O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes tem recebido críticas por decisões favoráveis a investigados com a concessão de liberdade ou de condições mais brandas de prisão.
Em julgamentos no Supremo e em manifestações públicas, Mendes tem defendido a importância de a Justiça garantir os direitos das pessoas que são alvo de investigações e ações judiciais.
O ministro já afirmou que juízes devem “nadar contra a corrente” para garantir direitos fundamentais, inclusive a presos e investigados, e que ser aplaudido por manter suspeitos na cadeia não é fazer um bom trabalho.
Ao se fazer a defesa de direitos, às vezes de forma estritamente conservadora, nós estamos protegendo aquele indivíduo que nos apedreja
Para ele, aqueles que criticam as decisões favoráveis a investigados esquecem que podem, eventualmente, estar um dia no papel de alvo das investigações.
“Muitas vezes, a garantia de direitos está na contrariedade de opiniões. Ao se fazer a defesa de direitos, às vezes de forma estritamente conservadora, nós estamos protegendo aquele indivíduo que nos apedreja, porque quando você cria um Estado autoritário, com generalização de prisões preventivas, e as pessoas aplaudem, elas esquecem que amanhã será a vez delas”, afirmou Mendes, em seminário realizado em dezembro.
Se nós estivermos sendo muito aplaudidos porque estamos prendendo muito, porque negamos habeas corpus, desconfiemos, nós não estamos fazendo bem o nosso job [trabalho, em inglês]. Certamente falhamos
No Brasil, a regra geral é a de que as pessoas só podem ser presas depois de serem condenadas na Justiçapor um tribunal de segunda instância.
O STF deve voltar a analisar o tema e pode determinar que a prisão só ocorra, por regra, após o chamado trânsito em julgado, quando não cabem mais recursos no processo. Mas há exceções à regra, como a prisão em flagrante e a prisão preventiva.
Vejas os argumentos jurídicos do ministro Gilmar Mendes em decisões recentes que revogaram prisões de investigados e causaram polêmica.
Casal Garotinho
O ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PR) e sua mulher, a ex-governadora Rosinha Garotinho (PR), foram acusados pelo MPF (Ministério Público Federal) de terem recebido R$ 3 milhões em caixa dois para as eleições de 2014. O dinheiro, segundo dois delatores, foi repassado pela JBS por meio de um contrato fraudulento com uma segunda empresa.
O casal chegou a ser preso, mas Rosinha foi libertada, com uso de tornozeleira eletrônica, por decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
A prisão preventiva de Garotinho foi determinada pelo juiz da 98ª Zona Eleitoral de Campos dos Goytacazes (RJ), Glaucenir Silva de Oliveira, com o argumento de que, em liberdade, o grupo ligado ao ex-governador poderia ameaçar testemunhas.
Em sua decisão, que determinou a prisão de outras sete pessoas, incluindo a ex-governadora Rosinha Garotinho, o juiz Oliveira cita depoimento do empresário que fechou acordo de delação premiada, no qual ele afirma que foi procurado por um dos investigados e que o intermediário dos repasses portava duas pistolas quando se encontrou com ele para receber os valores.
Ainda não houve decisão final nesse processo sobre condenação ou absolvição dos ex-governadores.
Gilmar Mendes determinou a libertação de Garotinho e suspendeu o uso de tornozeleira por Rosinha com o argumento de que não foi apontado no processo nenhum ato “concreto” capaz de interferir nas investigações e no andamento da ação.
Sobre a possibilidade de ameaça ao empresário, Gilmar Mendes afirmou que a colaboração premiada terminou sendo assinada com a Justiça e que o delator disse em depoimento não ter se sentido ameaçado pela pergunta sobre “se a família dele está bem”, feita por um dos investigados.
“Não há, portanto, indicação de nenhum ato concreto e atual praticado pelo paciente com o intuito de fragilizar a instrução criminal”, escreve Mendes na decisão que libertou Garotinho.
“De fato, a prisão preventiva, enquanto mitigação da regra da presunção de inocência, exige fundamentação idônea, respaldada em motivos cautelares concretamente verificados e contemporâneos ao ato, demonstrando a inevitável necessidade de ser utilizada em detrimento de outras medidas cautelares diversas da prisão”, conclui o ministro.
Adriana Ancelmo
A mulher do ex-governador do Rio Sérgio Cabral foi presa por ordem do juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava Jato no Rio. Na primeira decisão pela prisão de Adriana, em dezembro de 2016, o juiz considerou o risco de que ela voltasse a cometer crimes ou ocultasse bens e valores adquiridos de forma ilícita.
Adriana foi condenada pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro, acusada de ter comprado joias com dinheiro fruto do esquema de propina no governo de Cabral.
O casal Adriana Ancelmo e Sérgio Cabral
Em março de 2017, o próprio juiz Marcelo Bretas determinou que Adriana passasse à prisão domiciliar, com o argumento de que tem um filho menor de 12 anos e poderia receber o benefício da prisão domiciliar previsto no Código de Processo Penal. O filho mais novo de Adriana tem 11 anos de idade.
“Tenho a preocupação de que os efeitos desse processo não atinjam direitos de crianças que não fazem parte e portanto não devem sofrer os efeitos desse processo”, escreveu Bretas na decisão.
Em setembro, Adriana foi condenada na Operação Calicute a 18 anos de reclusão, por associação criminosa e lavagem de dinheiro. Apesar disso, ela não começou ainda a cumprir pena, porque isso só acontece após a condenação ser confirmada por um tribunal de segunda instância, caso do TRF-2.
Posteriormente, em novembro, o TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) derrubou a segunda decisão de Bretas e determinou que Adriana voltasse à prisão preventiva em regime fechado, com o argumento de que persistia o risco de ela praticar crimes e esconder o produto do suposto esquema ilegal no governo.
Gilmar Mender, então, determinou novamente a prisão domiciliar, citando precedentes do STF que concederam o benefício a mulheres com filhos menores de 12 anos.
“Não obstante as circunstâncias em que foi praticado o delito, a concessão da prisão domiciliar encontra amparo legal na proteção à maternidade e à infância, como também na dignidade da pessoa humana, porquanto prioriza-se o bem-estar da criança”, escreve o ministro na decisão.
“Em suma, a questão da prisão de mulheres grávidas ou com filhos sob seus cuidados é absolutamente preocupante, devendo ser observadas, preferencialmente, alternativas institucionais à prisão, que, por um lado, sejam suficientes para acautelar o processo, mas que não representem punição excessiva à mulher ou às crianças”, diz Gilmar Mendes.
“A condição social das mães ou mulheres grávidas não é relevante. Vários dos casos em que esta Corte concedeu tutela judicial eram de habeas corpus patrocinados pela Defensoria Pública”, diz o ministro. “No presente caso, a condição financeira privilegiada da paciente não pode ser usada em seu desfavor”, afirma a decisão de Mendes.
‘Rei do ônibus’
Gilmar Mendes concedeu três habeas corpus ao empresário do setor de transporte público do Rio Jacob Barata Filho, conhecido como “rei do ônibus”.
Barata foi preso preventivamente por ordem do juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato no Rio, suspeito de integrar um esquema de pagamento de propina a políticos ligados ao governo de Sérgio Cabral.
Ao justificar a necessidade da prisão preventiva, Bretas afirma que as ligações políticas do grupo de Barata Filho e as suspeitas de terem movimentado altos valores em propina traria o risco de que pudesse atuar para intimidar testemunhas, continuar praticando crimes ou ocultar bens e valores fruto do esquema criminoso.
“O montante dos valores espúrios referidos no esquema criminoso aqui apontado, na casa das centenas de milhões de reais, permite ainda concluir pela capacidade de influência política dos representados e a potencial capacidade de desestimular testemunhas e pessoas lateralmente envolvidas a colaborar com as investigações, que são muitas e complexas, ainda em curso”, escreveu o juiz na decisão.
Mendes, ao conceder o pedido de habeas corpus de Barata Filho, afirmou que, embora graves, as suspeitas apontam para fatos já distantes no tempo, que teriam ocorrido até 2016.
Para o ministro, autorizar a prisão preventiva nesse caso seria desconsiderar o princípio jurídico da presunção de inocência, pelo qual a prisão só pode ocorrer, como regra, após condenação judicial.
“Muito embora graves, esses fatos são consideravelmente distantes no tempo da decretação da prisão. Teriam acontecido entre 2010 e 2016. Ainda que graves, fatos antigos não autorizam a prisão preventiva, sob pena de esvaziamento da presunção de não culpabilidade”, diz Mendes na decisão.
Para o ministro, o risco de os investigados movimentarem bens ligados ao suposto esquema criminoso também não autoriza a prisão, já que hoje é possível movimentar valores de forma remota, por exemplo por meio da internet.
“Não vejo adequação da prisão preventiva à tal finalidade, na medida em que recursos ocultos podem ser movimentados sem a necessidade da presença física do perpetrador”, diz a decisão.
Ao revogar a prisão, o ministro impôs outras restrições ao empresário, como a proibição de manter contato com outros investigados, proibição de deixar o país e entregar o passaporte, recolhimento domiciliar noturno e aos fins de semana, e a proibição de exercer cargos de administração em empresas e associações ligadas ao transporte público.
Novo habeas corpus
Um dia após conceder a primeira ordem de habeas corpus, Gilmar Mendes voltou a determinar a liberdade de Barata Filho.
Isso porque a defesa reclamou da existência de um segundo decreto de prisão contra o empresário, determinado quando Barata tentou viajar ao exterior portando dinheiro em espécie não declarado, acima do valor permitido. Ele foi preso em flagrante por evasão de divisas.
Ao conceder o segundo habeas corpus, Gilmar Mendes afirmou que medidas alternativas à prisão, como a retenção do passaporte do empresário e a proibição de deixar o país, seriam suficientes para garantir o andamento normal do processo.
“Especialmente relevante para tal finalidade é a proibição de se ausentar do país, com obrigação de entrega de passaportes. Essa medida é suficiente para reduzir o alegado risco de fuga”, diz na decisão.
A decisão de Mendes foi confirmada pela 2ª Turma do STF, com o voto dos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Único a divergir de Mendes, o ministro Edson Fachin apresentou questões processuais para votar contrário à decisão, ao afirmar que o STF não poderia julgar a questão naquele momento e deveria aguardar um desfecho do caso no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Barata Filho ainda teria uma terceira ordem de prisão contra ele, novamente revogada por Mendes. O empresário teve a prisão decretada pelo juiz Marcelo Bretas após operações de busca e apreensão na casa dele encontrarem documentos que apontariam que ele teria descumprido a ordem do STF e continuado atuando à frente de empresas de transporte.
Ao revogar a prisão, Gilmar Mendes afirmou que a documentação não apontava a atuação de Barata em empresas que atuam diretamente no transporte público, mas que prestariam serviços ao setor. Foram encontrados na casa de Barata uma proposta comercial de uma empresa de monitoração eletrônica de ônibus e e-mail relacionado a uma administradora de imóveis dona de um terreno onde seria construída uma garagem.
“A medida cautelar diversa da prisão não impediu o paciente de manter a administração de outras empresas, não ligadas ao transporte coletivo de passageiros. Logo, não há descumprimento das mencionadas medidas em razão de atuação em empresa que presta serviço a empresas de transporte”, diz o ministro na decisão.
Padrinho de casamento
A PGR (Procuradoria-Geral da República) apresentou um pedido de suspeição no STF para impedir Mendes de julgar o caso. O ministro disse que não há motivos legais de impedimento contra ele. A ação ainda não foi julgada pelo Supremo.
A Procuradoria afirma que o ministro não poderia julgar o caso, pois foi padrinho de casamento da filha do empresário. Mendes afirmou que o caso não se enquadra nas regras legais que exigem a suspeição do juiz.
“Não tem suspeição alguma”, disse. “Vocês acham que ser padrinho de casamento impede alguém de julgar um caso? Vocês acham que isso é relação íntima como a lei diz?”, perguntou o ministro, em conversa com jornalistas.
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Fonte: uol
Créditos: uol