Desespero

Para sobreviver, venezuelanas se prostituem em Roraima sem conhecer DSTs

Elas não param de chegar. Algumas já trabalhavam como profissionais do sexo lá na Venezuela. Outras acabaram de descobrir, no próprio corpo, a atividade que agora lhes tira da fome.

Elas não param de chegar. Algumas já trabalhavam como profissionais do sexo lá na Venezuela. Outras acabaram de descobrir, no próprio corpo, a atividade que agora lhes tira da fome. Quando começaram a entrar no Brasil, atravessando a fronteira em Roraima de ônibus ou a pé, incomodaram.
Em Boa Vista, de criança a idoso, todos as conhecem. São chamadas de “Ochenta” –as brasileiras cobram cem reais por programa, e as venezuelanas cobram “ochenta” (R$ 80).

prostitutas aceitem conversar com qualquer repórter: em sua maioria, a família não sabe que estão trabalhando com “algo errado”, como elas mesmas classificam.
O peso do estigma sobre a profissão agonia. E o desconhecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) coloca sua vida em risco.
Sem auxílio ou instrução, vêm a convite de amigas que já se instalaram em Roraima. Nem elas nem o governo brasileiro parecem saber, mas estão excessivamente expostas a violência, doenças e discriminação.
A Venezuela é aqui: fugindo da miséria, venezuelanos reconstroem a vida sob as árvores de Boa Vista
Candy, Dulce María e Jenifer concordaram em conversar com a condição de que as câmeras ficassem distantes e fossem usados seus “nomes artísticos”.
“Saí pelas ruas procurando trabalho. Acabei pedindo dinheiro e, depois de dias, comecei a fazer isso”, conta Jenifer que saiu da Venezuela com planos de trabalhar vendendo comida no Brasil. “Não tenho mais opções. E de algo tenho que sobreviver.”

O motivo que as fez levou a uma viagem de ônibus de dois dias, para cruzar 1.524 km, é apenas um: todas têm filhos e é por eles que dizem estar nas ruas.


Jenifer, ex-estudante de enfermagem, demonstra a frustração e a ansiedade em um choro que ainda tenta conter.
Candy trabalha como prostituta há dois anos, desde que vivia em Caracas. “Aqui há mais perigo do que na Venezuela, porque lá elas não ficam na rua.
Ficam em ‘los locales’. É um lugar apropriado para trabalharmos. Há noites que saio com medo. Hoje saímos de dia porque a noite estava fraca.”
O valor oficial de cada programa é R$ 80. Mas há brasileiros que oferecem R$ 30, R$ 40, e elas acabam aceitando.

Crianças em um abrigo para venezuelanos em Boa Vista; cidade estima ter 40 mil refugiados “Como se pega isso?”
Quando pergunto a elas sobre como se cuidam para não se infectarem com HIV, a resposta demora a chegar e vem em forma de pergunta: “Isso aí que você está falando, pega como? Por beijo?”
Vítimas de discriminação em postos de saúde, elas recorrem a José Oliveira, conselheiro de saúde da cidade, que distribui preservativos e informação.
Com sorriso falhado de dentes, ele incorporou, em sua pequena biblioteca onde aluga livros a preços simbólicos, um ponto de distribuição de camisinhas.

Seu José distribui camisinhas para as prostitutas em sua biblioteca
“Quando elas chegam nos postos de saúde são discriminadas. Chegam a dizer para elas ‘maninha, leva só três tirinhas, não precisa de mais do que isso’.” É por isso que elas não perdem tempo cruzando a cidade para receberem poucos preservativos e grandes doses de julgamento.
Camisinhas e informação A cota mensal de seu José, como é chamado, é de 14 mil preservativos. “Elas não vêm só uma vez. Antigamente, deixávamos em pontos, mas havia pessoas vendendo do outro lado da fronteira.”
As mulheres se queixam da pouca camisinha que conseguem pegar com seu José –cada uma vem recebendo seis unidades de preservativos– e desconhecem outras formas de prevenção. Em um Estado em que o número de imigrantes e profissionais do sexo aumenta expressivamente, a PrEP, U De que vale estudar se não pode ganhar dinheiro com seu trabalho?” U Não é muito, mas com esse dinheiro nossos filhos comem por dois ou três dias.”

A profilaxia pré-exposição, ainda é sonho.
Outra possibilidade, o remédio pós-exposição é um desconhecido, cujo nome elas pedem para ser anotado em um papel para que busquem mais informação.
A última vez que fizeram exames, foi quando engravidaram. Algumas há 15 anos. “Aqui no Brasil não fiz nada, mas me vacinei na Venezuela”, diz Jenifer, como quem se sente segura de seus cuidados.

Fonte: Bol
Créditos: Bol