A perda de identidade e o enfraquecimento da independência no trabalho de combate à corrupção estão entre as principais preocupações de servidores federais e especialistas diante da mudança na Controladoria-Geral da União (CGU), que passou integrar o Ministério da Fiscalização, Transparência e Controle, criado pelo presidente interino Michel Temer.
Ainda não há definição sobre quais alterações serão implementadas pelo novo ministro, Fabiano Silveira, mas o receio é que o órgão perca, cada vez mais, o poder de auditar instituições do governo federal.
O economista e fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, argumenta que a CGU já vinha sendo enfraquecida pelo governo Dilma Rousseff com restrições drásticas de orçamento e redução na frequência de fiscalizações por sorteio, por exemplo.
— Não é algo para que se possa acusar esse governo que assumiu. A CGU já vinha sofrendo. Portanto, não se trata de uma preocupação com o que vai acontecer, mas com o que já vinha acontecendo. A CGU já não controlava a própria Presidência da República, o Ministério de Relações Exteriores, a Defesa — analisa.
Castello Branco defende que a CGU — criada em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso — deveria se tornar um órgão de Estado, praticamente intocável. O ideal, segundo ele, é que se criasse uma lei orgânica para gerar mandatos independentes a dirigentes na instituição.
— A CGU não pode ser um pastor alemão adestrado que ataca ou se finge de morto quando o dono manda. É preciso lembrar que a Polícia Federal se tornou um órgão de Estado num terceiro escalão e desempenha muito bem esse papel de independência — compara.
Na avaliação do consultor Fabiano Angélico, que possui mestrado em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e é autor de um livro e uma série de artigos sobre transparência governamental, o órgão controlador deve estar hierarquicamente acima dos controlados.
— Houve um acerto em colocar a CGU dentro da Presidência da República. Esse modelo funcionou tão bem que começou a incomodar. Agora, quando você a equipara a ministérios, você tira o peso do controle. As recomendações passam a virar meras sugestões. Ou seja, não é só uma mudança de nome — sustenta.
Internamente, o ambiente duvidoso e a espera por um sinal sobre o que vai ocorrer nos próximos dias incomodam os servidores. Ao falar com ZH, nesta sexta-feira, Cláudio Corrêa, chefe regional da CGU no Rio Grande do Sul há três anos, aguardava uma videoconferência com o novo ministro, que acabou não acontecendo até o final da tarde.
— Estamos numa situação um pouco ruim porque essa mudança tira a identidade que conquistamos com a sociedade, que já conhece o trabalho da CGU só pela sigla. Isso foi construído a longo prazo. Queremos saber os motivos dessas mudanças. Inicialmente, pelo pouco que sabemos, é que as atribuições serão mantidas em termos operacionais — diz.
O presidente do Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle (Unacon Sindical), Rudinei Marques, ressalta que a categoria foi pega de surpresa pelo anúncio e vê com preocupação a falta de justificativa para a extinção da CGU.
— O programa do PMDB “Uma Ponte para o Futuro” previa justamente o fortalecimento da CGU e a primeira medida, logo que assume, é a extinção do órgão. Então, é um governo que já começou se contradizendo. Estamos ainda avaliando o impacto disso na prática, mas entendo que essa mudança abre possibilidades para ameaças futuras — sinaliza Marques.
Considerada ministério desde 2001, a CGU é responsável por fiscalizar o governo federal e defender o patrimônio público, promover transparência de gestão por atividades de controle interno, auditoria, ouvidoria e prevenção e combate à corrupção.
No ano passado, um movimento de servidores da Controladoria chegou a ameaçar entrega coletiva de cargos caso a presidente Dilma Rousseff retirasse o status de ministério na reforma ministerial. Na ocasião, havia a intenção de que órgão ficasse subordinado a ministérios do Planalto, o que não se confirmou.
Fonte: Zero Hora