Por Lenilson Guedes
Apesar de previsto em lei, a Paraíba ainda não implementou o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. “A Paraíba foi o terceiro Estado do Brasil a promulgar uma lei criando esse mecanismo. Foi uma lei editada em 2011. Porém, passados dois anos esse mecanismo ainda não entrou em funcionamento porque o Estado ainda não deu as condições necessárias para a sua implantação”, afirmou a representante da Associação para a Prevenção da Tortura (APT) na América Latina, Sílvia Dias, que participou, em João Pessoa, do 1º Seminário Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. Em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA, ela disse que a prática da tortura nos presídios tem contado com o apoio da sociedade brasileira.
JORNAL DA PARAÍBA – Há como falar em ressocialização de presos se ainda existe tortura nos presídios? Há como recuperar um preso que sofre tortura no cárcere?
ENTREVISTADA – Infelizmente com a estrutura que a gente tem hoje, o sistema carcerário, não só no Brasil mas em todos os países da América Latina, não permite um processo de ressocialização, porque quase não existem investimentos nas áreas onde as pessoas podem ter a chance de voltar à sociedade de uma maneira mais produtiva, que seriam investimentos em educação dentro dos presídios, investimentos nas atividades profissionais, na formação técnica das pessoas que são presas. Aqui na Paraíba até tem uma iniciativa interessante que é a criação de um campus universitário dentro de um presídio. Me parece que é a primeira no Brasil. Só que é uma iniciativa isolada, que não se repete nos outros estados.
JP – Quando o governo deixa de investir é porque não há o retorno político, ou seja, é algo que não dá voto?
ENTREVISTADA – Infelizmente, o que a gente tem visto, e até falando da questão da falta de estrutura no sistema prisional, falando da tortura, falando da violência policial também, é que não há um repúdio da sociedade em relação a isso. Pelo contrário, eu diria que em alguns casos tem até o incentivo da sociedade para que a tortura seja aplicada, para que se utilize a tortura como meio de investigação até como castigo para castigar aquela pessoa que supostamente cometeu um crime. Enquanto a sociedade não exigir revés, não exigir o contrário, o governo não vai investir em algo que a sociedade infelizmente não vê como prioritária.
JP – Há casos de familiares de presos que afirmam que a tortura continua existindo, mas que não é denunciada porque os presos têm medo de sofrer mais represálias. Diante disso, como controlar a tortura dentro dos presídios?
ENTREVISTADA – Um instrumento que existe e que aqui na Paraíba não funciona é exatamente essa criação de um organismo que faça visitas de fiscalização periódicas, frequentes, às unidades prisionais. É a ideia de trazer essa fiscalização no sentido de coibir a questão da violência, a questão da tortura e as ameaças dentro das unidades prisionais. Esse é um instrumento que foi criado através de um tratado internacional de direitos humanos, o protocolo facultativo da convenção da ONU contra a tortura. O Brasil ratificou esse tratado em 2007 e tem a obrigação de maneira voluntária de respeitar o princípio da transparência nas unidades prisionais. A ideia é que as unidades prisionais, como entidades da administração pública, devem também se pautar pelo princípio da transparência. Não tem nada que esconder nas unidades prisionais. O Estado tem a obrigação de criar esses mecanismos, que são mecanismos preventivos que irão fazer visitas e vistorias nas unidades, para conversar com os presos e entender qual é a realidade dessas unidades. Entrevistar também funcionários, agentes prisionais, todo corpo técnico de funcionários e a partir dessas visitas coibir esses abusos que podem ocorrer. Um segundo ponto é engajar um diálogo com os distintos atores que atuam nesse sistema.
JP – A Paraíba já dispõe desse mecanismo apenas no papel, falta colocar em prática. É isso?
ENTREVISTADA – O mecanismo existe na lei. A Paraíba foi o terceiro Estado do Brasil a promulgar uma lei dessa natureza, criando esse mecanismo. Foi uma lei editada em 2011. Porém, passados dois anos e meio infelizmente esse mecanismo ainda não entrou em funcionamento porque o Estado ainda não deu as condições necessárias para a sua implantação. O Estado tem que designar pessoas e criar cargos para que esse mecanismo exista. Seriam três especialistas que vão ser contratados para compor esse mecanismo estadual de tortura. Na verdade, o Estado precisa prover esse instrumento para que as pessoas possam trabalhar. Por enquanto nada foi feito. Inclusive durante a nossa visita a gente teve a oportunidade de conversar com a Casa Civil, com o gabinete do governador e também com a secretária Cida Ramos, de Desenvolvimento Humano.