Presídios descumprem lei e não separam detentos por tipo de delito

paraíba

Levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aponta que 68% entre as 1.598 unidades prisionais do país não separavam os detentos conforme a natureza do delito cometido, como determina a Constituição. Além de unirem, em uma mesma cela, autores de crimes de grande periculosidade com outros de menor gravidade, em 77% dos estabelecimentos, presos primários conviviam com reincidentes. No mesmo período, foram registrados 121 rebeliões e 110 homicídios na cadeia. As visitas ocorreram entre fevereiro de 2012 e março deste ano.

— Presos reincidentes ou que cumprem pena por crimes graves podem causar uma influência deletéria sobre outros que são primários ou cometeram delitos de menor gravidade. Isso pode não chamar a atenção das pessoas, mas mostra a situação de promiscuidade do sistema prisional brasileiro — observa o procurador Mario Bonsaglia, presidente da Comissão do Sistema Prisional do CNMP, detalhando que os dados levantados durante as visitas são baseados nos prontuários dos presos apresentados pela administração da unidade e pela análise dos promotores de Justiça ou procuradores federais.

Primários ao lado de chefes

A falta de critério para a separação de presos se soma à superlotação das unidades. Com capacidade para 310 mil detentos, o sistema prisional abrigava 548 mil em dezembro de 2012, conforme os dados do Ministério da Justiça.

Em visita a 16 unidades prisionais de Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Distrito Federal e Espírito Santo, no primeiro semestre deste ano, o CNMP verificou superlotação em todas. Na Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru (PE), foi constatado que 1.302 presos ocupavam 380 vagas. Porém, a maioria dos apenados (1002) eram presos provisórios, portanto, sem julgamento.

Para o desembargador Guilherme Calmon, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o sistema prisional viola sistematicamente as normas constitucionais:

— A separação dos detentos em razão da natureza do delito praticamente não é feita em presídio algum, numa clara violação à regra constitucional, que estabelece a divisão por natureza do crime, sexo e idade. Há pouco tempo, encontramos uma mulher em um hospital de custódia exclusivo para homens.

“Ou se filia ou morre”

Segundo o desembargador, o descumprimento de normas básicas, acrescido da prática de tortura, gera uma situação favorável à ação do crime organizado. Não à toa, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou, em 2012, que “preferia morrer” a passar muitos anos em uma penitenciária brasileira.

— Essa situação na qual essas pessoas estão inseridas gera rebeliões e elas acabam saindo, após cumprirem a pena que lhes foi imposta, pior do que entraram — diz Calmon.

No Maranhão, onde, na quarta-feira, uma rebelião no Centro de Detenção Provisória do Complexo Penitenciário de Pedrinhas deixou nove mortos e 20 feridos, a separação dos presos costuma ser feita com base na facção criminosa do detento, revela o juiz Douglas de Melo Martins, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ.

— A divisão é feita, principalmente, pela facção. Com isso, a pessoa que comete um crime leve acaba, por exemplo, na mesma cela de alguém que cometeu um crime mais grave, de um líder de uma organização criminosa. E aí não é nem questão de a prisão ser uma escola do crime. Na verdade, o detento é cooptado pela facção. Ele não tem opção. Ou se filia ou morre.

Exemplo disso, cita o juiz, é o borracheiro que foi detido por ter adquirido pneus furtados e acabou assassinado na rebelião desta quarta-feira, na capital maranhense.

— Sei que deve ter muita gente falando ao ouvir a notícia da rebelião: “Ah, dez mortos presos? É bom, são menos dez criminosos no mundo”. Mas um desses mortos é um borracheiro, que foi detido após acusação de ter comprado pneus furtados. A sociedade é muito hipócrita.

Segundo o juiz, o Complexo Penitenciário de Pedrinhas tem um histórico de tragédias e passa por uma situação “de descontrole”. Além das 9 mortes registradas nesta quarta-feira, no Centro de Detenção Provisória, onde presos aguardam julgamento, outras cinco ocorreram no início deste mês. Em 2011, um motim que durou cerca de 24 horas terminou com 18 presos assassinados. À época, a polícia também divulgou que as mortes foram resultado de briga entre facções rivais.

Este ano, lembra Martins, a demolição do Complexo de Pedrinhas foi recomendada por um juiz da Vara de Execuções Penais do Maranhão:

— O juiz disse que a situação era tão ruim que nem reforma resolvia. Além disso, tem o problema da superlotação. Na unidade onde ocorreu a rebelião, há quase 700 presos onde deveria existir 200.

Embora a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, tenha decretado ontem estado de emergência no sistema prisional, e apesar do histórico de problemas nas unidades do estado, o levantamento feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público nas unidades não identificou rebeliões ou homicídios entre março de 2012 e fevereiro de 2013. Por conta disso, e diante do último motim, a Comissão do Sistema Prisional da entidade adiantou para o dia 23 de outubro a visita ao estado.

— Além das inspeções mensais, estamos visitando unidades que são consideradas as piores do país. Já passamos por Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Paraíba e Distrito Federal. Estávamos com uma ida marcada para Pedrinhas, pois lá já ocorreram episódios violentos. Mas agora vamos adiantar a nossa ida e lá vamos questionar a consistência dos dados. Embora a gente não tenha o dever de fiscalizar os presídios, mas, sim, o cumprimento da Lei de Execuções Penais, vamos procurar saber, por exemplo, o porquê de não existir registros de mortes e rebeliões no estado — diz o presidente da Comissão do Sistema Prisional do CNMP.