"Os governos criam laços promíscuos com figuras travestidas de jornalistas”

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Linaldo Guedes

O início no jornalismo foi como revisor de uma gráfica do jornalista Jório Machado. Hoje, quase 40 anos depois, Rubens Nóbrega se prepara para realizar um sonho antigo: lançar seu primeiro livro. Isso deve acontecer no início de junho, quando lançará “Histórias da Gente”, pela Editora All Print, de São Paulo, em local ainda a ser definido. A obra reúne histórias e personagens que caíram no gosto dos leitores de Rubens Nóbrega em suas colunas nos jornais locais, mas com um enfoque diferente. “Histórias da gente” tem personagens da nossa história política, como Celso Furtado e João Pessoa. Sobre o primeiro, Rubens conta que teve a felicidade de encontrar com uma amante de Celso Furtado: “Ela me contou como transcorreu o romance entre eles, em Paris, onde se encontraram quando a ditadura botou o homem pra correr. Revelou-me também duas enormes frustrações de Celso: uma com um amor adolescente que sonhou em reativar após voltar do exílio e a outra com o boicote e a sabotagem que sofreu o sonho dele de governar a Paraíba”. Quanto a João Pessoa, Rubens conta o antes e depois da morte do ex-presidente, a partir de um plano de invasão e domínio da Paraíba por tropas pernambucanas. Duvida? Só lendo o livro e conferindo esta entrevista para tirar a dúvida.

Ombusdman da imprensa paraibana nos anos 90, Rubens Nóbrega é uma espécie de guru, uma referência para os jovens que saem do curso de Comunicação, na UFPB, direto para as redações dos jornais. Nesta entrevista, ele não se furta a comentar o jornalismo praticado na Paraíba de hoje. “Vejo que a nova geração que tomou conta das redações alcançou um padrão razoável de escrita, mas empobreceu um tanto quanto na reportagem”. Segundo ele, grandes temas perderam chances de abordagem mais profunda e o jornalismo investigativo está praticamente extinto na Paraíba. As relações entre imprensa e poder na Paraíba são classificadas por Rubens como conturbada para uns e rentáveis para outros. “Os governos daqui – União, Estado e prefeituras – gastam muito com publicidade e criam laços promíscuos com figuras que se travestem de jornalistas, radialistas, mas na verdade são mercadores de opinião, de consciência, de linha editorial. É uma coisa lamentável, que se repete a cada governo e, pelo visto, vai demorar a mudar, porque cronificou-se”. Confira, a seguir, a entrevista na íntegra:

REPORTERPB – Você está lançando o livro “Histórias da Gente”, pela Editora All Print, de São Paulo. Quando será o lançamento realmente e como é a experiência de lançar seu primeiro livro?

Rubens Nóbrega – Estou agendando para o dia 3 de junho próximo. Falta definir local… Para minha surpresa, vejo agora que João Pessoa dispõe de poucos espaços adequados a esse tipo de evento e em geral os disponíveis de bom nível são muito concorridos, graças, inclusive, à formidável produção intelectual na Paraíba, seja ela estritamente literária ou científica. Se você reparar bem, temos uma média de três lançamentos de livro por semana em nossa Capital. Isso é maravilhoso, mas, de outro lado, impele noviços como eu a usar de artimanhas como lançar um livro numa segunda-feira, que é pra evitar concorrência. É sério. Não tenho a menor vergonha em confessar os meus temores, inclusive porque sou estreante e, como tal, tenho um medo danado de protagonizar um fiasco. E com isso já estou adiantando resposta ao que você pergunta sobre o sentir essa experiência. Pra ser bem clichê, Linaldo, diria que é como ser pai pela primeira vez. Esse livro é o rebento de uma gestação que levou dois anos. Só não direi que foi um parto doloroso porque aí estaria mentindo, além de ser mais chavão ainda. Foi prazeroso.

Como surgiu a ideia de lançar um livro, depois de tantos anos de jornalismo e por que a opção por uma editora de São Paulo?

Ano que vem vou fazer 40 anos de batente nesse ofício e, pelo visto, já chego tarde como autor de livro. Mas esse é um roteiro seguido por dez entre dez jornalistas que se julgam um bom texto e com alguma qualidade literária quando incursionam pela crônica. Jamais quis fugir dessa tradição. A diferença é que por ser mais pretensioso que o normal para o meio jornalístico, um povo que se acha e se passa, como diz minha filha caçula, Ila, achei que poderia estrear com um romance. Daí por que demorei. E realmente comecei a escrever um romance, mas as obrigações e aperreios do cotidiano me bloquearam a fluidez da criação e o desenvolvimento da história. Botei em banho-maria. Aí, resolvi pegar as minhas domingueiras e comecei a burilar algumas e a juntar outras para formar contos digeríveis, digamos assim. E com isso reuni as histórias e personagens que caíram mais no gosto dos leitores de minhas colunas e decidi publicá-las em livro. Não é, garanto, mera reprodução do que saiu nos jornais onde atuei ou atuo como colunista diário. Algumas histórias passaram por um refinamento e até tomaram rumos inesperados, bem diferentes daquelas que lhes deram origem. Quanto à opção por uma editora de São Paulo é porque, como já confessei em coluna no Jornal da Paraíba, não fui feliz nos contatos com editores locais e não senti deles o interesse ou a atenção que encontrei lá fora. Sem contar, meu caro, a questão dos custos. Alguns orçamentos que andei pegando por aqui ficavam até mais caro do que consegui no Rio e São Paulo. Sem contar que no caso da editora escolhida eles colocam o livro em feiras, exposições, bienais etc. e têm um saite de bom acesso onde a obra fica acessível aos interessados em formato digital. Tem mais: eles dispõem de bons capistas, revisores experientes (tanto para digitação como para gramática e até estilo) e ainda te seduzem com brindes como cartões de visita, convites para lançamento, banners, marca-texto e outros regalos impensáveis para as editoras locais que, na maioria das vezes, funcionam mais como intermediárias entre o autor e a gráfica.

Pelo que li em sua coluna no Jornal da Paraíba, o livro é um misto de crônicas e ficção. Fale um pouco sobre a obra.

O livro traz histórias de personagens criados com base em pessoas e fatos reais. A começar pelo autor. Dou-me como personagem de histórias da infância e adolescência, pelas quais muita gente já passou e certamente vai se identificar com elas. Também participo feito coadjuvante na história dos outros, a exemplo da história de Seu Jejé, o macróbio mais viril que o mundo já conheceu, um fenômeno de competência na fornicação, um cara que com setenta anos e bote força “ainda pega na chave”. Sou meio que sobrinho e confidente das aventuras e desventuras de Seu Jejé e de sua mulher, Dona Ciça. Acho essa uma boa história, divertida e comovente ao mesmo tempo, capaz até – olha aí a pretensão outra vez! – de dar filme ou série pra tevê. Aliás, vou oferecê-la a uns bacanas aí que podem transformar essa minha pretensão em realidade. Por que não?

Na obra, você insere personagens da nossa história política, como Celso Furtado e João Pessoa. De que forma eles são inseridos no livro?

Tive a felicidade de topar com uma criatura que foi amante de Celso Furtado, somente revelada após a morte do mais admirado dos paraibanos depois de Augusto dos Anjos. Ela me contou como transcorreu o romance entre eles, em Paris, onde se encontraram quando a ditadura botou o homem pra correr. Revelou-me também duas enormes frustrações de Celso: uma com um amor adolescente que sonhou em reativar após voltar do exílio e a outra com o boicote e a sabotagem que sofreu o sonho dele de governar a Paraíba. São passagens da vida de Celso mais ou menos conhecidas e outras do conhecimento de pouquíssimas pessoas. Quanto a João Pessoa, conto os precedentes, pressupostos e consequências da morte dele a partir de um plano de invasão e domínio da Paraíba por tropas pernambucanas. Não é por me gabar não, mas essa história, quando contada da forma como contei da primeira vez, ficou tão verossímil que historiadores consagrados do nosso Estado vieram me parabenizar e me convidar para participar de debates, palestras etc. Inclusive porque alguns acreditaram que eu havia realmente descoberto de verdade um plano secreto de invasão da Paraíba até então desconhecido por eles e pelo grande público.

Como foi ter a obra avalizada por nomes como Ronaldo Monte e Neroaldo Pontes?

Confesso a você que fico na dúvida se eles realmente me avalizaram ou escreveram o que escreveram por serem meus amigos. Bem, por concessão da generosidade deles ou não, o fato é que me apresento com essas credenciais, ou seja, alguém que escreveu alguma coisa que agradou a Ronaldo Monte, escritor e poeta de uma estatura enorme, que há muito merecia lugar na Academia Brasileira de Letras e lá estaria se vivesse e produzisse no eixo Rio-Sampa. Não menos prosa fico em ter o aval, digamos, de um intelectual do tamanho e da importância de Neroaldo Pontes, PhD em Literatura Brasileira, reverenciado e referenciado como pesquisador e autor. Enfim, se nada prestar no livro, pelo menos as apresentações desses dois escapam.

Como o jornalista entra no livro?

Como já disse antes, com a mesma presunção de quem se acha um bom texto e ainda acredita ser verdade quando lê sujeitos como Juan Carlos Cebrian garantindo que o jornalismo é um estilo literário, porque criou uma escola ou vem de uma escola, de um modo de escrever ou de uma fonte por onde jorraram obras memoráveis de Ernest Hemingway a Gabriel Garcia Marques, de Euclides da Cunha a Mario Vargas Llosa. Por aí dá pra ver porque insisto nessa história de pretensão…

Por falar em jornalismo, você e Carmélio Reinaldo fizeram, em meados dos anos 90 no Correio da Paraíba, o papel de ombudsman da imprensa paraibana. Lembro que a página, publicada aos domingos no jornal, tinha grande repercussão, tanto nos meios acadêmicos, como profissionais. Como foi aquela experiência e por que ela durou tão pouco tempo?

Na verdade, foram Carmélio e Alarico Correia Neto os precursores do ombudsman de imprensa na Paraíba. Assinavam uma coluna chamada Re-Visão, com hífen, para dar a ideia de releitura, de uma nova visão sobre o produto jornalístico que o jornal produzia e oferecia. Fizeram esse trabalho no Correio da Paraíba a meu convite, no tempo em que eu era editor do jornal e nele executava o Projeto Líder, que idealizei para levar o velho Correio à liderança de circulação do meio impresso no Estado. E consegui. Em pouco mais de dois anos, entre o final de 1990 e fevereiro de 1992, desbancamos O Norte. Depois que deixei o jornal, o serviço de ouvidoria acabou, mas foi retomado em 2005, quando o próprio Correio me convidou pra voltar e fazer eu mesmo o papel de ombudsman. Fiquei onze meses no posto. Foi uma experiência muito rica, embora problemática, porque pouco compreendida pelo pessoal da casa, principalmente pelos colegas que estavam na editoria. O que era natural, pois além da coluna aos domingos, diariamente eu fazia uma leitura crítica da edição e mandava uma espécie de boletim para a redação. Era uma engenharia de obra feita contra a qual alguns colegas ficavam pê da vida, porque eu não alisava, não fazia média. Mas foi bom, muito bom mesmo, enquanto durou.

O que o ombudsman Rubens Nóbrega diria do jornalismo que vem sendo praticado nos tempos de hoje na Paraíba?

Abstraindo a questão da opção política ou editorial das empresas, que define e por vezes compromete o conteúdo, do ponto de vista do profissional, ou seja, do jornalista militante, que está no batente, vejo que a nova geração que tomou conta das redações alcançou um padrão razoável de escrita, mas empobreceu um tanto quanto na reportagem. Grandes temas perderam chances de abordagem mais profunda, talvez por culpa das novas tecnologias da informação e da comunicação que exigem textos mais enxutos, de acesso e compreensão mais fáceis e mais ágeis. O jornalismo investigativo… Esse aí é que está praticamente extinto na Paraíba. Ele praticamente migrou para as colunas. Mas os colunistas são ilhas, trabalham sem equipe, sem meios de apuração mais acurada. Transformam-se, portanto, em ancoradouros e propagadores de denúncias, muitas das quais não acolhidas pelo próprio jornal em que escrevem. Creio ainda que as mudanças pra pior ou pra melhor, a depender do gosto de cada um, são ditadas também pelo boom jornalístico na Internet, que vai enterrando pouco a pouco o impresso com sua miríade de páginas, saites, portais etc. Democratizou enormemente o acesso à informação, mas leva a quem lê uma informação fracionada, picotada, tudo por imposição do imediatismo e da velocidade com que deve ser comunicada e apreendida pelo público consumidor do webjornalismo. Isso fez e está fazendo com que o jornalismo em geral seja obrigado à superficialidade, mas devemos continuar procurando, em busca de um ponto de equilíbrio em futuro próximo para resolver esse problema.

A modernização e informatização das nossas redações melhorou o jornalismo paraibano ou tornou nossa imprensa cada vez mais dependente do release e do Google?

Sob a lógica e a ótica industrial, ou seja, da produção, realmente melhorou muito. Quanto a rilises e Google, são ferramentas importantes, mas devem ser encaradas e utilizadas como base de dados, como pauta, jamais como textos prontos e acabados que merecem ser incorporados editorialmente e levados ao público como se da casa fossem. Isso, aliás, é desonestidade profissional, é plágio desavergonhado, estelionato jornalístico e deslealdade intelectual de quem age assim. Se quer usar um rilise, que dê o crédito a quem o redigiu ou mandou e com toda a transparência possível. Da mesma forma, se reproduzir um texto do Google, cite a fonte por inteiro, se possível colocando o link para o leitor acessar e conferir.

Em sua atuação profissional, um ponto sempre se destaca: o seu questionamento das relações entre imprensa e poder aqui na Paraíba. Como você vê essas relações nos tempos atuais? 

Conturbada para uns e rentáveis para outros. Os governos daqui – União, Estado e prefeituras – gastam muito com publicidade e criam laços promíscuos com figuras que se travestem de jornalistas, radialistas, mas na verdade são mercadores de opinião, de consciência, de linha editorial. É uma coisa lamentável, que se repete a cada governo e, pelo visto, vai demorar a mudar, porque cronificou-se. Diria mesmo que é quase uma cultura, onde a cooptação é aceita como um fato da vida e valores como ética e decência são vistos como algo ultrapassado, fossilizado, pois sei de gente que até ri quando falo ou escrevo sobre coisas assim. Dizem: “Esse cara é um besta, um inocente”. Fico muito triste com tudo isso. Mas sei que muita gente boa pensa como eu e me estimula a continuar nessa peleja, que vou levar adiante enquanto me derem espaço na imprensa.

Nossa imprensa está cada vez mais dependente do poder público? O que fazer para mudar essa dependência?

Acredito que o governo – Estado e grandes prefeituras – é o principal, o maior, o grande cliente das empresas de comunicação na Paraíba. Se essa relação se limitasse à publicidade legal e realmente institucional, nos conformes da lei e da Constituição, nenhum problema. Os gastos seriam suportáveis e em certa medida justificáveis. Mas não é o que acontece. A cada governo criam-se verdadeiros consórcios entre os grupos empresariais e os grupos políticos que ocupam o poder. Virou um jeito de ganhar dinheiro fácil e muito. Não se trata de uma dependência, portanto. É um negócio em que os dois lados ganham, ganham muito dinheiro, enriquecem, diversificam e multiplicam investimentos. A mudança depende, portanto, de o poder na Paraíba ser um dia exercido por alguém com espírito verdadeiramente republicano. A minha esperança era Mariz, mas ele morreu precocemente…

Como foi seu início na profissão e o que melhorou e piorou ao longo do tempo em nossa imprensa?

Comecei efetivamente em O Norte, em 1974. Antes, porém, passei um ano nas oficinas da Iterplan, gráfica de Jório Machado onde era impresso O Momento, semanário que causou grande impacto no final dos setenta e começo dos oitenta. Fui revisor da gráfica e do jornal. Revisor-emendador, pois, além de revisar, a correção era feita mediante emenda de palavras impressas tanto no papel como nos fotolitos. Era um trabalho artesanal e heroico, por assim dizer. Paulo Santos que o diga, pois somos contemporâneos da finada Iterplan.

“Histórias da Gente” é o primeiro de outros filhos literários ou você pretende parar por aí?

Se der, um pouco mais adiante largo de vez o jornalismo para me dedicar exclusivamente à literatura. Se a preguiça deixar, claro, porque começo a ter preguiça até de pensar. Deve ser a idade. Fiz 56 há pouco e sinto que as ideias já não chegam nem fluem com a mesma facilidade de antes. De qualquer modo, adianto-lhe que já tenho material para mais um ou dois livros. E o próximo será sobre uma mulher poderosíssima que manda e desmanda num Estado pobre de recursos e de virtudes, mas cheio de fortunas mal explicadas. O outro é um projeto. Quero escrever sobre a vida de um sujeito que criou fama de valente e matador aqui na Paraíba. A ele são atribuídos vários crimes de morte. O homem é uma lenda. Se ele deixar que eu conte sua história… Nesse estou apostando como sucesso de venda, capaz até de compensar o investimento que estou fazendo nos dois iniciais.