Ricardo versus Ricardo

Rubens Nóbrega

O deputado Ricardo Marcelo falou como ‘gente grande’ ontem, ao repelir insinuações governistas segundo as quais ele estaria cometendo o crime de não se agachar diante da vontade ou interesses do governador Ricardo Coutinho.

Evidente que o Ricardo da Assembléia não verbalizou o nome do Ricardo da Granja, mas até os azulejos do Palácio da Redenção entenderam quando o presidente do Legislativo Estadual deixou muito claro que “aqui ninguém se curva a ninguém”.

Ao ouvir o Ricardo de Belém avisando que não admitirá o Poder que preside “ser pautado por interesses externos, de quem quer seja”, recuei 25 anos no tempo para buscar o precedente de João Fernandes versus Tarcísio Burity no Burity II.

E me perdoem se a memória fraca deixa alguém de fora, mas não lembro, sinceramente, de algum outro presidente de Assembléia, além dos citados, manifestando tão enfaticamente a sua independência em relação a um governador do Estado.

Depois do pronunciamento de ontem, ficou ainda mais evidente que Ricardo Marcelo deve ser encarado e respeitado como protagonista de peso na cena política paraibana. Não dá mais para tratá-lo como mero coadjuvante do governismo.

Já sob a lógica da necessidade social ou sob a ótica do interesse público, o papel do presidente da Assembléia tende a crescer de importância toda vez que ele se coloca como fortíssimo contraponto ao absolutismo do atual governador.


MELHORES MOMENTOS

Adiante, alguns trechos mais impactantes da fala do presidente da Assembléia, que chegou a ser aplaudido pelas galerias no momento em que se dirigia ao plenário.

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• A presidência da Casa foi alvo de censura. Eu queria dizer a todos, a quem interessar possar, que enquanto eu estiver à frente da Assembléia não vou admitir ataques gratuitos a esse Poder.

• Minha função não é (e nunca foi) cabalar votos para governo nem para oposição. Vou continuar agindo como magistrado e não deixarei este Poder ser pautado por interesses externos, de quem quer seja.

• Não admito nem me submeto a nenhum tipo de extorsão. Quem usa desse tipo de atitude, tentando fazer que a Casa se curve a interesses de outros, vai perder tempo.

• Fiz o possível para que fosse feito um acordo. A Mesa fez o possível, mas esse acordo não foi firmado, mesmo após quatro reuniões que coordenou entre setores do Governo e do Sindifisco.

• Não tenho medo de perseguição e de retaliação. Sou presidente até 2015 e vou gerir a Assembleia com altivez. Essa é a independência do Poder Legislativo que queremos, que perseguimos e que vamos seguir.

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Só faltou dizer uma coisa, Presidente: de onde ou de quem teria partido a tentativa de extorsão. Vossa Excelência deveria ser explícito nessa questão. Até para dar foro de certeza à suspeita geral sobre quem seriam os extorsionários.
Uma bancada marcelista

Primeiro, o governismo tentou enquadrá-lo. Não deu certo. Depois, tentou inviabilizá-lo como candidato a presidente da Assembleia. Burros n’água. Ele não apenas se elegeu como, rapidamente, articulou a própria reeleição para se manter na presidência da Assembléia até o final da legislatura.

A última tentativa de dobrar o homem, segundo me passaram fontes qualificadíssimas, deu-se através do tradicional método franciscano de cooptação palaciana. Mas o ‘é-dando-que-se-recebe’ não seduziu Ricardo Marcelo, apesar das ofertas generosíssimas que lhe teria feito Ricardo Coutinho.

Contam que o governador teria oferecido uma secretaria de Estado com potencial multiplicador de votos e a direção da PBGás, que graças à presidência de Zenóbio Toscano virou cereja do bolo, jóia da coroa ou menina dos olhos da ânsia fisiológica que não sabe fazer outro tipo de política além da ocupação de cargos e recepção de benesses governamentais em troca de voto e apoio no Parlamento.

Por essas e outras, na contabilidade de quem acompanha e conhece bem a atual composição da Assembleia, fala-se até que a bancada marcelista teria nada menos que 28 integrantes, ou seja, seria bem maior do que o bloco da situação e o da oposição, quando tomados ou cotejados isoladamente com o bloco de seguidores do ‘marcelismo’.

Sabemos que a fidelidade de uma bancada assim, formada sob as atuais circunstâncias, tem a consistência de um risco n’água. Mas a simples menção à sua existência já constitui fato extraordinário. Afinal, graça a ela decisões da Assembleia resultaram de articulações intestinas, por vezes impenetráveis ao ‘controle externo’.

É um fato novo que se traduz no seguinte: pela primeira vez, nos últimos 25 anos, o Legislativo da Paraíba parece enxergar-se e comportar-se como um poder de verdade. Daí por que é bom o Ricardo de Seu Coriolano ir tratando de baixar um pouco a bola e passar a tratar como igual, não como subalterno, o Ricardo de João Pedro.

Isso, se não quiser ter dissabores bem maiores do que eventuais derrotas em votações que derrubam vetos e medidas provisórias.