As deputadas estaduais do PSL de São Paulo Janaina Paschoal, Leticia Aguiar e Valeria Bolsonaro apresentaram um projeto de lei que restringe às profissionais mulheres a exclusividade nos cuidados íntimos de crianças na Educação Infantil, como trocar fralda, dar banho e ajudar a ir ao banheiro.
No texto do PL 1.174/2019, as deputadas explicam: em Araçatuba, no interior do estado de São Paulo, professores homens foram admitidos, em concurso, nas instituições públicas de ensino infantil, e esse movimento teria causado preocupação e insegurança nas mães. Elas estariam temendo algum tipo de abuso sexual contra os menores. O projeto foi protocolado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Recentemente, foi publicado pedido de urgência para a votação do projeto.
Aos homens caberia desempenhar as demais atividades, entre elas pedagógicas, esportivas e administrativas, conforme explica a Universa a deputada Janaina Paschoal. Mas críticos do texto, como profissionais da educação que participam do FPEI (Fórum Paulista de Educação Infantil), veem na proposta uma “visão binária e sexista” do papel dos profissionais homens na educação infantil. Em manifesto publicado na sua página, a organização afirma ainda que o PL “só reforça o processo de desigualdade de gênero, delineando a exclusão”.
Para Janaina, dizer que a proposta criará maior divisão entre homens e mulheres é misturar as estações.
“A luta das mulheres sempre foi dividir tarefas em casa. Não vejo essa relação entre o trabalho na creche e na vida doméstica”, justifica. “Acredito que essa lei vai ser muito importante para proteger meninos e meninas.”
A violência vem de ambos os lados
Especialistas em educação ouvidas por Universa discordam do texto. Para a psicoterapeuta de crianças e adolescentes Mônica Pessanha, mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, uma medida mais efetiva seria disponibilizar dois funcionários na hora do banho, por exemplo.
“A escola deve trabalhar com a ideia do cuidado antes, que é ajudar a criança a entender e se proteger de situações estranhas, como um professor de futebol querer dar banho no aluno. Não é a função dele”, diz Mônica. “Não faz sentido fazer essa segregação nos tempos que estamos vivendo hoje, mas promover ações, palestras e debates para família, profissionais e crianças.”
Pesquisadora e professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Adla Betsaida Teixeira diz que é preciso ter cuidado com qualquer um: homem ou mulher, já que ambos podem cometer violência física, psicológica ou sexual.
Na avaliação dela, que é especialista em Metodologia de Ensino, Gênero e Direitos Humanos, afastar os filhos de debates sobre violência dentro das escolas e deixar de ouvi-los pode condená-los a serem ingênuos ao lidar com pedófilos:
“As escolas hoje têm câmeras que mostram a rotina das crianças. Caso pais e mães e, principalmente, a criança se sintam constrangidos se um homem fizer a troca da fralda de uma menina, então que uma mulher o faça. Ou, caso um menino prefira um homem para levá-lo ao banheiro, que o mesmo se respeite. Pedofilia não tem a ver com o sexo de quem o faz. É cometida por gente de sexos diferentes.”
“É o meu maior medo”
A corretora de seguros Naiara Silva Brasil, 38, tem outra visão sobre o tema. Ela é mãe de um menino autista de três anos e de uma menina de dois e diz que seu maior medo é ver um professor ter contato direto com suas crianças. Para a moradora do Capão Redondo (na zona sul de São Paulo), um homem deveria ter contato direto com os alunos somente quando eles tiverem idade para conseguir falar aos pais sobre algo suspeito, o que deveria acontecer, segundo ela, em torno dos sete anos.
“No próximo ano, meu filho terá que mudar de colégio e, em todas as unidades públicas que visitei até agora, têm homens trabalhando diretamente com crianças. Estou morrendo de medo porque meu filho é muito inocente. Isso está tirando o meu sono. Sei que tem que ter inclusão e que nem todos os homens são iguais, mas a realidade é que a maioria dos abusos contra crianças é cometida por homens.”
“É machismo estrutural”
Professor da Escola Municipal de Educação Infantil Clarice Lispector, na zona sul, e um dos coordenadores do FPEI, Ivan Ferreira Santos de Carvalho reforça que a escola tem o papel de ensinar às crianças todas as formas de abuso. Formado em pedagogia pela USP, ele chama de machismo estrutural colocar somente a mulher para cuidar dos alunos, como se somente elas fossem capazes de desempenhar esse papel.
“Quando cuidamos, por exemplo, da higiene das crianças, ali também estamos educando, mostrando que não se pode mexer nas suas partes íntimas”, afirma.
A reportagem procurou a secretaria municipal de educação de Araçatuba, mas não obteve retorno até a conclusão desta reportagem.
Fonte: UOL
Créditos: UOL