Ronaldo, um dos baluartes da transposição

Nonato Guedes

“Por que não saímos de providências desconexas, parciais, casuísticas ou pressionadas pelas tragédias? Por que não se corrigem as deficiências dos organismos regionais nem a dispersão de seus esforços. Por que não se articula uma política de desenvolvimento social que busque efetivamente a erradicação da miséria e a redução da pobreza, lá onde ela mais se concentra, ajudando a corrigir as causas e não simplesmente a atenuar os efeitos de forma provisória e precária? Como o maior bolsão de miséria e pobreza, o Nordeste está sempre na berlinda e reclamando um plano de desenvolvimento, um projeto que abra perspectivas de superação do subdesenvolvimento e de materialização de suas grandes potencialidades. Mas só se ouve falar de remendos, de acomodações ou da postergação do essencial”.

Estas palavras foram ditas no plenário do Senado Federal em 16 de janeiro de 1996 pelo poeta paraibano Ronaldo Cunha Lima, ex-governador, ex-deputado federal, ex-senador, ex-deputado estadual e ex-prefeito de Campina Grande, falecido em julho deste ano em João Pessoa, e refletem o papel que ele teve como um dos baluartes do projeto de transposição das águas do rio São Francisco, ainda hoje objeto de críticas pela falta de celeridade.

Com uma frase emblemática, coerente com a sua verve – “Se há rios de dinheiro para salvar bancos falidos, deve haver dinheiro para um rio que vai salvar vida” – Ronaldo Cunha Lima manifestou-se em várias ocasiões sobre o grupo de trabalho criado pela presidência da República para definir programas de ações imediatas e estruturar a programação de médio prazo para a bacia do Vale do São Francisco, especificamente visando à recuperação das condições de navegabilidade do rio e o estudo de alternativas de transposição das águas para as bacias carentes. Ele informava que, em paralelo a essa iniciativa, a bancada do Nordeste decidira elaborar um trabalho condensando reivindicações para exame do presidente da República e dos setores competentes, sem prejuízo dos trabalhos desenvolvidos pelo grupo criado pela Câmara de Políticas Regionais.

Ronaldo indagou, num dos pronunciamentos, quais as razões para o retardamento da transposição para o Nordeste mais sofrido, que se recuperaria com a retirada de apenas 70 metros cúbicos de água do São Francisco, menos de 3% da vazão do rio no ponto de captação. Afirmou que nenhuma ação concorreria tanto para a concretização dos objetivos maiores do programa do governo de justiça social, de geração de empregos, redução da miséria e das desigualdades, quanto o projeto integrado de transposição.

Exortava, também, as elites políticas do Nordeste para a sua grande responsabilidade na condução desse projeto. “A Região tem pressa em superar suas deficiências básicas e em recuperar o atraso e a distância dos outros. É indispensável que cada Estado do Nordeste se convença de que, apenas unida, a Região conseguirá progredir na velocidade do mundo de hoje, e de que o progresso de cada Estado nordestino repercutirá positivamente nos Estados vizinhos”.

Aparteado por inúmeros parlamentares, a exemplo dos paraibanos Humberto Lucena e Ney Suassuna, Ronaldo Cunha Lima fez questão de incorporar tais intervenções ao seu pronunciamento. Numa das falas, o poeta evocava, com a mesma ênfase com que foram proclamados, os versos do poeta e jornalista baiano radicado no Ceará Demócrito Rocha, quando solicitava providências para a construção da barragem de Orós, no rio Jaguaribe: ‘O rio Jaguaribe é uma artéria aberta/por onde escorre/e se perde/o sangue do Ceará”. Da mesma forma, dizia que o rio São Francisco era uma artéria aberta por onde escorre e se perde o sangue do Nordeste.

“Ninguém o escuta/E o gigante dobra a cabeça sobre o peito enorme/E o gigante curva os joelhos no pó/Da terra calcinada/E nos últimos arrancos/vai morrendo e resistindo/morrendo e resistindo”, concluía Ronaldo Cunha Lima.

Em seu artigo publicado na edição de hoje do jornal “Correio da Paraíba”, o arcebispo Dom Aldo Pagotto alude à questão da seca e à necessidade da solidariedade, advertindo que se não tivesse sido paralisada a transposição, já estaríamos com água jorrando em Monteiro neste final do presente ano de 2012. Dom Aldo assinala que a obra estrutural da transposição das águas, ainda que agilizada, tende a demorar para ser concluída e dependerá, muito, da mobilização dos prefeitos de todos os municípios em torno da chegada das águas, sua distribuição e gestão dos custos e benefícios.

Ao se referir à nova Caravana da Assembléia Legislativa que vai percorrer municípios paraibanos, Dom Aldo sugere que os cidadãos do Estado colaborem com a iniciativa. Destacou o esforço empreendido pelo Padre Djacy Brasileiro e o engajamento da Arquidiocese, que está recolhendo gêneros não perecíveis na Cúria Metropolitana, na Praça Dom Adauto, no Centro, ou na Igreja do Menino Jesus dos Bancários. “As políticas de compensação são migalhas humilhantes que não ajudam a resolver a dificuldade de caráter estrutural. É preciso uma mobilização efetiva para políticas de resultados, de soluções concretas”, opina o arcebispo Dom Aldo Pagotto.