Restauração da Barragem Engenheiro Ávidos: As intervenções previstas garantem a solução?

Autor: Francisco A. Braga Rolim (Catonho) – Eng° de Minas, natural de Sousa

Quando o assunto da Barragem Eng° Ávidos vem à tona, tem-se a sensação que não há mais o que discutir, por que se reconhece que já passou da hora de resolver. Não é à toa, pois a população precisa é de uma solução, e menos discussão. Mas, devido à importância desse reservatório para a região e enquanto o problema não é resolvido, resta pedir paciência ao leitor, pois a questão torna-se crucial, e o que se busca é ampliar a discussão para permitir que mais pessoas possam fazer parte desse caudaloso processo.

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Como divulgado recentemente, existe a previsão que o valor a ser gasto com a reforma dessa barragem ultrapassa 20 milhões de reais, o que não é pouco, mesmo reconhecendo como uma boa intenção. Ocorre que, diante das muitas dúvidas na questão da segurança da barragem, pois as intervenções visando recuperação podem não ser uma opção final, e definitiva, e como não há garantia que resolvam o grave problema que acomete esta barragem, então, antes de qualquer provável aventura, com possibilidade de novo malogro, a população precisa saber o que são e como serão feitas as intervenções, e principalmente, quais são as reais garantias de que definitivamente resolverão o problema, pois, pelo que consta, o que está sendo proposto como possível solução se apresenta muito simplista, como se o problema tectônico não existisse ou não carecesse de maior atenção.

  Convém registrar, por outro lado, que muitas das intervenções constantes nos relatórios fazem parte das programações de manutenções normais dessa barragem, ou seja, seriam as manutenções rotineiras e cotidianas da estrutura e dos equipamentos eletro-mecânico que deveriam ter sido realizadas ao longo das últimas décadas, mas, pelo que se vê, lamentavelmente não fizeram.

E isso é um aspecto interessante de ressaltar, por que não é novidade para muitos técnicos, algumas autoridades e parte da população mais atenta ao assunto que as soluções convencionais que tentaram resolver o problema da instabilidade da Barragem Eng° Ávidos já foram utilizadas, todas sem sucesso. Ou seja, as tentativas visando garantir que a barragem fique de pé, desde que se permita ela ficar completamente cheia, infelizmente, todas foram malogradas. Então, existe um problema muito sério, e mais grave, que precisa de muita atenção, evitando-se torrar novamente dinheiro público em opção que, sendo usual e convencional diante da complexidade da questão em pauta, pelo visto, tem pouca ou nenhuma chance de não resolver o problema existente.

As tentativas malogradas na restauração dessa barragem apenas auxiliam e reforçam a tese do autor desta matéria de que “o problema é mais embaixo”, ou seja, no substrato rochoso, que resultou fortemente fragmentado em conseqüência do tectonismo ocorrido no Boqueirão de Piranhas. Esse problema tectogenético é de maior complexidade, e pelo óbvio, transcende aplicação de métodos e práticas convencionais geralmente utilizadas na recuperação de barragens.

Aos estudiosos do assunto, também não existem dúvidas que esse evento tectônico foi suficientemente forte, tendo afetado a configuração original do relevo de tal maneira que rompeu e deslocou a cadeia de montanha, e criou o atual ambiente geológico (o boqueirão) onde foi construída a barragem. Devido à colossal ação das forças endógenas durante a fase tectogenética, fez-se a reconfiguração do relevo, e dentre as conseqüências, a fragmentação de grande “pacote”, ou massa, de rochas fragmentadas no substrato, que naturalmente se acomodam, escorregam, especialmente quando há excesso de peso nas ocasiões que a barragem se encontra com grande volume de água.

As acomodações no substrato tornam o ambiente instável, capaz de transmitir tensões para a estrutura da barragem, causando abatimentos, buracos e rachaduras no maciço. Então, a intensidade e a freqüência dessas acomodações não deixam margem para dúvidas de que sejam a verdadeira causa da fragilidade do maciço da barragem, como se sabe, não foi construída para absorver, dissipar e anular esse tipo de esforço dinâmico.

Talvez pelo desconhecimento no assunto, é possível que muitas pessoas indaguem: pode um evento ocorrido há milhares, ou mesmo milhões de anos atrás, afetar uma obra de barragem que já está aí desde 1936, há exatos 77 anos?

Com base no exemplo lamentável ocorrido em época recente (barragem de Camará, em 2004), nos estudos específicos do aspecto geotectônico do Boqueirão de Piranhas, e nos muitos registros dos problemas ocorridos na barragem Eng° Ávidos ao longo das décadas, onde estes registros demonstram o quanto ela se manteve operando de forma bastante capenga, não deixam dúvidas que sim, sendo conveniente relembrar o histórico desta barragem.

Trechos compilados da publicação “Barragens do Nordeste do Brasil – 2ª Edição/DNOCS – 1990”, relatam uma série de problemas, ressaltando-se que é uma das quatro barragens construídas no mundo com essa concepção, e a única, ainda, dentre todas, que permanece em uso. Trechos da referida publicação, ajustados com algumas colocações do autor, são descritos nos seis parágrafos a seguir (em itálico).

Os estudos da Barragem Eng° Ávidos foram iniciados em 1920 e concluídos em 1921, porém a sua construção somente foi iniciada em 1932, sendo concluída em 1936. Devido a constantes recalques, sofreu abertura em algumas juntas do maciço, obrigando a descaracterização do projeto original e sua posterior modificação por três vezes consecutivas. Seu projeto foi reformulado depois de sérios distúrbios, acentuados com grande a cheia de 1963, quando foram iniciados os estudos e observações para acompanhar o comportamento da barragem e aplicar as medidas de controle necessárias. Entretanto, as soluções indicadas não se mostraram eficazes e suficientes para garantir as condições de plena segurança da barragem.

No aspecto geológico, a ombreira esquerda é formada por um talude quase vertical, desde o alto, como um penhasco. Uma perfuração de teste, à esquerda da estaca 0, foi realizada até uma profundidade de 17,8m, para se investigar a natureza do substrato geológico da ombreira, além da extremidade da cortina central. Amostras foram retiradas, desde 6,69 até 9m e desde 12 até 12,8m. Toda a água da perfuração foi perdida entre 9 e 10m e entre 12 e 12,7m. A perfuração foi encerrada a 17,8m de profundidade, pois a broca estava deslizando, o que aparentemente indicava a existência de outro bloco.

Embora não houvesse infiltração aparente, através da ombreira, naquela oportunidade, acredita-se, sem dúvida, que alguma infiltração possa existir, através do enrocamento, quando ocorrer a máxima altura de água no reservatório.

Um furo foi feito, iniciando no topo do vertedouro existente, até uma profundidade de cerca de 18m, com uma broca rotativa. Foram realizados dois testes hidráulicos, separados de 5 horas cada, durante a perfuração, onde se observou que a capacidade total da bomba, era de 2660 litros por hora. Não houve retorno de água, abaixo dos 6m. O furo absorveu toda a capacidade da bomba durante 50 minutos, num dia, e durante 1 hora e meia na manhã seguinte.

Em 1972, o projeto foi novamente estudado e detalhado, fazendo-se novas modificações e restaurando-se a barragem, conseguindo melhorar sua estabilidade. Após as modificações, tentou-se retomar as operações normais do reservatório, ou seja, acumulação de água para abastecimento humano e irrigação nas áreas ribeirinhas, descarga de água para regularização do rio Piranhas no alto trecho e fornecimento hídrico para o Açude de São Gonçalo localizado 26 km a jusante.

Todavia, mesmo depois das reformas estruturais realizadas, continuaram sendo detectados recalques e abalos que provocaram novas aberturas nas juntas e placas do revestimento de montante. Com receio de que a barragem venha a colapsar, ações de recuperação continuam sendo realizadas, porém, os problemas estruturais se evidenciaram a partir de 1984/1985, e permanecem, sendo recorrentes até os dias atuais.

Desta leitura sucinta do histórico da barragem fica claro que os problemas estruturais da mesma existem há mais de 50 anos, e são muito graves, levantando dúvidas sobre sua estabilidade, com a possibilidade de um colapso. Até para os técnicos dos órgãos responsáveis pela operação e manutenção também há o temor de que esse fato ocorra, mesmo que não reconheçam publicamente o fato.

Apesar de muitas reformas, remendos, tapa-buracos e manutenções diversas visando garantir a segurança e a estabilidade da estrutura da barragem, em que todos foram malogrados, as incertezas permanecem, principalmente, ante os sintomas recorrentes de enfraquecimento, que ficam muito evidenciados no período de chuvas, pelo aumento da carga e pressão hidráulica do volume de água armazenado. São comuns rachaduras, fendas ou buracos, recalques (abatimentos) no maciço tornarem-se visíveis, o que obriga o controle imediato do volume de armazenamento de água, geralmente monitorado para não ultrapassar 75% a 80% da capacidade de acumulação do reservatório.

Esse tipo de controle de volume de água, para menor, na verdade é apenas um paliativo, pois, além de não resolver o problema existente, coloca em risco a vida milhares de pessoas, e demonstra a preocupação de que ocorra um possível colapso. Além disso, percebe-se que a liberação de água geralmente é feita sem critério, com o objetivo de esvaziar o reservatório antes do período de chuvas, justamente pelo receio que venha a encher, pois pode colapsar. Além de paliativo, esse procedimento impõe a diminuição da oferta de água na região, já que ocorre menor acumulação de volume de água, cuja diferença entre a capacidade máxima e o que efetivamente é permitido acumular na barragem, aproximadamente 60 bilhões de litros por ano (60 milhões de m³/ano), seria suficiente para fornecer água a mais de um milhão de pessoas, considerando 160 litros por habitante/dia.

Segundo consta, esse monitoramento (explica-se, em * e **) que controla o volume de água para menor, é realizado rigorosamente desde 1984/1985, última vez que este reservatório atingiu sua plena capacidade e a estrutura da barragem ficou seriamente comprometida. Portanto, há pelo menos 28 anos que esta barragem não acumula todo o volume de água de projeto.

            (*) Registre-se que esse monitoramento não se refere à regularização de vazões, a qual faz parte da operação normal do reservatório, e utilizada para o eficaz controle de volumes de água, em caso de grandes cheias. (**) Ultimamente, acuados por cobranças para as devidas explicações do fato, divulgam que não se deve permitir que o reservatório fique cheio devido possível inundação dos ribeirinhos do rio Piranhas, ou que a barragem de São Gonçalo não suportará. Para quem entende do assunto, isso não procede, é uma desculpa simplista na tentativa de encobrir o real problema.

Mas a verdade teima em se afirmar quanto ao grave problema estrutural na barragem, e mesmo não admitindo os fatos, fica evidente que muita gente teme pela ruptura da estrutura do maciço, e por isso, foram liberados volumes de água, muitas das vezes sem critério, e a ponto de deixar a região do sertão paraibano sem reserva hídrica para fornecimento de água, como se vê nesta neste mês de setembro de 2013, simplesmente porque confiaram que haveria chuva e acumularia grande volume de água no reservatório da barragem. Então, com receio de colapso, abriram-se as comportas, permitindo liberação de grande volume de água que não foi reposto pela chuva. Como resultado, a região passa por um inesperado dilema, nunca antes vivenciada: o conflito pelo uso da água, que pode se tornar ainda mais sério, prejudicando toda região.

Diante do grande desafio, é conveniente, portanto, buscar a solução definitiva, evitando-se que o cidadão pague por um serviço duvidoso em obra historicamente problemática, massacrada pelo desgaste em razão de forças de evento natural ocorrido há milhões de anos, mas que mostra sua força ao não ser contornado.

Também, não se pode ignorar o fato de que a barragem atual, mesmo restaurada, ainda conserva muito das características de sua concepção original, especialmente na fundação, e isto não é nada bom, sendo prudente lembrar que, dentre as quatro barragens idênticas construídas no mundo, essa é a última, pois as demais já desmoronaram.

Diante do exposto, em razão do sério problema levantado, entende-se que é necessário esclarecimentos prévios à sociedade, e antes de qualquer possível aventura, ou decisão precipitada visando reformar ou recuperar a Barragem Eng° Ávidos sem a plena garantia de que se está aplicando uma solução definitiva, sejam apresentadas respostas contundentes e esclarecedoras para as perguntas a seguir.

1)    Mesmo após os alertas já tornados públicos, e diante da complexidade do problema que foi comprovado com os recentes estudos geotécnicos, que, apesar de insatisfatórios já indicam que existem sérias conseqüências no substrato rochoso, haverá a decisão de manter a barragem neste local, teimando-se em executar serviços e obras convencionais que podem não resolver o problema?

2)    Como ficará o abastecimento de água das populações que dependem do fornecimento deste manancial?

3)    Todas as demandas para os usos múltiplos de água (consumo humano, irrigação, vazão ecológica, etc) serão mantidas?

4)    Se o fornecimento de água for interrompido, será por quanto tempo, e para quais demandas?

5)    Qual o tempo de duração (prazo) das obras de restauração?

6)    Estas intervenções para restauração da barragem darão plenas e irrestritas GARANTIAS que o problema de instabilidade será realmente, e definitivamente resolvido?

7)    Depois das reformas realizadas, a barragem vai operar com a mesma capacidade volumétrica no reservatório, ou a capacidade será alterada?

8)    Independente de alterar a capacidade de acumulação de água, depois de ser realizada a reforma, haverá total garantia que a barragem vai operar à plena capacidade?

 

Para não cansar o leitor, coloca-se a pergunta derradeira, de muita importância:

9)    Realizando-se essas intervenções propostas, de quem será a responsabilidade no caso de outro possível malogro na reforma, comprometendo-se também a devolver o dinheiro público desperdiçado?

 

As perguntas são muito pertinentes, legítimas, e precisam de respostas esclarecedoras, em razão das incertezas e do martírio que a população já vivenciou nos últimos 50 anos. Mas, como se trata de problema muito abrangente, que pode envolver também outras questões (sociais, ambientais, econômicas, etc), entende-se que uma visão holística se faz necessária, então, as perguntas anteriores não exaurem as dúvidas, e outros possíveis questionamentos ficam a critério do leitor.

Na questão específica das soluções a serem aplicadas para enfrentamento ao problema tectogenético, existem muitas outras perguntas e lacunas derivadas da dinâmica desse evento, bem como as metodologias que podem ser utilizadas para a solução, mas o autor se reserva o direito de não tornar público, pois entende que ainda não é o momento, e também não foi convidado.

Com base no que foi colocado, o que não é pertinente, tampouco cabível, é a população ficar em permanente estado de temor pela possibilidade de ruptura dessa barragem, mantendo-se refém de obra e serviço duvidosos, e ainda pagar por isso e depois descobrir que não existe responsável pelo erro. A população desta região já foi demasiadamente torturada psicologicamente com o risco de colapso dessa barragem, e doravante precisa de garantias plenas, que assegurem ampla e irrestrita proteção às milhares de vidas, e não pode pagar por serviço ou obra que não atenda suas necessidades. E acredita-se que não se permitirá que seja feita mais uma tentativa de restaurar essa barragem sem a total garantia de que o grave problema será resolvido em definitivo.

Mas, se os interessados insistem em fazer as intervenções sem considerar os alertas de que existe um problema muito sério, e mais grave, que transcende aplicação de técnicas convencionais de restauração de barragem, então precisam demonstrar, e provar, que as intervenções propostas resolverão o problema. Ainda, devem assumir total responsabilidade garantindo que a barragem ficará definitivamente estável, e que somente esta alternativa é o único, ou o melhor caminho. Caso esse compromisso seja formalizado, não se questionará mais o assunto, pois na verdade, deve-se colocar ponto final em toda essa delonga, porque o que a população que vive na região anseia, e exige, é apenas aquilo que é fundamental, que é básico e essencial nessa questão: água, com qualidade, e em quantidade suficiente para atender as necessidades de sobrevivência de pessoas, de animais e das culturas agrícolas.

Então, há de ser um reservatório cuja estrutura da barragem tenha estabilidade garantida, sem qualquer risco de colapso, mesmo operando à plena capacidade, com volume de água suficiente para atendimento às demandas dos usos múltiplos por longo prazo, isto é, uma obra secular com capacidade igual ou maior do que a atual. E a questão se envereda pelo caminho óbvio: seja aplicada uma solução que resolva o problema em definitivo, eliminando o sofrimento pela falta de água na região, e finalmente exterminando o martírio psicológico de que a barragem vai ou não vai arrombar.

Atender esse pequeno anseio da população que já não agüenta mais essa lengalenga pode não ser tão simples, mas não é impossível, basta não tentar enfiar goela abaixo intervenções que podem não resolver a questão, e não querer impor soluções duvidosas ao grave problema existente nesta barragem, especialmente usando-se dinheiro público.