tornar o estado das coisas, na voz que mais fala, isso surgiu num crescente em vários lugares, acho que várias coisas podem ter contribuído para chegar a esse ponto. Eu prefiro falar que nesse ponto que está é hora de enxergar o que está acontecendo e dizer: opa, se está nesse ponto é porque não está legal! Isso não é possível, isso não é sustentável, um apartheid… não é sustentável um país assim, esse nível de intolerância não é suportável.
Você acha que em Curitiba a coisa está mais exacerbada que em outros lugares?
Não acredito…
Por causa da Lava Jato…?
Eu não acredito…eu sou de Curitiba também, eu tenho muitos amigos em Curitiba, eu acho que em todas as partes do país, em São Paulo, em Curitiba, no Rio de Janeiro, em Porto Alegre acontece isso… a gente está vendo o país dividido.
Você acha que foi o impeachment que dividiu o país?
Ahhh…
Ou isso que chamam de impeachment…
Eu, pessoalmente, tendo a acreditar que essa forçação por esse impeachment realmente piorou, mas acho que o país já estava dando sinais de que isso pudesse acontecer se não se tomasse muito cuidado. O país é dividido, a gente tem essa divisão. A gente estava caminhando na construção de uma igualdade crescente…de acabar com a desigualdade… mas ainda realmente muito longe de acabar com a desigualdade… e eu acho que esse impeachment de alguma maneira é um golpe também por isso…ele não tem o intuito de melhorar a situação do nosso país, mas, pelo que estou vendo, ele acirra mais essa exclusão dos mais pobres, ele acirra as desigualdades. As leis e o que está sendo aprovado, o que está sendo conduzido nesse governo interino aumentam ainda mais esse abismo social e fatalmente contribuem para esse abismo que a gente está experimentando.
Esse conflito que está havendo ocorre dentro da classe média, não é? Não é um conflito entre pobres e ricos, não acha? É a classe média que está em conflito, não é?
Não sei dizer…
Por exemplo, o que aconteceu com você em Curitiba, foram pessoas de classe média que te agrediram…
Eu não sei dizer…
Os pobres não estão saindo para a rua… os pobres sofrem, mas não são eles que vão à Avenida Paulista…
Eu acho que estão indo para rua também…
Os movimentos sociais organizados, sim…
Essa estigmatização dos movimentos me preocupa. As pessoas que estavam na praça pedindo a intervenção militar querem acabar com os movimentos sociais, elas vêm tudo como nocivo…e é importantíssimo… quando a pobreza se organiza em movimentos isso é uma solução, porque é um caminho mesmo, cidadão, muito melhor do que a marginalidade… do que a desintegração, do que a deterioração. O que eu percebi foi isso naquelas pessoas ali, acho que ali também era a concentração das pessoas mais intolerantes que existem em Curitiba, naquele lugar especificamente…
São as pessoas que estão ocupando os espaços…
É…
Eu estava vendo hoje a sessão da comissão do impeachment…
O que está acontecendo com nosso Congresso, o que está acontecendo com nosso Senado…eu sinto por isso também, está na hora da gente abrir muito os olhos para que tipo de sociedade a gente está aceitando, está digerindo…
Por que você acha que a Dilma perdeu a maioria que tinha?
Eu acho que o início do segundo mandato dela foi bastante decepcionante…realmente… no que tange às questões indígenas, no que tange a várias questões… foi uma coisa que decepcionou…dentro do projeto de governo que foi sugerido. Não acredito que seja uma responsabilidade somente dela…ali havia uma coligação PT-PMDB… ali havia o Eduardo Cunha… ali havia o Temer…ali havia todas as pessoas que estão no poder… então não dá para entender onde está o problema, porque depois de tirar tudo da Dilma ainda ficou pior… não melhorou nesse quesito…nessas questões mais sociais, essas questões mais emergentes do nosso país, então fica mais claro ainda qual era o problema daquele governo que não foi tão bem aceito logo no começo e que fez ela perder essa maioria. Eu não votei na Dilma…sinceramente…
Em quem você votou?
Eu acabei não votando porque eu estava viajando e trabalhando. No primeiro turno eu votei nos candidatos do PSol… no segundo turno eu acabei não votando… mas eu não estava contente, assim, eu não estava contente com a eleição, eu não achava que o caminho era o Aécio Neves, mas também não estava confiante no caminho da Dilma… eu achava que talvez fosse o menos pior…mas eu não estava satisfeita com o governo dela…por causa das questões ambientais, das questões indígenas…reforma agrária… o mesmo modelo de desenvolvimento ainda estava sendo privilegiado…mas é uma realidade que eu, ao longo desse processo todo de impeachment, disso tudo, eu fui compreendendo a dificuldade de se fazer uma mudança, uma transformação social mais efetiva, dentro desses limites. Como a gente conhece a história do nosso país, a gente sabe com que forças arcaicas a gente lida, eu estou compreendendo isso, eu entendo qual é a intenção deles.
Qual é a intenção?
É o que a gente está vendo… não é de acabar com a corrupção…com certeza não é.
Tanto que o ministério Temer é formado por envolvidos em corrupção, quase todos. O próprio Temer. Como é que você descreveria o Temer?
Irreconhecível como presidente. Eu não consigo achar que ele é uma pessoa que em 2016 no Brasil pós luta pelas Diretas possa reconhecer como presidente.
E o passado dele é todo de repressão… foi secretário da Segurança Pública…
É. Ele tem muito pouca aprovação, também. Ele não seria eleito pelo voto.
Ele teve poucos votos até como deputado. Foi eleito graças aos votos de outros candidatos, graças ao voto de legenda…
Ele escalou o poder, não foi eleito.
Você acha que essa situação dura? O impeachment vai ser aprovado?
A gente continua com o mesmo Senado que votou no primeiro turno… então é difícil…
Por mais que se tenha provas… é a mesma situação que você enfrentou na praça…por mais que você tentasse argumentar, não adiantava…
É autoritário, é de cima pra baixo…
Eles já decidiram que é assim. Por mais que se diga, por mais que se prove que não houve crime…continua o mesmo discurso… de cima pra baixo… como é que você chamaria isso?
Autoritarismo.
Como serão esses dois anos pela frente? Parece que não tem jeito mais…
Eu não sei. Eu realmente não sei. Eu não tenho certeza se esse impeachment vai passar…
Você tem esperança ainda? Será que a Olimpíada muda alguma coisa?
Sim, eu tenho esperança, porque há um crescimento da consciência, ao mesmo tempo…muitas pessoas não estão aceitando isso… eu estou percebendo pela reação das pessoas ao que aconteceu comigo, ao que tem acontecido com o país…que existe algo a se fazer a respeito do que está acontecendo. Você não destrói facilmente uma força que é tão essencial da humanidade. A força do amor, a força da justiça, a força do desejo de uma sociedade justa. Existe, de fato, e ela é muito grande. Ela luta, ela sonha, o sonho é muito forte. O sonho se realiza, vira concreto. Vira obra de arte, vira manifestação, vira evento…vira… transforma em coisas…tem gente sonhando com coisa melhor do que está… então isso existe. E isso é forte. Essas duas forças contrárias que existem nas populações do mundo inteiro, o yin e o yang… os craôs falam de sol e chuva… o equilíbrio delas é que faz as coisas estarem bem. O excesso de uma força, o autoritarismo, somente essa força mais dura e conquistadora, que é o yang não é suficiente, como também somente o yin não é…é o equilíbrio entre essas duas forças que vai dar certo…que existe esse contrário… não é possível querer que não exista essa oposição e que temos que ser todos iguais, pensar do mesmo jeito e agir da mesma maneira… isso é nazismo… isso é um perigo! Isso é errado! O mais saudável é a gente reconhecer que a gente vai ter que dialogar com a força contrária. A gente vai ter que dialogar com aqueles que são os mais incisivos e com aqueles que querem ser mais receptivos e amorosos. Tem que dialogar com essas duas forças para construir o que seja íntegro. E tem que querer essa coisa íntegra. Não pode querer “não, tem que ser do meu jeito” e achar que tomou o poder à sua vontade egoísta… não tomou o poder… existe o outro… nem se você o matar você vai fazer conseguir com que ele não exista. Essa força existe. Nem mesmo a morte acaba com ela. Então, eu não acredito na destruição total de um sonho. Eu não acredito que isso aconteça, isso não acontece.
Você acha que não vão conseguir prender o Lula?
Não, eu não sei… eu não sei o que está acontecendo…não sei se estão querendo prender o Lula…
Agora o transformaram em réu…acusando-o de obstrução de justiça, algo que nem existe no código penal…
Eu não estou acompanhando isso, não.
Estão acontecendo coisas absurdas… você acha que estamos vivendo algo parecido com estado de exceção? Ou é uma democracia arranhada?
A gente está com uma democracia arranhada, correndo o risco de entrar num estado desses. Onde haja… eu não sei… eu não vou dizer que a gente está ou não está… porque eu estou vendo resistência e luta. Então acredito que chegue a ser impossível esse tipo de coisa ter sucesso. Acho que está tendo muita luta e resistência para não acontecer isso.
Você acha que a Olimpíada é capaz de mudar o clima?
Não sei…
O que você pensa dessa Olimpíada?
Ainda não estou com espírito muito esportivo para essa Olimpíada, mas estou vendo essas coisas tipo essa do sujeito com a tocha, de ontem… tão bonita aquela manifestação dele… o protesto dele foi a coisa mais linda, a bandinha tocando e ele com uma sunga escrito “Fora Temer” na bunda… (risos) foi tão poético… aquilo foi muito bonito. Tem coisas que estão acontecendo que quebram essa caretice que está julgando… condenando… é uma caretice falso moralista, que xinga de puta, de vagabunda, de vadia, de ladra do PT… essas coisas que estão estigmatizando as pessoas… as pessoas parece que não podem sair da linha… meu Deus, tem que usar a gravatinha e o cabelo segundo a igreja manda…talvez tenha esse tipo de pessoas que estão achando que vão ter que viver nesse tipo de hipocrisia… mas também tem muita gente quebrando a caretice! Os próprios movimentos dos artistas que estão no Ocupaminc…é uma resistência a isso… não, o nosso país é diverso, a nossa cultura é rica…e a defesa da cultura nesse momento não é uma coisa segregadora…de forma alguma… ela é a nossa identidade… ela é a identidade do povo brasileiro… a cultura está resistindo…tá tendo muita expressão dessa força… dessa beleza… dessa diversidade…e resistindo a tudo isso, através dos jovens, dos estudantes, das mulheres, dos movimentos feministas que estavam tão quietos, tão relegados… de repente eles ficaram essenciais. E as pessoas passaram a nem ter pudor. Não é um extremismo ser feminista. É uma busca por justiça, por igualdade. Mas eu gostaria de poder ter conversado… aquilo que as pessoas fizeram ali naquele momento tornou impossível a gente quem sabe um dia se encontrar e conversar…porque eu queria tentar entender o que faz uma pessoa acreditar que a intervenção militar é o melhor… e conversar com ela sobre isso…é realmente o melhor? Vamos conversar sobre isso? Não, não, ali não tem possibilidade mais de conversar… é porque é! Quer uma coisa mais autoritária e ditatorial do que isso?
Ninguém quer ditadura no mundo! Todo mundo quer democracia!
Polícia pra quem precisa de polícia…mas pelo modo como eles reagiram ali…
Eles não sabem o que é uma ditadura… na ditadura o cara entra na tua casa e te prende… entraram na minha casa de metralhadora e me prenderam.
Você foi preso na ditadura?
Sim. No DOI-Codi. Tocaram a campainha da minha casa às seis da manhã, invadiram minha casa com metralhadoras…
Caramba…
Dando socos… me levaram para a viatura…
E fizeram o que? Você tinha que prestar depoimento?
Me prenderam por 45 dias…
Não falaram nada?
Falaram. Falaram que eu era o “Hippie da AP”, o que eu nunca fui. E sabe que provas eles arrumaram contra mim? Um livro chamado “Maravilhas do conto russo”…
Meu Deus! Que ignorância! São estúpidos no poder… a gente não pode deixar que tenha estúpidos no poder…tem que ter sábios no poder…
Você já leu os poemas do Temer?
Isso é uma coisa que é muito necessária… na minha experiência na tribo craô… eu participei de algumas assembleias deles…quando eu cheguei lá eles pediram para fazer um documentário, foi produzido o documentário, foram anos produzindo…no dia em que cheguei lá para filmar eles fizeram uma reunião com todos da aldeia que tinham se juntado para a festa que a gente ia filmar, tinha uns 300 e a gente passou a noite inteira, todos eles começaram a questionar… porque alguns levantaram a discussão de que precisavam de dinheiro, mais dinheiro…eu já tinha separado um valor que tinha mandado pra aldeia…eu não estava ganhando nada, estava revertendo meu cachê para fazer benesses para a aldeia…o direito autoral, a renda toda revertida para eles…tudo era para eles… e aí teve esse tipo de paralisação do processo…que me deixou meio chocada… foi feita uma assembleia pelos “parris” mais velhos…todos os que quiseram falar, falaram… os mais revoltados, os mais ignorantes… “esse dinheiro podia fazer ponte em vez de fazer filme”…falaram, falaram, falaram e você tem que ouvir… pacientemente… depois as pessoas da produção explicaram o processo, como é que foi, de onde veio o dinheiro para esse filme, que era um dinheiro que poderia fazer um filme da Xuxa, uma comédia, uma animação e podia fazer um filme para os craô… não era dinheiro pra fazer ponte…aí eu falei qual foi o meu processo… por último falaram os “parris” mais velhos e mais sábios… eles apaziguaram todo mundo… e acabou, nunca mais teve problema…todos podem falar, mas a sabedoria tem a última palavra…o que temo pelo nosso país é que a gente dê a nossa última palavra para os mais idiotas…pros mais estúpidos… ou pros comentários os mais ignorantes… talvez seja melhor colocar na entrevista que a gente dê a última palavra para a estupidez, para a ignorância, para o desconhecimento… é isso que a gente tem que tomar cuidado… a gente tem que ouvir todo mundo, mas que a gente ouça no final a voz da sabedoria.
Você acha que Sergio Moro faz parte da sabedoria ou da estupidez?
Não sei. Tem horas que acho que faz parte da sabedoria…tem horas que eu fico um pouco preocupada com o fato de… porque ele realmente está fazendo um trabalho a serviço de acabar com a corrupção. Eu quero que a Lava Jato continue existindo. Eu quero que o combate à corrupção continue existindo no país. Mas, eu não estou vendo o Eduardo Cunha ser preso… não estou entendendo porque as pessoas que a gente está vendo que estão mais prejudicando o país ainda estão dando as cartas no nosso país.
O Renan Calheiros tem nove processos na Lava Jato e é o terceiro homem mais poderoso do Brasil…
Isso eu não estou conseguindo avaliar dessa maneira. Eu acreditei num momento, quando estavam começando a vazar os áudios do Sérgio Machado… opa, então é uma coisa neutra…
Mas ele foi calado, né?
De algum modo existe uma força muito antidemocrática…dirigindo o que está acontecendo no país… eu não sei de onde ela vem…eu não sei quem pode ser responsabilizado por isso…se somos nós, os cidadãos que devemos ser responsabilizados…ou se nós realmente deveríamos tomar as rédeas e garantir a nossa cidadania…
O que assusta, por exemplo, é o Moro soltar o João Santana e proibi-lo de trabalhar em campanhas políticas…
Eu acho que estou falando muito… a gente começa a entrar muito no âmbito político, Alex…eu não sou essa pessoa… não sou uma vereadora…
Eu sei que você não é… é a sua opinião como cidadã…tem as leis… na constituição está escrito que é livre o exercício da profissão… você não pode ser proibido de trabalhar…parece que o combate à corrupção é dirigido para certas pessoas…o PT não pode participar de corrupção… prendem o marqueteiro, o tesoureiro, mas o tesoureiro do PMDB não foi preso…é o que você estava falando… não sei se você concorda…
Eu estou ouvindo o que você está falando…não é uma pergunta, né, é uma colocação sua…
Estou colocando para você dizer o que pensa…
Eu acho que falei o que eu penso…eu não quero instigar essa polarização…
Não, claro que não… você acha que a imprensa instiga?
Eu acho que de vários lugares se instiga essa polarização…por parte dos cidadãos… por parte da imprensa…por parte das lideranças… lideranças religiosas instigam essa polarização… essa inimizade…a discussão é saudável… mas a inimizade, a necessidade de que o outro não exista, que seja destruído, que seja humilhado…isso é uma coisa que tem vindo de muitas lideranças…intolerantes…
Essas lideranças religiosas são de onde?
Acho que lideranças políticas também estão fazendo isso… acho que lideranças de vários setores…
Você acha que religiosos deveriam ser políticos? Quem começou isso parece que foi o Edir Macedo…
Eu não vejo problema em um religioso se tornar um político… o problema é a política ficar religiosa…não a política ficar espiritualizada, ficar evoluída, ficar tolerante… isso é uma coisa… mas ficar religioso nesse sentido…a política ficar impregnada de dogmas, de coisas que são questionáveis… para um país que é tão diverso… isso eu acho perigoso…usar a religião para as pessoas votarem em nome de Deus… em alguém que tem desejos escusos com esses votos…isso é muito perigoso… os falsos pastores…porque você pega as pessoas no inconsciente delas…manipulando a boa vontade de muita gente…a pessoa quer acertar… o fiel, o devoto ele quer agradar a Deus…e se você colocar para o devoto que Deus está querendo que ele vote naquele candidato, porque ele é um candidato eleito por Deus, porque ele é um pastor, isso é manipulação. A pessoa tem que ter o direito de ser um devoto, de ir à igreja e ter a possibilidade de ver os projetos técnicos que são importantes para a cidade dela, para a rua, para a população e escolher isso conscientemente, movida pelas melhores intenções que ela carregou, da sua espiritualidade, da sua religiosidade própria, ela pode ter a sua escolha, ela pode ser uma cidadã também. Na mesma igreja tem pessoas que votam no fulano e que votam no sicrano; tem cristãos que são do MST, tem cristãos que são petistas, tem candomblecistas que votam no PMDB, tem outras que votam no PT…mas haver uma bancada evangélica dentro do Congresso… não sei…
Eu acho que nem deveria misturar as coisas… o religioso é o religioso, o político é o político…misturar os dois leva à situação que você estava descrevendo… igreja não paga imposto… por que não paga imposto?
Sabe qual é a minha preocupação com a forma da entrevista que é muito interessante como diálogo? É porque, como você faz uma conversa e não uma pergunta objetiva… você vai colocar uma pergunta…
Não, vou transcrever tudo como está…
Eu fico um pouco preocupada com isso…
Eu vou transcrever como você falou… não vou transformar o que eu falo em pergunta…
Eu não queria que você…
Vou transcrever como está…eu falo… você fala… é literal…
Tá… Obrigada. É porque parece que você está criando uma fala que não é minha.
Não, não faço isso…
Obrigada…
O que eu falei vai aparecer na minha boca, o que você falou, na sua… não vou colocar na sua boca o que eu falei…
Eu deveria ter entendido melhor a forma da entrevista…
Vou reproduzir a nossa conversa na íntegra…
Tá…
Como duas pessoas dialogando… você tem a sua visão, eu tenho a minha…
Entendi.
É uma conversa… é o diálogo que você está propondo…o que você acha melhor: a Dilma voltar ou o Temer continuar?
Eu acho muito melhor a gente retomar o nosso estado democrático de direito. A democracia ser garantida. O voto direto ser respeitado. Acho muito melhor a gente ter a reforma política que está sendo evitada por esse governo interino… precisa ter a reforma política… acho melhor o combate à corrupção continuar e acho melhor a gente pensar muito bem quem nós vamos escolher na nossa próxima presidência…muito bem… com o melhor exercício democrático… o melhor dos mundos para mim seria isso…a democracia ser restabelecida…a Dilma chegou a aventar um plebiscito e a gente decidir por novas eleições… é uma proposta que vem como um modo de solucionar essas diferenças…mas eu pessoalmente acho melhor a gente não perder as coisas que estão sendo perdidas…direitos que estão sendo tirados nesse momento…que a gente retomasse a nossa democracia… que a gente fosse respeitado…que o voto do cidadão fosse respeitado…
Você concorda com eleições a presidente este ano?
Não sei… o meu ideal seria não deixar que a democracia fosse ferida dessa maneira…
O teatro está sendo afetado por essa situação do país?
Tem tido mais público… as pessoas estão precisando de bom teatro… de boa cultura… as pessoas estão indo ao encontro disso… embora eu esteja preocupada com a situação do nosso ministério da Cultura…
O que você pensa do ministro da Cultura?
Eu ouvi coisas boas sobre o Calero. Mas, depois, os posicionamentos dele… a maneira como ele tratou a Sônia Braga… também não achei que ele foi feliz…não achei que deu uma resposta muito correta…ele se solidarizou, parece, com o que aconteceu comigo, eu recebi uma mensagem dele… eu agradeço…embora ele não entenda meu posicionamento no Ocupaminc…mas eu também não entendo uma pessoa como ele aceitar esse governo… não é uma questão somente de aceitar um ministério que está sendo desmontado… é uma questão de não aceitar mesmo um golpe, de não aceitar a legitimidade desse governo…
Você acha que esse governo não é legítimo?
Acho que não é legítimo. Não é legítimo. Ele é traidor. É um governo que traiu a pátria com a mudança total do projeto do governo que foi eleito. Que não quer combater a corrupção, ao contrário…tem corruptos ali…e inelegíveis…acho que é uma hipocrisia…
O próprio Temer foi declarado inelegível por oito anos…
Eu acho uma hipocrisia aceitar esse governo. Pra mim seria uma hipocrisia eu aceitar esse governo. Eu não estaria sendo honesta se estivesse aceitando…
Fonte: Brasil 247