Para Gilmar Mendes, punição não garante saúde coletiva nem segurança.
Decisão final ainda depende do voto de outros 10 ministros do Supremo.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira (20) a favor da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. O julgamento foi interrompido em seguida, quando ministro Edson Fachin pediu vista do processo para analisar melhor o caso. Não há previsão de quando o tema voltará a ser analisado.
Ao votar a favor da descriminalização, Mendes considerou que o artigo da Lei Antidrogas que define o porte como crime contraria a Constituição, pois, além de interferir na intimidade do usuário, não garante a proteção da saúde coletiva e a segurança pública.
Relator da ação sobre o assunto no STF, Mendes foi o primeiro a votar num processo que pretende derrubar a condenação de um homem que assumiu a posse de 3 gramas de maconha. A decisão final, que será aplicada para todos os casos semelhantes, ainda depende do voto dos outros 10 ministros da Corte.
Atualmente, embora não seja condenada à pena de prisão, uma pessoa considerada usuária ou dependente de drogas cumpre as chamadas “penas alternativas”: leva uma advertência, é obrigada a prestar serviços à comunidade por certo período ou a comparecer a programa ou curso educativo.
Medidas de natureza civil e administrativa
Em seu voto, Mendes propôs retirar a “natureza penal” dessas medidas, que passariam a ter apenas “natureza civil e administrativa”. Assim, uma pessoa flagrada com drogas seria somente notificada a comparecer diante de um juiz para que ele determine quais dessas medidas ele iria cumprir.
Esse juiz não poderia ser de vara penal, mas cível. Além disso, o ato não contaria como antecedente criminal para a pessoa. Como medida administrativa, a notificação seria equivalente, por exemplo, a uma autuação por infração de trânsito.
Já uma pessoa flagrada vendendo drogas, suspeita de tráfico, só poderia ficar presa preventivamente (antes da condenação, por tempo indeterminado) depois de ser “imediatamente” apresentada ao juiz. Na audiência, ele analisaria se há indícios de tráfico para manter a pessoa na cadeia.
Com a mudança proposta, Gilmar Mendes esclareceu que essas medidas seriam apenas transitórias, já que o Congresso poderia legislar novamente para prever outra – ou mesmo nenhuma – obrigação a que o usuário estaria sujeito.
As medidas seriam mantidas por enquanto, afirmou, somente para o STF não deixar um “vácuo regulatório”. A solução, porém, ainda deverá ser discutida nos outros votos, podendo ser aceita ou rejeitada pelos demais ministros.
Usuário e traficante
Ao contrário do esperado por especialistas, Gilmar Mendes não estipulou um critério claro para diferenciar o usuário do traficante. Ele chegou a citar vários países que não criminalizam o porte de pequenas quantidades, mas afirmou que a adoção de critérios objetivos para o Brasil necessitaria de estudos preliminares.
“Tendo em conta a disparidade dos números observados em cada país, seguramente decorrente do respectivo padrão de consumo, dos objetivos específicos, entre outras variantes, não se pode tomar como referência o modelo adotado por este ou aquele país. Recomenda-se, assim, especificamente no caso Brasil, ainda sem critérios objetivos, regulamentação nesse sentido, precedida de estudos sobre as peculiaridades locais”.
Pelo voto de Gilmar Mendes, a distinção seria feita somente pelo juiz. Para o ministro, o enquadramento feito pela polícia, praticado atualmente, é subjetivo.
“A interpretação dos fatos, com elevada carga de subjetividade, pode levar ao tratamento mais rigoroso de pessoas em situação de vulnerabilidade – notadamente os viciados. À falta de critérios objetivos, a avaliação judicial rigorosa das circunstâncias da prisão é imperativa para que se dê o correto enquadramento aos fatos”, afirmou.
O voto de Gilmar Mendes não diferenciou os tipos de droga, ou seja, a descriminalização do porte poderia, se aprovada, valer para qualquer substância, como cocaína ou crack.
Voto
A sessão de julgamentos desta quinta no STF dedicou mais de duas horas à leitura do voto de Gilmar Mendes, com mais de 50 páginas. Após descrever o caso, o ministro explicou que a análise no STF deveria considerar o choque entre dois direitos fundamentais garantidos pela Constituição. “De um lado o direito coletivo a saúde e à segurança, de outra parte o direito à intimidade e à vida privada associada, claro, também, à ideia de liberdade”, disse.
Para resolver a questão, ele passou a verificar se punir como crime o porte de drogas é uma forma efetiva de garantir a proteção da saúde e a segurança da população. Em segundo lugar, se a criminalização seria a única forma de garantir esse direito.
Por último, analisou se a punição penal agride de forma “desproporcional” a liberdade da pessoa em fazer algo que diz respeito somente a si mesma, sua intimidade. “O meio não será necessário se o objetivo pretendido puder ser alcançado com adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e menos onerosa”, explicou.
Gilmar Mendes citou a descriminalização promovida em outros países e a adoção de meios alternativos para coibir o consumo abusivo, afirmando que isso não significou a “liberação ou legalização irrestrita da posse para uso pessoal”. Afirmou que as políticas públicas implantadas visaram, em vez de punir, auxiliar o tratamento de saúde e a reinserção social do dependente.
Ele também rebateu argumentos que mostram aumento do consumo ou do tráfico com a descriminalização. “Não existem estudos suficientes ou incontroversos que revelem ser a repressão ao consumo o instrumento mais eficiente para o combate ao tráfico de drogas. Pelo contrário, apesar da denominada guerra às drogas, é notório o aumento do tráfico nas últimas décadas”, disse.
Fonte: G1