Para Veggi é retrocesso restringir poder do MP

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O procurador-chefe da Procuradoria da República na Paraíba, Victor Carvalho Veggi, considera um retrocesso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que dá às polícias o direito privativo de atuar em investigações criminais, retirando do Ministério Público o poder de apurar crimes. “Na verdade, enquanto cidadão eu vejo esse projeto como um retrocesso. Restringir a investigação é de certa forma um retrocesso porque você vai estar dando exclusividade para a polícia. Se só a polícia pode investigar, os outros órgãos vão sair de cena”, afirmou.

Em entrevista exclusiva ao JORNAL DA PARAÍBA, Victor Veggi falou das ações de improbidade administrativa que são propostas pelo Ministério Público contra os gestores que desviam verbas federais. Segundo ele, existe muita má vontade por parte dos gestores no sentido de fazer a coisa certa. Ele também culpa a população por não fiscalizar os políticos que foram eleitos com o seu voto. “O gestor só está ali porque foi votado pela população.

Não é simplesmente votar e cruzar as mãos e falar que é o Ministério Público, a polícia, o Judiciário, que não funcionam”.

JORNAL DA PARAÍBA – No ano passado o Ministério Público Federal da Paraíba (MPF) ajuizou 76 ações de improbidade? O que gera uma ação de improbidade?

ENTREVISTADO – As ações de improbidade são ajuizadas em virtude de violações aos princípios previstos na Constituição, como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Esses princípios, quando violados, acabam ocasionando a atuação do Ministério Público. Há uma série de condutas que de certa forma causam prejuízo ao erário.

JP – Quais são os crimes mais comuns praticados pelos gestores com o uso do dinheiro público?

ENTREVISTADO – É a malversação de recursos públicos. A gente vê que existe muita má vontade dos gestores de fazer a coisa correta. Talvez exista muito mais má vontade do que falta de qualificação. Por exemplo, o Focco (Fórum de Combate à Corrupção) já se dispôs, através da CGU, do TCU, a qualificar, a fazer cursos. Vamos perguntar ao Focco quantas demandas no ano passado o órgão recebeu para poder qualificar servidores. Não existe. As demandas que aparecem são mínimas. Por isso que às vezes vem aquela desculpa de que as pessoas não são qualificadas. Pode até ser que isso aconteça, mas também tem muitas pessoas que se aproveitam dessa falta de qualificação para não fazer a coisa como deve ser feita. Eu vejo muita falta de comprometimento daqueles agentes envolvidos na aquisição dos recursos públicos.

JP – Há também casos de gestores que deixam de prestar contas de convênios firmados com o governo federal.

ENTREVISTADO – Os gestores na maioria das vezes deixam para seus secretários fazerem a prestação de contas. É até normal no município que haja a delegação. Só que o prazo passa, o órgão concedente cobra e a partir do momento que ele cobra e o gestor não envia eu acho que aí não tem mais justificativa. O atraso é algo normal, mas na medida que você é provocado uma, duas, três vezes, demora um, dois anos para prestar suas contas, por que isso? O ano passado a gente fez recomendações para todos os municípios paraibanos para que os gestores que estavam terminando os seus mandatos deixassem os documentos na prefeitura. Precisa de uma recomendação para isso? Não precisa. Por que é que o gestor tira o documento da prefeitura? Por que é que esse documento não está mais lá? O documento é da prefeitura, ele é público. Muitas vezes você manda um ofício pedindo um documento e vem a informação de que o gestor não deixou nada. Tudo bem, se ele quiser levar para casa uma cópia para poder se defender, para poder prestar contas, não vejo nenhum problema. Agora, o documento original tem que ficar no município. Se ele não está na prefeitura é porque o gestor agiu de má-fé.

JP – Há um projeto no Congresso Nacional que tem por objetivo restringir o poder do Ministério Público para investigar. O que é que o senhor acha desse projeto?

ENTREVISTADO – Na verdade, enquanto cidadão eu vejo esse projeto como um retrocesso. Eu não vou nem entrar nas questões jurídicas, se a Constituição permite ou não permite a discussão jurídica. Hoje nós temos vários órgãos que fazem investigação. Restringir a investigação é de certa forma um retrocesso porque você vai estar dando exclusividade para a polícia. Se só a polícia pode investigar, os outros órgãos vão sair de cena. Eles ficarão dependentes da polícia. Será que é interessante manter todas as investigações na polícia? A polícia vai ter condições de dar conta, ela tem efetivo para isso? Não tem. Peça um levantamento de quantas ações penais envolvendo desvio de recursos públicos foram ajuizadas em 2012 a partir de inquéritos policiais e a partir de procedimentos instaurados pelo Ministério Público. Vamos fazer um comparativo. Você vai verificar que muitas ações criminais envolvendo recursos públicos foram provenientes de procedimentos de órgãos de fiscalização como a CGU, o TCU, que não precisou passar pela polícia. Será que concentrando tudo na polícia, ela vai dar conta? Certamente que não.

JP – Tem aumentado a participação da população, do cidadão comum na fiscalização, no sentido de fazer denúncias? Essas denúncias têm aumentado ou diminuído nos últimos anos?

ENTREVISTADO – Em números aumentou sim, mas em qualidade não. Muita gente manda a denúncia por e-mail e relata um fato que na verdade a gente não tem como aprofundar. São fatos genéricos. Uma pessoa quando manda um e-mail e não especifica ela de certa forma não está ajudando. Abriu o canal por e-mail, só que na verdade a qualidade não cresceu, a qualidade não acompanhou a quantidade. A quantidade é muito expressiva, mas a qualidade deixa muito a desejar. A gente não consegue tirar muito proveito das denúncias feitas por e-mail.

JP – O advento de novas ferramentas, de tecnologias tem facilitado a fiscalização das verbas públicas nos municípios?

ENTREVISTADO – Com certeza. Foi preciso vir a lei da transparência para dizer o que a Constituição já dizia, que as informações são públicas. As informações vão estar na internet, não só para consulta mas também para extração. Elas vão estar na internet de forma que você possa acessar, tirar e jogar numa planilha, fazer as ligações que você gostaria de fazer, para que qualquer um pudesse ter acesso, pudesse extrair e pudesse trabalhá-las. Hoje, infelizmente, a gente não tem isso de forma completa. A gente tem que estar cobrando, tem que estar pedindo, mas há muita dificuldade. De qualquer maneira houve um avanço, porque quanto mais dados disponibilizados melhor para aqueles que têm interesse de poder identificar o que está ocorrendo de irregular, de poder compreender o que está ocorrendo no município, no órgão público, saber como o dinheiro está sendo gasto. As ferramentas hoje que divulgam as informações são por demais importantes para as investigações.

JP – Em que fase está o procedimento que investiga possíveis irregularidades no projeto Jampa Digital, que recebeu recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia?

ENTREVISTADO – Esse procedimento, na verdade, está sendo investigado pela Polícia Federal. Eu não tenho como lhe passar as informações porque eu não sou o procurador natural do feito. Eu não tenho como lhe dizer em que pé ele se encontra. O que eu sei é que está havendo uma investigação, mas não tenho como dizer o que é que já tem e quando ele vai ser concluído, porque essa parte criminal não está comigo.

JP – Como é que o senhor vê o fato de gestores acessarem tantos recursos federais, por transferências voluntárias, mas não investirem em obras, ações e serviços de qualidade para atender a população?

ENTREVISTADO – Isso toca naquele ponto que eu me referi anteriormente. Às vezes não é a qualificação e sim a má vontade, porque dinheiro tem de sobra para os Estados e para os municípios. Se pegar um gestor comprometido ele vai sim aplicar bem os recursos e a população vai conseguir identificar os proveitos. Mas, infelizmente, nas fiscalizações que nós realizamos a gente identifica inúmeras empresas de fachada envolvidas com o desvio de recursos públicos.

JP – Quais os canais que a população tem para cobrar punição dos responsáveis por improbidade administrativa?

ENTREVISTADO – A população não deve se limitar apenas a denunciar. A população deve acompanhar e fiscalizar se os recursos estão sendo bem aplicados. Ela deve trazer os fatos para o Ministério Público. Se ela não quiser se identificar, que ela traga as informações do que está ocorrendo para que a gente possa dar início a uma investigação. A população deve também cobrar do gestor. O gestor só está ali porque foi votado pela população. Não é simplesmente votar e cruzar as mãos e falar que é o Ministério Público, a polícia, o Judiciário, que não funcionam. Ela colocou lá uma pessoa muitas vezes corrupta. O que não pode é lavar as mãos e dizer que o MP não investiga, a polícia não investiga e o Judiciário não condena.