Prefeito de Santo André foi assassinado em 2002
O juiz Sergio Moro afirmou que “é possível” que o esquema criminoso que levou um empresário a receber cerca de R$ 6 milhões a pedido do PT tenha relação com a morte do ex-prefeito petista de Santo André Celso Daniel, em 2002.
A avaliação foi feita na decisão que autorizou a execução da 27ª fase da Lava Jato.
Moro relata que o empresário Ronan Maria Pinto foi condenado na Justiça de Santo André por crimes no esquema de corrupção e extorsão na prefeitura da cidade.”É ainda possível que este esquema criminoso tenha alguma relação com o homicídio, em janeiro de 2002, do então prefeito de Santo André, Celso Daniel, o que é ainda mais grave”, afirmou Moro.
“Se confirmado o depoimento de Marcos Valério [operador do mensalão], de que os valores lhe foram destinados em extorsão de dirigentes do PT, a conduta é ainda mais grave, pois, além da ousadia na extorsão de na época autoridades da elevada administração pública, o fato contribuiu para a obstrução da Justiça e completa apuração dos crimes havidos no âmbito da Prefeitura de Santo André”, completou.
No documento, o juiz cita que Marcos Valério, em 2012, “declarou uma possível motivação de que indivíduos do PT estariam sendo vítimas de extorsão da parte de Ronan Maria Pinto” e “citou expressamente como envolvidos” Sílvio Pereira, José Dirceu, o ex-ministro Gilberto Carvalho, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva e o jornalista Breno Altman.
Moro afirmou que a fala de Marcos Valério “embora deva ser vista com muitas reservas, o fato é que metade do valor do empréstimo foi, pela prova colhida, inclusive documental, destinada a Ronan”.
O empréstimo seria de R$ 12 milhões e foi contraído em 2004 pelo pecuarista José Carlos Bumlai. O destinatário seria o PT, e metade do valor teria sido repassado a Ronan.
INVESTIGAÇÃO
As provas levantadas pela Lava Jato deram novo fôlego à investigação da morte de Celso Daniel, ocorrida em 2002. Segundo o promotor Roberto Wider Filho, há, desde 2005, um Procedimento Investigativo Criminal aberto no Ministério Público de São Paulo para apurar as circunstâncias do homicídio.
Nesta semana, Ronan prestou depoimento em Santo André no âmbito dessa investigação e negou ter chantageado os petistas. Disse que nunca teve contato com Lula.
Questionado sobre o recebimento do dinheiro, o empresário preferiu ficar em silêncio, segundo o promotor.
O delegado Marcos Carneiro Silva, que à época da investigação atuou no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) da Polícia Civil, contesta a versão da Promotoria de que o assassinato do petista teria sido um crime político. Segundo ele, tratou-se de um sequestro comum seguido de morte, mesma versão da Polícia Civil que, também em 2005, reabriu o inquérito sobre o caso, relatando-o à Justiça em 2006 com a mesma conclusão do anterior, de que teria se tratado de um crime comum.
‘LABORATÓRIO’
A deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP) defendeu, em encontro com Moro em outubro passado, a tese de que o esquema em Santo André foi o “laboratório” para o mensalão, em 2005, e o petrolão. Munida de dossiê com informações sobre o esquema de corrupção na prefeitura de Santo André, Mara afirmou a Moro que “Ronan Maria Pinto é a pessoa que liga o caso do assassinato de Celso Daniel ao petrolão”.
“Ronan recebeu dinheiro do petrolão para calar a boca, para não mais chantagear, porque ele tem informação de quem assassinou o ex-prefeito”, disse a deputada, reproduzindo seu relato ao juiz.
Mara tem uma ligação pessoal com o caso. Ela atribui a doença e a morte de seu pai, Luiz Alberto Gabrilli, ao fato de ele ter sido extorquido, durante anos, por Ronan Maria Pinto, que atuaria em nome do então secretário de obras da prefeitura de Santo André, Klinger Luiz de Oliveira.
ENTENDA A MORTE DE CELSO DANIEL
O CASO
Sequestro
Celso Daniel (PT) foi sequestrado na noite de 18 de janeiro de 2002. Estava acompanhado do ex-segurança e empresário Sérgio Gomes da Silva
Morte
Dois dias depois, o corpo do prefeito de Santo André foi encontrado com oito tiros numa estrada de terra em Juquitiba (SP)
Apuração
O caso foi investigado pela Polícia Civil, que concluiu se tratar de crime comum
Recurso
Os irmãos do prefeito, Bruno e João Francisco, recorreram ao Ministério Público pedindo a reabertura da investigação
Polícia Federal
Em 2002, antes de Lula ser eleito, ele e José Dirceu pediram que a PF investigasse o caso
Reabertura
O caso foi reaberto em 2005. Em 2006, a delegada Elisabete Sato recomendou sua arquivação, reafirmando a tese do crime comum
Réus
O Ministério Público denunciou Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, como mandante do crime. Ele se tornou réu por homicídio e ficou preso de 2003 a 2004. Foi condenado, em 2015; os outros seis envolvidos foram julgados
Agora
Desde 2005, corre um Procedimento Investigativo Criminal no Ministério Público de SP, que averigua suposta motivação política e leva em conta relato de Marcos Valério, em 2012; deve incluir dados da Lava Jato
COMO FOI O SEQUESTRO
> Após sair do restaurante Rubaiyat, em São Paulo, a Pajero de Celso Daniel é perseguida por três quadras por uma Blazer e um Santana. Ao volante, Sérgio Gomes da Silva afirmou que o câmbio quebrou
> Os bandidos batem duas vezes no carro do prefeito e disparam quatro tiros, retidos porque a Pajero era blindada
> As portas da Pajero se abrem e Celso Daniel é puxado para fora do carro. Os bandidos fogem com o prefeito
Motivação
> Segundo a Promotoria, Celso Daniel foi morto porque teria descoberto esquema de desvio de verbas da prefeitura. Os recursos seriam pagos por meio de propina de empresas de ônibus para abastecer o caixa dois do PT. O partido nega
> Em depoimento à CPI dos Bingos, os irmãos do prefeito afirmaram que a morte estaria ligada ao esquema de corrupção
> A Polícia Civil afirma que o caso foi um crime comum, um sequestro seguido de morte para se livrar da vítima
PERSONAGENS
Celso Daniel
Prefeito de Santo André, seria o coordenador da campanha presidencial de Lula em 2002
Sérgio Gomes da Silva (Sombra)
Amigo de Celso Daniel, foi apontado como mandante do crime, e julgado por corrupção
Bruno (esq.) e João Francisco (dir.)
Irmãos do prefeito, insistiram na tese de crime político. Em 2006, deixaram o país afirmando terem sido ameaçados de morte. Os dois já retornaram ao Brasil
AS MORTES SUPOSTAMENTE LIGADAS AO CASO
Sete pessoas vinculadas direta ou indiretamente ao caso morreram nos últimos anos
Otávio Mercier: investigador da Polícia Civil que procurava Dionísio após a fuga
Carlos Delmonte Printes: legista, afirmou que Celso Daniel foi torturado
Antonio Palácio de Oliveira: garçom que serviu o jantar ao prefeito na noite do sequestro
Paulo Henrique Brito: testemunha da morte do garçom, foi assassinado em seguida
Iran Moraes Redua: agente funerário que reconheceu o corpo do prefeitov
Fonte: Folha