Rubens Nóbrega
Quem pergunta é a jovem Íris Ponce de Leon, irmã de Rafaele, aquela moça que terça última comoveu a Paraíba inteira ao narrar na televisão e no rádio o drama de recorrer a cinco hospitais e não conseguir atendimento para o seu pai, um idoso de 76 anos em pleno AVC (acidente vascular cerebral).
Chegou-me por i-meio o questionamento de Íris, movido pela mais justa indignação que não permite conter no íntimo a mais sentida revolta de quem viu de perto e sentiu na pele e no bolso o que é viver num Estado onde parece ter virado regra a má qualidade dos serviços públicos essenciais, começando pela saúde.
Em momentos assim explode com toda justiça a santa ira dos injustiçados, vítimas preferenciais de um sistema ineficiente, muitas das vezes também corrupto e incompetente, que recusa socorro a vidas humanas à beira da morte ou condena à morte quem não tem poder ou dinheiro para impor ou comprar a assistência devida.
Aparentemente, Íris e sua irmã Rafaele, filhas de Everardo Ponce Leon, não sabiam que era assim até a noite de sexta passada (16), quando o pai delas começou a passar mal em casa e muito pior ficou após três dias de peregrinação por hospitais da Capital nos quais fizeram oito tentativas frustradas de atendimento e internação.
Segundo peguei no portal G1 Paraíba, foi uma via crucis de 30 km percorrida toda ela de táxi. O paciente não teve direito sequer a uma ambulância pública, mesmo as filhas tendo ligado duas vezes para o Samu, do qual receberam, no máximo, orientação de levar o pai para esse ou aquele hospital.
Primeiro, o Edson Ramalho, onde, “após acolhimento com classificação de risco, disseram para irmos para o Hospital de Trauma, único que tem recursos em casos de problemas neurológicos”. Foram. No HT, disseram que Seu Everardo não poderia ficar porque o tomógrafo estava quebrado e os neurocirurgiões, ocupados.Mandaram pai e filhas para o Hospital São Vicente, particular, “pois lá haveria um neuro de plantão que poderia atender”, conta Íris, acrescentando: “E, somente após isso, se o médico do São Vicente encaminhasse papai para o Trauma, por escrito, com toda a anamnese, é que então o Trauma o atenderia”.
Paciente e suas aflitas acompanhantes se encaminharam de fato para o São Vicente, sempre de táxi, e naquele hospital foram muito bem atendidos. Por um clínico geral, que reconheceu a gravidade do estado de Seu Everardo e concluiu que o idoso precisava urgentemente tanto de uma tomografia como de um neuro.
O clínico também providenciou o tal “encaminhamento por escrito”. De posse do papel exigido, voltaram para o Trauma, onde recepcionistas-enfermeiras levaram o documento para um médico dentro do hospital e minutos depois retornaram à portaria para repetir o que parece ser um bordão crucificador: “Tomógrafo quebrado e neuro ocupado, paciente dispensado!”.
“E agora? Voltamos para casa, tornei a ligar para o Samu, expus a situação a eles. O que disseram? Novo absurdo! Disseram: ‘É seu pai! Diga que vai chamar a imprensa, tem a Delegacia do Idoso. Tem que ir pro Trauma mesmo. Faça alguma coisa!’. Poxa! Eu? Como? Que caos é esse?”, reagiu Íris. Com o desespero aumentando, resolveram ligar para os amigos, “pois já não sabíamos mais o que fazer e não tínhamos mais dinheiro”. Decidiram, enfim, levar o pai para o Hospital 13 de Maio, de onde Seu Everardo foi novamente reencaminhado para o Trauma. “Único hospital que tem recursos para atendê-lo”, alguém repetiu.
No terceiro retorno ao Trauma foi necessário “fazer um escândalo na porta do hospital”. Valeu. Funcionou. Magicamente, o tomógrafo se consertou e um médico desocupou. Tomografia feita, recomendado internamento imediato. Mas uma enfermeira objetou: “Mas, Doutor, onde vou colocar ele? Na (ala) Verde não pode mais ficar maca no corredor”. E mandou todo mundo de volta pra casa.
Íris: “Voltamos para casa da mesma forma que saímos: papai com forte dor de cabeça, estressado, perdendo a sensibilidade no braço direito e nós, filhos, revoltados e mais pobres do que já fomos (…) P@#* Pariu!!! Que Paraíba é essa???”.
Depois de todo esse sofrimento, não deu outra: Seu Everardo ficou completamente paralisado, o Samu foi outra vez acionado e dessa vez atendeu, levando-o para o Trauma, que muito rapidamente transferiu o paciente para o Hospital Monte Sinai. Nesse, informa Íris, complicou ainda mais o estado de saúde do pai.
“Deram remédio para baixar a pressão dele, que é 12 X 8, dipirona que também baixa a pressão, ASS, soro glicosado (para quem é diabético) e ranitidina. Nenhum exame, nenhum controle laboratorial. Papai sem conseguir engolir, sem se alimentar, sem beber água… Foi uma experiência desesperadora, deplorável”, relata.
Foi mesmo, minha cara. E mesmo leigo arrisco dizer que o quadro de seu pai somente não se tornou irreversível porque, como você diz em sua narrativa, após depoimento-denúncia de sua irmã à TV Cabo Branco num instante apareceu outro médico para corrigir procedimentos, mudar tratamento, remédios e mandar fazer – como fizeram – os exames necessários.Bem, por essas e outras, caríssima Íris, a história que você botou na rede só vem reforçar que na Paraíba de agora, ao contrário do que ensinou Alcides Carneiro, hospital não é mais um lugar que por infelicidade a gente procura e por felicidade encontra.
Na Paraíba traumatizada por tanta incúria, estimada Íris, hospital virou lugar que por infelicidade a gente procura e por infelicidade maior ainda é possível encontrar. Porque, ao encontrar, é capaz de você ser rejeitada, maltratada, descartada, crucificada e sair pior do que entrou.
E tudo isso sem que nada aconteça a quem tanto mal está fazendo a você e a essa Paraíba que a gente não conhece mais.