Os insultos de Welles

fotoNonato Guedes

Entre 1983 e 1985, ano em que morreu, o cineasta e ator norte-americano Orson Welles almoçou muitas vezes com seu amigo Henry Jaglom. As gravações dessas histórias são agora reveladas e por meio delas descobre-se que ele achava que Laurence Olivier era estúpido e que Richard Burton não passava de um vendido. Welles era dado a excessos e, conforme biógrafos e amigos, não costumava dizer opiniões e comentários pela metade. Talvez isto explique as gravações que estão vindo à tona em que ele critica alguns dos seus colegas, atores e realizadores, sem poupar adjetivos nem comparações. Orson Welles iniciou sua carreira no teatro, em Nova Iorque, em 1934, como está descrito na Wkipédia, a enciclopédia livre.

Órfão aos quinze anos, após a morte do seu pai (a mãe morreu quando ainda tinha nove anos), começou a estudar pintura em 1931. Adolescente, não via interesse nos estudos e em pouco tempo passou a atuar. Tal paixão levou-o a criar sua própria companhia de teatro em 1937. Em 38, ele produziu uma transmissão radiofônica intitulada A Guerra dos Mundos, adaptação da obra homônima de Herbert George Wells e que ficou famosa mundialmente por provocar pânico nos ouvintes, que imaginavam estar enfrentando uma invasão de extraterrestres. Um Exército que ninguém via, mas que, de acordo com a dramatização radiofônica, em tom jornalístico, acabara de desembarcar no nosso planeta. Inventivo, sem dúvida. E mordaz, como se depreende das opiniões pessoais emitidas sobre figuras do meio em que circulava.

O sucesso da transmissão foi tão grande que no dia seguinte todos queriam saber quem era o responsável pela tal “pegadinha”. A fama do jovem Wells começava, o que lhe rendeu depois um Oscar da Academia de Holywwood por Cidadão Kane, melhor roteiro original. Casou-se com a atriz Rita Hayworth e tiveram uma filha, Rebecca. O casal divorciou-se em 1948. O semanário britânico “The Observer” informa que as gravações redescobertas foram feitas em conversas descontraídas com o amigo, em cuja garagem ficaram guardadas desde a morte do produtor e ator de “O Mundo a Seus Pés”, em outubro de 1985, aos 70 anos. Wells tencionava editá-las para uma autobiografia que estava preparando e uma das conversas transcorreu dias antes do ataque cardíaco que lhe seria fatal. O site “Público” define que o novo livro é Orson Welles “unplugged”.

Ao amigo Jaglom ele diz não suportar olhar para Bette Davis. Que James Stewart é um mau ator e que Spency Tracer é odioso, além de chamar Laurence Olivier simplesmente de estúpido. Quando aos talentos interpretativos de Joan Fontaine, resume-os as duas expressões faciais. Para Charles Chaplin, reserva o adjetivo “arrogante” e à atriz Jeniffer Jones chama “desesperante”. Parte do conteúdo das conversas entre os dois amigos vai ser publicada a partir do próximo dia 16, em “My Lunches with Orson”. Peter Biskind, um dos maiores historiadores de cinema americanos que a elas teve acesso, garantiu ao semanário inglês que as gravações mostram Orson Welles na intimidade, falando sem constrangimento dos altos e baixos da sua carreira e das pessoas com quem cruzou, de Marilyn Monroe, que levava para festas quando ainda ninguém sabia quem era ela, a Elizabeth Taylor, que não quis conhecer. Com Henry Jaglom, diz o historiador, Welles sentia-se à vontade para “coscuvilhar”, para ser homofóbico e racista, romântico e cínico.

É por isso que ele conta a Jaglom o episódio em que trocou Liz Taylor por um almoço em sossego. Richard Burton, outro titã de Holywwood, que Welles criticava por ter trocado o talento por uma vida com dinheiro, e o casamento com uma celebridade (Liz, é claro), aproximou-se de sua mesa num restaurante, cumprimentou-o e perguntou-lhe se poderia apresentar-lhe a mulher, que gostaria de o conhecer. A resposta que recebeu do intempestivo ator foi: “Não. Como pode ver, estou a meio do almoço”. Mais corrosivo, impossível. Nem tudo, porém, se resume a ataques ou críticas.

Welles admite gostar do trabalho de um ou ouro. John Wayne e Joseph Cotten, seu co-protagonista em “O Terceiro Homem” estão entre os eleitos. Já Alfred Hithcock provoca-lhe sentimentos contraditórios, embora conseguisse arrasar por completo um dos filmes do realizador de “Psycho”: “Nunca percebi o culto à volta de Hitchcock. Em especial filmes americanos do final…Egocentrismo e preguiça. Vi uma dessas noites um dos piores filmes de sempre (Janela Indiscreta)…Insensibilidade completa ao que uma história sobre voyeurismo pode ser. E digo-te o que foi surpreendente: descobrir que o Jimmy Stewart pode ser um mau ator…Até a Grace Kelly é melhor que o Jimmy, que está a se esforçar de mais”. Wells teve suas frustrações, e contradições. Às vezes era combativo, outras de uma vulnerabilidade infantil, dizem. Tinha lá suas razões para isso. Mas era especial, claro!