Quando o presidente Michel Temer discursou na abertura da Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira, Venezuela, Equador, Nicarágua, Bolívia, Cuba e Costa Rica protestaram no plenário.
Membro de uma das delegações que aderiram ao ato, um diplomata que pediu para não ser identificado afirmou à BBC Brasil que a decisão foi coordenada pela Alba com antecedência.
Houve, porém, diferenças nas formas como os países protestaram, que sinalizam sutilezas nas formas como cada um se posiciona em relação ao impeachment.
Equador, Venezuela e Nicarágua esvaziaram suas bancadas assim que Temer foi anunciado no microfone, num gesto de afronta ao presidente.
A Bolívia, por sua vez, não aderiu à debandada, mas manteve o chefe de sua delegação na ONU fora da sala até que o discurso terminasse, posição parecida à adotada por Cuba.
La Paz já vinha se posicionando de maneira mais moderada do que seus pares bolivarianos em relação ao impeachment. Após a posse de Temer, a Bolívia se uniu a Equador e Venezuela ao convocar seu embaixador em Brasília. No linguajar diplomático, convocar um embaixador sinaliza repúdio a um governo.
Ao anunciar os gestos, os presidentes da Venezuela, Nicolas Maduro, e do Equador, Rafael Correa, criticaram duramente a deposição de Dilma. Após o impeachment, o governo venezuelano se tornou alvo frequente de críticas da Chancelaria brasileira e foi impedido de assumir a presidência do Mercosul, em gesto coordenado com outros membros do bloco.
Tom mais brando
No caso da Bolívia, porém, o tom foi mais brando, e o chanceler David Choqueuanca disse que a convocação do embaixador em Brasília era “só para ter informação sobre o ocorrido no Brasil”, ou seja, não indicava um rompimento das relações.
O Brasil é grande comprador do gás natural boliviano, e La Paz pretende melhorar os termos do acordo que rege as transações.
Cuba, que sequer convocou o embaixador em Brasília, também negocia com o Brasil a participação de cubanos no programa Mais Médicos.
El Salvador, país que também convocou sua embaixadora em Brasília após o impeachment, não aderiu ao protesto na ONU. Em maio, após o presidente salvadorenho, Salvador Sánchez Cerén, classificar a deposição de Dilma como um “golpe de Estado”, o chanceler José Serra emitiu nota ameaçando cortar a cooperação técnica do Brasil com o país.
Tampouco endossaram o protesto desta terça pequenos países caribenhos que pertencem à Alba, entre os quais Dominica, Santa Lúcia e Grenada.
Costa Rica
A adesão mais surpreendente à manifestação foi a da Costa Rica. Tida como moderada politicamente e próxima aos Estados Unidos, a nação centro-americana emitiu uma nota explicando a decisão de seu presidente, Luis Guillermo Solís, de deixar o plenário.
Segundo a nota, o país decidiu boicotar a fala de Temer de maneira “soberana e individual”.
O governo costa-riquenho afirma que o gesto “obedece nossa dúvida de que, ante certas atitudes e atuações, se queira lecionar sobre práticas democráticas” – uma referência à forma com que o governo Temer tem defendido o impeachment.
A Chancelaria costa-riquena já havia expressado ressalvas ao processo, mas sem assumir posição mais contundente.
Em entrevista a jornalistas, o chanceler José Serra minimizou o boicote e disse que teria impacto internacional “próximo de zero”.
“A ONU tem cerca de 200 países, não me parece uma proporção significativa”, afirmou.
Ele disse que não sabia da adesão costa-riquenha e que leria a nota emitida pelo país antes de se posicionar.
Não é a primeira vez que delegações boicotam o discurso de uma autoridade na Assembleia Geral da ONU. Num dos casos recentes mais destacados, dezenas de países abandonaram suas bancadas antes do discurso do então presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, em 2012.
Ahmadinejad, que já pôs em dúvida a ocorrência do Holocausto, fez duras críticas a Israel em sua fala.
Fonte: BBC Brasil