O ditador fez inúmeras referências a Deus, Jesus e ‘seu’ cristianismo em suas aparições públicas. Em privado, a conversa era outra
Munique, 12 de abril de 1922 “Meus sentimentos, como Cristão, mostram meu Deus e Salvador como um guerreiro. Como Cristão, tenho o dever de ser um guerreiro pela justiça e verdade”
O homem que levaria à aniquilição de 6 milhões de judeus declarava-se publicamente seguidor de um judeu. O futuro genocida dizia adotar a religião do dar a outra face. Faz sentido isso?
Da boca para fora
Não faz. É consenso entre pesquisadores, historiadores e biógrafos, que, criado por pais católicos, batizado e usando de inúmeras referências a Deus e Jesus em seus discursos, o Führer estava longe de ser cristão.
Hitler reconhecia a necessidade de se alinhar à visão cristã para ser eleito e preservar poder político. Isto é, fingia ser cristão por populismo, já que a maior parte da população alemã e austríaca se dividia entre luteranos e católicos. Como registrado pelo biógrafo Ian Kershaw, Hitler admitiu que a sua atitude não era uma questão de princípios, mas de pragmatismo político.
Na intimidade, o ditador trocava os termos cristãos motivacionais por um discurso decisivamente anticristão. Isso foi registrado nas chamadas Conversas de Hitler à Mesa (Tischgespräche im Führerhauptquartier), os monólogos que ele fazia a seus partidários em reuniões privadas, que foram cuidadosamente transcritos por estenógrafos. Em 10 de outubro de 1941, assim ele afirmou:
“ O cristianismo é uma rebelião contra a lei natural, um protesto contra a natureza. Levado ao pé da letra, cristianismo significaria o cultivo sistemático do fracasso humano”
Hitler chamava as religiões cristãs de doença e dizia sonhar em “imunizar os alemães” ao cristianismo. Acreditava que o cristianismo entraria em colapso com o avanço da ciência, e que Nazismo e religião não podiam coexistir a longo prazo.
Com o poder nas mãos, Hitler e o Partido Nazista procuraram diminuir a influência do cristianismo na sociedade. A partir de 1930, seu regime era cada vez mais dominado por militantes virulentamente contrários a igreja – como Martin Bormann, Heinrich Himmler e Alfred Rosenberg, os dois últimos flertando com ocultismo e neopaganismo.
Um grupo cristão chegou a ser enviado aos campos de extermínios. Testemunhas de Jeová foram perseguidas por recusar o serviço militar e jurar fidelidade ao Nazismo.
A impaciência de Hitler com as igrejas provocou frequentes surtos de hostilidade. No início de 1937, ele [Hitler] declarava que o cristianismo estava pronto para ser destruído, e que as igrejas deveriam, ceder a primazia do Estado”, diz o historiador inglês Ian Kershaw, autor de Hitler: 1936-1945 Nemesis.
Mas, afinal…
Claro aqui que Hitler não podia ser cristão, no que acreditava? Aí é uma discussão de 73 anos, que nem de longe parece perto de acabar. Dependendo de quem você perguntar, Hitler pode ser um crente sem religião, um deísta (Deus existe, mas não interfere), um panteísta (Deus é a natureza e está em todo o lugar), ou um ateu (bem) enrustido.
Em suas conversas privadas, Hitler não falava em Deus como um crente, como fazia em público. No lugar, se referia a uma vaga “Providência”, o acaso feliz das leis naturais (o que é, segundo o biógrafo Joachim Fest, uma forma de panteísmo, divinificar a natureza).
Ainda assim, ele condenou o ateísmo mais de uma vez, em privado, como em 14 de outubro de 1941:
“ Um homem educado mantém o senso desses mistérios da natureza e se curva diante do que não pode ser conhecido. Um homem sem educação, por outro lado, arrisca se bandear para o ateísmo”
O historiador britânico Richard Overy, autor de Ditadores, afirmou que Hitler não era “totalmente” um ateu, mas descreveu assim sua ambiguidade: “Ele não era um cristão praticamente mas, de alguma forma, conseguiu mascarar seu ceticismo religioso de milhões de eleitores Alemães. Ainda que Hitler seja frequentemente retratado como um neo-pagão, ou o deus de uma religião política, suas opiniões tinham muito mais em comum com a iconoclastia revolucionária de seu inimigo bolchevique”.
“Seria Hitler um ateu? Provavelmente não”, afirma o historiador australiano Samuel Koehne. “Mas continua sendo extremamente difícil confirmar suas crenças pessoais, e o debate ainda é acalorado. O que historiadores podem confirmar é que Hitler desenvolveu uma fé absoluta em duas coisas: numa forma extrema de nacionalismo e nele mesmo.”
Fonte: Aventuras na História
Créditos: Lucas Vasconcellos