Luiz Werneck Vianna, sociólogo, professor da PUC-Rio
“Esquisita, não; está esquisitíssima. O cenário, antes percebido como alvissareiro e estimulante para indivíduos e empresas, cedeu lugar a um panorama de desconfiança e descrença quanto ao futuro do país, aqui e alhures.
Em vão, devem-se procurar as razões do mal-estar que nos afeta na chamada
questão social, na gangorra dos indicadores econômicos ou em chave cultural, embora o tema do ressentimento, tão disseminado pelas mídias, não seja inocente nesse mau humor que grassa por aí. Elas estão em outro lugar, precisamente na política.
Na concepção dominante nos idos dos anos 80, as agendas da igualdade e da
liberdade não deveriam ser apartadas: os objetivos e os ideais igualitários deveriam
se encaminhar para o interior dos canais da democracia representativa e da
participativa, inclusive dos abertos no Poder Judiciário. Esse resultado não nos caiu
do céu. Foi conquistado nas ruas por multidões que demandavam direitos sociais e de participação, as mesmas que, hoje, são palco de manifestações de protesto e da ira popular.
Algo mudou a partir das práticas de governo do PT, embora as origens desse
partido estivessem na sociedade civil, quando se introduziu uma mutação nesse desenho institucional. A questão social foi capturada pelo Estado e os movimentos sociais passaram a gravitar em torno dele, resultando em perda de energia e de
legitimação diante do que seria o seu público. As atuais greves em que categorias de trabalhadores desconhecem as diretrizes de suas lideranças sindicais são exemplares desse estado de coisas.
Mas é muita sociedade para pouco Estado. Nada de estranho, então, que
uma sociedade de massas carente de direitos, ao não encontrar portas de acesso
a eles, venha a descobrir o caminho das ruas. Na verdade, ela está como que
procurando realizar a agenda da igualdade por suas próprias mãos. Cabe, nessa hora, reapresentá-la à agenda da liberdade e de suas instituições.”