Felipe Mortara – O Estado de S.Paulo
O peregrino não quer chegar, quer estar no caminho. Parece filosofia de vida, mas é uma forma de explicar o prazer de colocar a mochila nas costas, apanhar o cajado e gastar o solado da bota em caminhadas longas, por vezes longuíssimas. Viagens feitas a pé onde percorrer o trajeto é o objetivo. Muito mais que chegar ao destino.
O Caminho de Santiago de Compostela, com seus cerca de 800 quilômetros de extensão entre Portugal, Espanha e França, é a referência mais lembrada quando se fala em roteiro peregrino. Tanto que, apesar de sua vocação religiosa, faz parte dos sonhos turísticos de muitos viajantes sem fé.
Isso porque viver as emoções da caminhada, dormir em albergues simples, trocar vivências com outros peregrinos e mergulhar em momentos de autoconhecimento são apelos tão fortes quanto expressar ou reforçar a crença religiosa. Quem põe, literalmente, o pé na estrada, independentemente do motivo, costuma voltar encantado.
O tempo no asfalto, no barro ou na areia é encarada pelos viajantes como uma oportunidade para pensar na vida e se reinventar. A internet está cheia de depoimentos de quem viveu a aventura de viajar a pé. Casos como o de um coronel da Polícia Militar, que conta que se sentiu um recruta ao precisar da ajuda de um jovem de 23 anos para chegar ao fim do dia.
O curioso é que a maioria dos turistas andarilhos, que passam desde oito dias até um mês caminhando, lembra bem das dificuldades enfrentadas. Dor, cansaço, bolhas nos pés, sol, chuva, aridez e frio fazem parte da jornada. Mesmo assim, nos relatos, o destaque sempre é dado à riqueza das experiências e à beleza dos cenários vistos – afinal, praias, cidadezinhas históricas montanhas e planícies surgem todo o tempo no horizonte. Em geral, quem faz uma caminhada repete a dose, acaba virando entusiasta e transforma as viagens a pé em estilo de vida.
Habitués. Segunda a Junta de Galícia, órgão que controla o fluxo de andarilhos na Basílica de Santiago de Compostela (caminhodesantiago.org.br), onde termina a rota peregrina mais famosa do planeta, o Brasil ocupa a oitava posição na lista de 140 países que mais enviam turistas ao trajeto – e que completam o percurso. Fora da Europa, somos os campeões de frequência por lá. O que mostra o gosto dos brasileiros pela caminhada e a força da religião católica por aqui.
O que muitos talvez não saibam é que, fiéis ou não, os andarilhos nacionais podem encontrar roteiros interessantes para viajar de mochila e cajado na mão aqui mesmo, no País. São dez grandes percursos demarcados no Brasil, com razoável estrutura e entidades que zelam por seu bom funcionamento.
A maior parte das iniciativas partiram de viajantes que completaram com esforço o Caminho de Santiago. E perceberam que uma boa preparação faz diferença antes de encarar a grande aventura peregrina da vida. O Caminho Lagunar, por exemplo, com 87 quilômetros, margeia lagoas e praias em Alagoas e tem como propósito declarado o preparo para Compostela.
Já o Caminho da Paz, entre Amargosa, no sertão baiano, e Ubaíra, 127 quilômetros depois, atrai viajantes motivados pela solidariedade. A caminhada termina na sede do Projeto Semente, que promove atividades esportivas para jovens carentes.
Entre os roteiros com vocação religiosa estão o Passos do Padre Ibiapina, que percorre no mínimo 60 quilômetros pelo interior da Paraíba. E o Passos de Anchieta, com 89 quilômetros ao longo de praias no Espírito Santo, saindo da Catedral de Vitória, rumo ao município de Anchieta, onde o famoso padre faleceu. O trajeto pode ser concluído em quatro dias e a saída oficial, em grupo, acontece em junho – mas pode ser percorrido de forma independente em qualquer período.
Vários outros Estados brasileiros oferecem a chance de cruzar municípios sob a orientação de mapas, sendo recebido em pousadas simples ou casas de moradores que acolhem os viajantes e fornecem refeições a preços justos. Nas páginas 6 e 7, você encontra mais opções.