Estava tudo bem enquanto a tara ainda era estapear a bunda, lamber o dedão do pé, arriscar umas cusparadas gentis ou mesmo o consagrado golden shower (mas só debaixo do chuveiro) – eu juro que não me importava. Adoro um fetiche. Fingir uns enredos, encenar mentirinhas. O problema é que agora ando com medo. E se algum parceiro quiser que eu engula o AI5?
A perversão generalizada está à espreita, e pode esbarrar na gente a qualquer momento. Você vai estar ali em um momento de intimidade, e de repente alguém vai sacar da cueca uma ameaça de reedição golpista, o ato rígido em mãos, chacoalhando o recurso diante dos nossos próprios olhos. “Segura”, o tarado manda.
O AI5 é o fetiche do momento. O ministro gosta, o presidente gosta, o filho do presidente também. E, como acontece com qualquer depravação, quando um maníaco bota pra fora, a maioria até sai correndo horrorizada, mas sempre sobra meia dúzia de safados que se escondem para espiar.
Freud explica que a fixação institucional tem origem na fase fálica, evidentemente, quando, entre os três e seis anos de idade, a criança concentra toda a libido em torno do seu AI5.
É flagrada vez ou outra esfregando-o no braço do sofá, cutucando-o com o dedinho, sem consciência alguma de deleite erótico, claro, mas curiosa pela sensação divertida que aquele gesto causa. Bulir com o AI5 dá prazer.
Por algum desvio no curso normal do desenvolvimento dos políticos pequeninos, algo sai errado e o garoto cresce desejando impor seu levante à força. A qualquer mínima oportunidade, abre a casaca e expõe, nu de qualquer bom senso, sua sugestão de motim (e aqui Freud acrescentaria uma nota sobre a relação inversa entre envergadura e ego).
E, em casos assim, quando, de tão minúscula, a ameaça mal para em pé, o constrangimento é mútuo. Acomete tanto aquele que se vê diante do AI5 alheio, quanto quem tenta decretar seu fetiche deliberadamente em cima dos outros.
O climão se instala, um desconhecido tosse para disfarçar, e todo mundo segue torcendo pra que ninguém mais tenha o desvario de sugerir uma asneira dessas.
Mas, mesmo sabendo que tem tipos de tara que não fazem bem, sei de muita gente não pretende abandonar tão cedo a compulsão, e aí é só questão de tempo até que ela roce desavergonhada na minha coxa.
O AI5 está tão na boca de todo mundo, que temo pelo momento em que ele virá parar na minha. Ou quando, em sua dureza intrínseca, surja para me dar pancadinhas na bochecha, nos peitos, na barriga, naquele clássico espetáculo de submissão à ordem debaixo de força. Já pensou? “Pega no meu AI5 e balança”. Credo.
Como precaução, se antes eu exigia apenas que os parceiros falassem português direito e usassem camisinha, agora passei a solicitar que eles assinem três vias de contrato assinalando de quais tipos de fetiche pretendem fazer uso durante a transa. A qualquer sinal de autoritarismo, o pretendente é deportado. Democracia não é bordel.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Marcella Franco