Quem teme Marina?

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Nonato Guedes

A figura frágil da ex-seringalista Marina Silva surpreendeu no cenário político brasileiro quando, em 2010, candidatando-se à presidência da República pelo Partido Verde, ela amealhou uma quantidade extraordinária de votos, imprensada entre postulantes como Dilma Rousseff e José Serra. Marina põe-se em evidência novamente construindo uma “Rede de Sustentabilidade”, que vai desembocar em partido político, com amplas possibilidades de ela ser novamente candidata. Esta semana, no Congresso, o PSD de Gilberto Kassab tentou uma manobra regimental para inviabilizar a criação do partido de Marina. Alegou que havia proliferação excessiva de legendas no país e que em certos casos o ambiente favoreceria a aventureiros, interessados em dispor de partidos de aluguel para barganha. “Não é nada contra a Marina”, disse. Era!

A Kassab faltava autoridade para engendrar tal armadilha porque ele foi o mentor, salvo equívoco, do trigésimo partido que deu à luz no país. O deputado Alfredo Sirkis, em artigo no site “Congresso Em Foco”, descreve os momentos de tensão em face da manobra. Diz ele: “Derrotamos a emboscada. Nem sei como. Tiveram a favor deles o tal fator surpresa. O clima no plenário era de tédio, duas anódinas MPs. Eu estava lendo meu Kindle quando, não mais que de repente, o presidente Henrique Eduardo Alves coloca em votação, sem nenhum aviso prévio, o pedido de urgência para o projeto de lei Edinho Araújo, urdido para tomar o tempo de TV e o fundo partidário da Rede, isso depois que o partido de Kassab, governista, os recebera. Isso, no dia seguinte ao do assassinato final da reforma política nesta legislatura. Ou seja, a única reforma política que haveria seria justamente esse casuísmo anti-Marina”.

E prossegue: “Quanta hipocrisia, quanta duplicidade! Hipocrisia, pois o discurso dos defensores do projeto de “lei Edinho” eram nobres. Catões inflamados em prol da moralidade. Imaginem o líder do PMDB, Eduardo Cunha, no papel de implacável paladino da moralidade! Duplicidade, porque vários daqueles líderes haviam jurado a Walter Feldman, nosso diplomata, que não aceitariam, de jeito nenhum, esse “casuísmo indecente”, mas na hora H, roeram a corda. Garotinho, o mais espalhafatoso, defendeu vibrantemente o dito cujo com o talento demagógico que possui. Ronaldo Caiado foi mais discreto. Tomou Doril, sumiu do plenário e deixou as operações nas mãos de Rodrigo Maia, que naturalmente, por uma sólida questão de princípio e em nome da ética, somou-se aos moralizadores da política. O PT assumiu claramente a liderança das operações e ficou claro o rabo de fora do Planalto”.

Sirkis conta que, meio grogue da surpresa, meteu o sarrafo no microfone de apartes. “Tentaram-me vedar a tribuna, com um rasteira da assessoria da Mesa, mas acabei conseguindo ocupá-la para mostrar aos deputados o escárnio de opinião pública ao qual se estavam expondo ao tentar cercear 20 milhões de votos. Alguns valentes se colocaram: Roberto Freire e o PPS, Chico Alencar, do PSOL, o PSB e os tucanos que decidiram se opor também. Alguns outros pequenos partidos como o PMN. E vários parlamentares, individualmente, se revoltaram na hora de digitar os seus votos. Era, segundo os mais antigos, a primeira vez que uma matéria surgia assim tão de supetão, sem aviso prévio ou discussão no colégio de líderes, com as assinaturas do ano passado de vários líderes que já não o são mais, inclusive um que nem mais deputado está, pois assumiu cargo numa prefeitura”.

E adianta: “Francamente, eu não esperava que fôssemos conseguir obstruir aquela ofensiva bem articulada, aquele rolo compressor de “santa aliança”, que juntava o P, o PMDB, o PCdoB, o DEM, o PSD, o PSC e o esquibau. De alguma, que só vou entender direito quando conseguir a lista completa dos votantes, fizemos com que lhes faltasse o quorum necessário para emplacar o pedido de urgência. Meno male. Hoje a noite foi o dia da caça, não do caçador. E, pelos vistos, andam com medo de nós”. Essa narrativa de Sirkis é a mais perfeita tradução do espantalho que Marina representa para as elites políticas. E ele foi feliz ao usar o termo “emboscada”. A definição foi essa, sem tirar nem pôr.