Da coluna de hoje, de meu só tem o nome aí em cima e essa breve introdução para dizer que o texto adiante é do Professor Flávio Lúcio Vieira, meu analista político de cabeceira. Com a percuciência e competência de sempre, dessa vez ele nos traz os melhores momentos do debate entre o governador Ricardo Coutinho e o advogado Gilvan Freire de segunda-feira à noite na TV Máster. Depois de Flávio Lúcio, preciosa colaboração de Julinho de Adelaide (que não é o Chico Buarque). Vamos lá, então.
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Você viu o que Ricardo fez, se expondo ao debater e bater boca com Gilvan Freire? Das duas uma: ou ele perdeu definitivamente a noção da realidade ou se sente tão superior ao resto dos mortais que se acha inatingível. Pensando bem, as duas hipóteses se complementam. Ao debater com Gilvan Freire em um programa de TV, Ricardo Coutinho, sem dúvida, produziu um fato inédito, que foi o de se expor às críticas e expor seu novo estilo e o perfil que assume o seu governo à contestação pública. Esse “debate” foi extremamente pedagógico ao demonstrar o quanto o poder alienou Ricardo Coutinho do mundo real, da política real, e o tornou um coronelzinho engravatado – lembrou-me Epitácio Pessoa, sem o brilho intelectual deste, obviamente -, que é exatamente o avesso do discurso republicano que Coutinho empreendeu para se eleger e que seu eleitorado certamente anseia ver finalmente praticado na Paraíba. Vejamos os melhores momentos de coronel Ricardo Coutinho nesse debate.
1) Ao ser inquirido por Freire a respeito da permuta do terrenos e da falta de transparência em todo o processo, Ricardo Coutinho apenas desdenha das preocupações legítimas do ex-deputado com um “E daí?!…”. E daí, governador, que essa questão envolve não apenas o seu interesse ou do seu governo ou do dono do Manaíra Shopping. Essa é uma questão de interesse público, e não pode ser resolvida, como deseja V. Excia., num clube fechado de amigos e aliados. E daí que o que falta nessa e em outras ações do ex-prefeito de João Pessoa e agora governador é que continua sendo necessário “republicanizar o Estado”. Ou não passou de chicana, um ardil tão velho quanto a política, as palavras que o próprio Ricardo Coutinho pronunciou no ato de homologação de sua candidatura: “Vamos dar um choque de democracia e participação popular neste Estado”. Quem te viu, quem te vê…
2) Gilvan Freire questionou a permuta de terrenos fazendo referência à ilegalidade da ação, como já ficou amplamente comprovado. Coutinho pergunta, novamente subestimando as qualidades intelectuais do seu interlocutor, que é advogado: “Qual o jurista que está dizendo [isso] ?…”. Como diria Jean Carcagne: “A qualidade do direito é inversamente proporcional à quantidade dos argumentos”. A discussão é jurídica, mas entremeada por razões éticas e, mais do que isso, republicanas, no sentido etimológico do termo, cujo resgate é sempre importante em debates como esse: res publica, cujo princípio está relacionado intrinsecamente à administração do bem público, e que, por conseguinte, opõe o interesse público ao interesse privado. É disso que se trata, V. Excia. Por mais que se deseje, encomendar pareceres de juristas renomados para legitimar essa ação delituosa contra o interesse da sociedade e do Estado não resolverá a questão. Ela será sempre, vitoriosa ou não V. Excia., uma nódoa a manchar definitivamente vossa história.
3) E, por fim, quando confrontado com a hipótese – a mera hipótese – de que há uma ilegalidade na forma como a “permuta” será realizada, Ricardo Couitnho comete um ato falho que revela o que na realidade parece ser, como ele próprio demonstrou, o grande objetivo dessa ação suspeitíssima. “A discussão é outra, diz ele. A discussão é: quais são os interesses que estão por trás disso?” Para logo em seguida perguntar, enigmático: “Será que é a concorrência?”. Quando eu escutei esse trecho, eu não tive certeza se o governador tinha dito aquilo mesmo. Que concorrência, governador? Concorrência contra quem? Contra Roberto Santiago? Essa é a preocupação que move V. Excia.: defender da concorrência o dono da cidade? Defender o monopólio de um único empresário sobre uma cidade de mais de 700 mil habitantes? Defender os interesses de um bilionário contra os interesses de uma sociedade inteira? Enfim, a concorrência não é o problema, porque a questão é exatamente a ausência dela. Ao participar do debate, Ricardo Coutinho deu enorme contribuição a quem deseja compreendê-lo melhor hoje: V. Excia. revelou-se por inteiro (Flávio Lúcio Vieira).
Golpe de mestre
Podem falar qualquer coisa de Ricardo Coutinho. Aliás, o que tem de gente por aí que só não tá chamando ele de bonito, não é brincadeira. Mas uma coisa ninguém pode negar: o cabra é de uma esperteza que faria inveja mesmo ao próprio Golbery do Couto e Silva, falecido general e havengar da ditadura militar no Brasil, cuja notável capacidade de articulação e de astúcia rendeu-lhe o apelido de “O Bruxo”, assim chamado pelo jornalista Elio Gaspari em sua obra “As Ilusões Armadas”. Vejamos, só como exemplo, o episódio recente e inusitado da re-inauguração do Hospital de Trauma de Campina Grande em cuja placa encontrar-se-ia grafado o seguinte texto: “Obra iniciada na gestão do governador Cássio Cunha Lima, inaugurada na gestão do governador José Maranhão e concluída e aberta na gestão do governador Ricardo Vieira Coutinho, em 2011”(sic).
Por estranho que possa parecer, e, como diria Luiz Inácio, nunca antes na história da Paraíba se viu tamanha magnanimidade de um governo em reconhecer no seu antecessor os méritos de uma obra, sobretudo quando a ladainha da novena que já vai com seis meses – e a missa não acaba, sempre foi diferente: “Encontramos o Estado arrasado… O governo anterior foi irresponsável… etc. etc.”. Pois bem, justamente aí vai a explicação para a generosidade do Ricardo Coração-de-Leão de antes, e, de repente, “O Magnânimo”. Já li em algum lugar uma tese que diz: aquilo que está em seu poder e você não tem como negar ao seu legítimo dono, é melhor que seja entregue de bom grado. Assim, mesmo se comendo por dentro, você posa de bonzinho, afinal você iria perder mesmo, já que o objeto não era seu.
Ora, se Ricardo, por razões óbvias, não poderia excluir o nome de Cássio da placa de inauguração, menos condições ainda teria para apagar o nome de Zé Maranhão. E aí vem o golpe de mestre: “…inaugurada na gestão do governador José Maranhão e concluída e aberta na gestão do governador Ricardo Vieira Coutinho, em 2011”. Ou seja, de uma lapada só, Ricardo morde e assopra. Deixa nas entrelinhas que o então governador Zé Maranhão inaugurou o hospital sem que o mesmo fosse concluído e entregue à população e, ao mesmo tempo, Ricardo recebe o reconhecimento público pelo gesto de desprendimento e espírito conciliador quando coloca o nome de Maranhão na placa e inclusive manda convidá-lo, mesmo sabendo que este não iria, para a solenidade de re-inauguração da obra. Esse rapaz vai longe. Imaginem só quando ele começar a governar a Paraíba como se espera. Continuaremos torcendo (Julinho de Adelaide).