Rubens Nóbrega
As homenagens às vítimas do 11 de Setembro de 2001, domingo último, devem ter reavivado no resto do planeta a lembrança de outras datas igualmente tristes para a humanidade, em razão dos milhares de humanos trucidados em atentados tão cruéis e covardes quanto aquele do World Trade Center.
No Japão, por exemplo, impossível não relembrar o 6 e o 9 de agosto de 1945. Nesses dias, mais de 240 mil civis foram assassinados pelas bombas atômicas norte- americanas despejadas sobre Hiroshima e Nagasaki. Um holocausto plenamente evitável, considerando que os japoneses já haviam sinalizado que iriam se render.
Na Coréia, como esquecer milhares de vidas exterminadas pelo napalm despejado incessantemente por militares dos Estados Unidos entre 1950 e 1953?
E o que dizer do 16 de março de 1968, quando centenas de moradores da aldeia vietnamita de My Lai foram executados por soldados dos Estados Unidos no maior massacre de civis da Guerra do Vietnã, sendo a maioria das vítimas formada por mulheres e crianças que teriam sido estupradas ou molestadas sexualmente?
E as milhares de vítimas das guerras fomentadas na América Central nos anos 1980? E os milhões de civis que já morreram e ainda morrem na Palestina e outras nações (Afeganistão e Iraque) mais recentemente invadidas por tropas norte-americanas e/ou por seus aliados preferenciais no Ocidente e no Oriente Médio?
Armas que se voltam
Do ponto de vista histórico, avalia Noam Chomsky, a grande diferença do 11 de Setembro para as demais atrocidades patrocinadas ou protagonizadas anteriormente pelos Estados Unidos foi a seguinte: pela primeira vez em séculos as armas foram apontadas (e disparadas) na direção contrária.
“Os oprimidos voltaram-se contra os opressores”, disse o polêmico lingüista e ativista norte-americano em entrevista ao jornal português Público logo após o ataque às torres gêmeas de Nova York.
Chomsky, espécie de Michael Moore da elite intelectual dos Estados Unidos (o cara é professor de Linguística do MIT – Massachusetts Institute of Technology, de Boston), celebrizou-se internacionalmente também pela forma contundente com que critica as políticas social, econômica e externa do seu país.
“Quando foi a última vez (antes do 11/9) que o território estadunidense foi ameaçado? 1940. Pearl Harbor é uma colônia. A história dos EUA não é bonita. Limparam a população nativa, alguns milhões de pessoas. Entraram brutalmente no México e cometeram atrocidades horríveis na América Central/Caraíbas. Foram até as Filipinas matar meio milhão”, relembra.
Abusos contra afegãos
Este ano mesmo, marco do primeiro decênio pós derrubada do WTC, a revista alemã Der Spiegel publicou em 22 de março passado “fotografias que mostram abusos de soldados estadunidenses no Afeganistão”. Esses soldados expõem, feito troféus, cadáveres de nativos daquele país que podem ser perfeitamente civis.
“Diante do escândalo, o exército estadunidense ofereceu desculpas pelo sofrimento causado”, destaca o brasileiríssimo Jornal de Fato, que reproduziu a matéria de Der Spiegel com uma inevitável recordação ou comparação: a façanha de agora repetiu quase na íntegra o que aconteceu nas prisões iraquianas de Abu Ghraib.
Refere-se aos episódios ocorridos no Iraque entre 2003 e 2006, que “mostrou a forma com que alguns empreiteiros e membros da Agência Central de Inteligência abusaram dos prisioneiros enquanto lhe tiravam fotos”.
Pois bem, ainda no Afeganistão, na mesma semana em que o mundo via através de fotografias soldados da superpotência tripudiando pessoas mortas, forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) eram acusadas por bombardeios indiscriminados que mataram uma centena de civis.
Somente na província de Kunar, fronteira com o Paquistão, foram 70 civis, contados, que teriam perdido a vida sob as bombas da Otan.
Genocídios de baixo ibope
Lamentavelmente, carnificinas como as descritas ocupam pouco ou quase nenhum espaço na grande imprensa brasileira. Matança de povo pobre dá quase nenhuma audiência, leitura, comoção ou reflexão capaz de despertar consciências e motivar providências de fazer parar por quem tem poder para tanto.
Por essas e outras, gente feito Chomsky e o jornalista Laerte Braga entende que “o 11 de setembro de 2001 foi um ato de guerra” e “milhões de homens, mulheres e crianças já foram assassinados nas guerras pós 11 de setembro para ‘libertar’ o mundo”.
Sem contar os “campos de concentração como Guantánamo, tortura autorizada no Ato Patriótico, prisões secretas, missões militares em função de interesses econômicos (sempre o petróleo e agora a água também)”, adiciona Braga.
Fechando o firo, vem o Professor Ivaldo Gomes lembrar que 11 de setembro é dia de reverenciar também a memória do presidente Salvador Allende.
Em 1973, ele se matou para não cair nas mãos do general Augusto Pinochet, líder do golpe que recebeu apoio dos Estados Unidos e a partir daquele ano submeteu o povo chileno a uma das mais longevas e cruentas ditaduras da América Latina.