Ricardo: o desafio de mudar, para governar bem

Nonato Guedes

A conjuntura administrativa atual da Paraíba impõe ao governador Ricardo Coutinho um desafio que, aparentemente, ele se recusa a encarar: o de mudar os rumos da administração para poder dispor da tranqüilidade necessária a fim de sobreviver às intempéries com que se depara. Há flancos visíveis, na relação com agentes políticos e com setores da sociedade. No primeiro caso, os ruídos ocorrem junto a segmentos que teoricamente firmaram o pacto de dar sustentação ao governo, na aprovação de matérias, na Assembleia Legislativa. Esses supostos aliados, entretanto, não se sentem correspondidos à altura das suas aspirações e das reivindicações que fazem chegar ao Palácio. Fazem parte do governo, mas não estão no poder, ou não se sentem efetivamente representados no poder. Reclamam que lhes é reservado apenas o ônus de defender a administração até em medidas indefensáveis, adotadas por equívoco de percepção, mas não auferem o bônus equivalente ao esforço que porventura venham a empreender para assegurar a chamada governabilidade sem os solavancos constantes que estão se repetindo. A cobrança é tanto mais intensa por se tratar de ano eleitoral, em que deputados são cobrados por suas bases e têm a obrigação de lhes dar satisfação. Em regra, políticos gostam de afagos e de demonstração de prestígio. O estilo do governador entra em choque com os anseios das bases, o que gera instabilidade que não faz bem a nenhum governante.
No caso da relação com a sociedade civil, a complicação também é dramática para a sorte do governador. Tendo sido forjado nos embates classistas e atuado como porta-voz de representações sindicais, o gestor socialista deu uma guinada ao se investir no comando palaciano. Cozinha em banho-Maria pressões urgentes para solução de demandas muitas vezes justas. Em certos casos, apela para quedas de braço, ou seja, para o enfrentamento direto, ora fechando canais de diálogo, ora recorrendo a instâncias do Judiciário para contestar reivindicações que seriam plausíveis, se não houvesse radicalismo. O poder não pode tudo. Mas pode muito, quando há a vontade política de atender pleitos basicamente viáveis. A pecha de intransigência que começa a ser adesivada na postura do chefe do Executivo, em certa medida, é um sinal de descompasso, da quebra da linha de identificação ou aproximação que permeava o entendimento fácil do político Ricardo Coutinho com a sociedade quando ele não enfeixava ainda o pálio governamental sob os ombros ou a coroa de louros obtida no teste das urnas em memorável campanha, em 2010, quando se apresentou aos paraibanos como o novo Messias da realidade transformadora.
Em tese, o governador pode até estar seguindo ao pé da letra a cartilha que traçou nos discursos em palanque e no pronunciamento oficial de posse. A mudança acenada talvez significasse, na sua concepção, a ruptura com métodos tidos como pouco republicanos, a exemplo da concessão ao fisiologismo político, ao corporativismo de sindicatos e organizações da sociedade civil, ao alegado eterno xiitismo da oposição, que se sente no dever de atrapalhar, e não de contribuir, para que as mudanças estruturais e de mentalidade sejam operadas. Se for este o corte pretendido pelo governador, pode estar correto na concepção mas não, seguramente, na aplicação. As mudanças de mentalidade são gradativas exatamente porque desestabilizam hábitos arraigados. Poder terreno nenhum tem o condão de produzir intercursos na dinâmica dos fatos dentro da velocidade almejada por quem está no topo. Só os deuses do Olimpo, como rezam as lendas e as tradições orais, dispunham da capacidade mágica da metaformose. Porque eram ungidos para essa missão. E dispunham de reservas que davam consistência a essas investidas, digamos, extraordinárias.
O jornalista Mino Carta, em editorial na revista CartaCapital, aludindo a fenômenos de imbecilização sociais que se tenta impingir a todos, ressalta que a aposta na parvoíce da platéia é constante e inesgotável, da parte dos arautos de uma falsa modernidade que gera a incultura. Conclui, com seus botões, que tal aposta, praticada com singular esmero na própria mídia, tem o efeito de comprometer a saúde intelectual de seus autores. Que passam, por assim dizer, a ser nivelados, quando não rebaixados e ridicularizados diante dos espetáculos de pantomima com que tentam encantar ou comover a platéia, ou a sociedade. Mino lembra que celebrados mestres da culinária vanguardista acabam de encerrar em Copenhague um simpósio exaltante, uma festa entre amigos, apresentando como novidades formigas vivas nutridas com citronela e coentro, de sorte a assumir um gosto suavemente acidulado, para o agrado de todos os paladares, de acordo com os participantes do evento. “Cuja contribuição à imbecilização global é de evidência solar”. Não vale comparar tal digressão com a situação específica da Paraíba e do seu governo, mas a lembrança faz gemer a reflexão crítica necessária em momentos de crise, quando a lucidez de poderosos fica toldada pela certeza inenarrável de que são os donos da verdade ou das verdades possíveis.
É temerário supor que a Paraíba torce pelo fracasso do governo. Não há cristalizada essa percepção, nem mesmo em segmentos políticos renhidamente contrários ao governo, que poderiam se beneficiar de uma campanha eleitoral para revanches menores, picuinhas sem valor no jogo das grandes relações e das grandes realizações que, verdadeiramente, emancipam. O fracasso de qualquer governo é o fracasso da Paraíba, e disso sabem tantos quantos, ostensiva ou disfarçadamente, sonham com a cadeira que Ricardo ocupa pela legitimidade auferida em 2010. Mas o governo não pode ficar infenso aos ruídos externos. Não pode estar boa uma situação em que aliados de primeira hora montam frente ampla para acicatar o outrora líder do Coletivo que lutou para chegar ao topo. E não é confortável para nenhum governo viver em tensão permanente, com a opinião pública, com a mídia, com deputados, com prefeitos, com vereadores, com líderes sindicais ou com expoentes de qualquer tribo social.
Há tempo suficiente para autocrítica, e para correção de rumos. Basta que o governador deixe a torre de Marfim em que aparenta estar isolado. Volte a se banhar nas águas imantadas pela vontade popular, expressão da democracia que o consagrou pelo voto na expectativa de transformações autênticas em favor de uma nova Paraíba. Separe, o governador, o joio do trigo. Mas reflita olhando para o próprio umbigo. É uma alternativa de antanho, talvez. Mas carregada de ensinamentos que nenhum modernismo consegue abafar. Há tempo de sobra, vale repetir. Para acertar. Porque, toda vez que o governo acerta, ganha a Paraíba. E se há um partido forte, que pulsa acima de cordões, é o partido da Paraíba. Não é registrado em cartório eleitoral, não tem número nem pede votos. A não ser de confiança, revestida pela garantia de que haverá humildade para mudar. A humildade nunca diminuiu nem envergonhou ninguém. Que o governador Ricardo calce as suas sandálias. Vai dar passos seguros para voltar às origens que o credenciaram a governar o Estado nesta época de transição social e digital.