Partidos em desgraça

Nonato Guedes

Uma pesquisa feita pelo Ibope, a pedido de “O Estado de São Paulo”, traçou o diagnóstico: é baixa a confiabilidade do cidadão comum nos partidos políticos. Há 24 anos, no bojo da redemocratização, somente 38% de entrevistados declaravam não ter preferência por siglas, enquanto 61% apontavam ostensivamente o time predileto. Agora, 56% garantem não morrer de amores por qualquer agremiação. A conclusão salta óbvia, na exegese do “Estadão”: há uma situação de apartidarismo, que seria sinônimo de crise ou de enfraquecimento da democracia. Petistas, peemedebistas, tucanos, democratas, pedetistas, que antes monopolizavam simpatias, caíram em desgraça. No último ano do governo Lula, o PT detinha 33% das preferências. Está encalhado em 24%.

Houve o mensalão, é claro, com toda a exploração midiática que se fez em torno do julgamento de figurões da república petista arrolados em processos que tratavam do usufruto de recursos não contabilizados, para usarmos uma expressão a que recorreu Delúbio Soares nos primórdios da descoberta da “mutreta”. Por pouco o ex-presidente Lula não derrapou na malha fina. Bem que o procurador Gurgel tentou levá-lo às cordas, mas faltavam, ao que tudo indica, elementos comprobatórios. Afinal, Lula sempre protestou inocência diante do que se passava nas suas barbas. Não sabia de nada e confessou-se apunhalado pelas costas por companheiros de militância, os Brutus do império petista.

Abstraindo o caso do mensalão, que ainda está recente, é preciso considerar a relatividade da pesquisa do Ibope-Estadão. E por um motivo curial, ou elementar: o eleitor brasileiro não é apegado a partidos ou ideologias. Vota em pessoas, em nomes carimbados ou novidadeiros. Lula jactava-se de ter contribuído para eleger dois postes: Dilma Rousseff em 2010, Fernando Haddad para prefeito de São Paulo no ano passado. Não era uma piada de mau gosto. Era uma referência ao fato de que Dilma e Haddad não tinham militância partidária mais efetiva. Dilma chegou a ter militância política, abrigada, porém, em siglas de esquerda que pregavam a luta armada contra o regime militar e que, por óbvio, estavam confinadas à clandestinidade. Na legalidade, antes de obter o passaporte para entrar no PT, passeou pelo PDT de Leonel Brizola, o que fez surgir entre xiitas a suspeita de que ela não era uma petista quimicamente pura. Haddad nem militância teve, do ponto de vista de visibilidade, até se eleger prefeito da maior cidade da América Latina.

Os saudosistas, com certeza, vão brandir que antes de 64 havia a polarização entre a UDN e o PSD. É uma verdade parcial. Porque também havia o PTB. Mesmo nesse interregno de devoção partidária, e ela existiu, não adianta negar, a fulanização pairava acima das siglas (vide o caso de Carlos Lacerda, um dos regentes da banda de música da UDN, a conhecida vivandeira dos quartéis, pressurosa por um golpe de emergência). O PSD tinha um caleidoscópio de nomes nacionais. A fulanização girava mais a nível de Estados. Como na Paraíba, com Ruy Carneiro contra João Agripino. De resto, programas partidários nunca surtiram eficiência no Brasil. O PDS, sucedâneo da Arena, em tempos de abertura, incorporou à sua doutrina o princípio da co-gestão, que significava a divisão de lucros entre empresários e trabalhadores. Foi um artifício enxertado para uso cosmético. Para inglês ver, como se dizia, antigamente. Na prática, nunca foi levado adiante, nem poderia. Houve uma congestão doutrinária, digamos assim.

O eleitor, via de regra, não repara em doutrinas. Repara no candidato e nas promessas, que não precisam ser tão sofisticadas ou acadêmicas para conquistar-lhe o voto. Collor foi candidato pelo PRN, que nem ele nem o eleitor sabiam, direito, o que traduzia. Ganhou com sua pose de Indiana Jones e de caçador de marajás. Sua promessa? Gastar apenas uma bala para derrotar a inflação. O dragão inflacionário não foi abatido e Collor não esquentou cadeira no Planalto, vítima de um impeachment onde o “leit motiv” era a corrupção. Não é preciso ir longe em qualquer comparação, pelo visto.