Onde tudo isso vai terminar?

Rubens Nóbrega

Um enfermeiro para tomar conta de 18 pacientes de UTI, quando o normal seriam três profissionais para tamanha responsabilidade e carga de trabalho. Isso estaria acontecendo no Hospital de Trauma de João Pessoa, terceirizado pelo Ricardus I a um grupo que atende pelo nome de Cruz Vermelha do Rio Grande do Sul.

A denúncia sobre esse e outros gravíssimos problemas no HT foi enviada ao colunista por Otomar Legorio, nome fictício de que se vale um profissional que conheço, respeito e a ele dou crédito por se preocupar com a possível precarização das condições de trabalho no mais importante hospital público do Estado.

Lamentavelmente, o denunciante não pode nem deve assumir publicamente sua verdadeira identidade, algo que virou temeridade na Paraíba sob Ricardo Coutinho, um governante que, entre outras decepções causadas aos seus eleitores, revelou-se extremamente perseguidor a quem o critica ou ousa enfrentá-lo abertamente.

Nessa circunstância, o anonimato é mais do que justificado. Sem contar que em nome do sagrado direito ao sigilo da fonte, o colunista poderia perfeitamente, livremente, optar por atribuir a denúncia que segue a qualquer um, sem nominá-lo, sem recurso ao pseudônimo. Mas o que vai adiante é obra do texto cirúrgico do amigo Otomar. Peço que leiam com atenção porque essa é uma pena que vale muito a pena.

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Estimado Rubens, com a devida aquiescência do dileto companheiro, por intermédio do presente escrito, rogo ao tão prestigioso espaço de sua coluna para reproduzir a situação inóspita por que passa o maior hospital público da Paraíba.

Fundado em 2001, a partir da Lei Estadual Nº 6.746, de 9 de junho de 1999, o Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena atravessa o momento mais delicado de seus 11 anos de vida. Em que pese todo o esforço da máquina midialógica do Imperador, que tenta a todo custo superar Joseph Goebbels, o Trauma de João Pessoa não resiste a uma conferida a olho nu, sobretudo por quem dedica parte de seu tempo a militar profissionalmente no referido nosocômio.

O slogan “agora é a vez de ir mais longe” se amolda bem à situação deplorável a que estão submetidos profissionais de todas as áreas que atuam no referido hospital, sem esquecer, claro, das muitas vidas humanas ali “depositadas”, de modo que a casa que deveria recuperar agora é terreno fértil para beligerância generalizada promovida justamente por quem deveria ou teria a missão de conduzir os destinos de tantos que ali trabalham para salvar vidas.

Sem qualquer apego à vida humana, os arautos da “Nova Paraíba” estão transformando os setores vitais do hospital em verdadeiros depósitos humanos, seja por quem busque ou promova esperança.

Em que pese todo o trabalho de nós, profissionais médicos, é por demais sabido que os profissionais de enfermagem exercem um papel fundamental na assistência de saúde. Aliás, como profissional da medicina, sempre nutri muito respeito pelos profissionais de enfermagem, apesar do pouco reconhecimento por quem de direito, inclusive sua própria representação, o Conselho Regional de Enfermagem.

Fruto da total falta de planejamento, setores vitais como a UTI vêm passando por um processo de desconstrução funcional e inanição profissional, tendo em vista o “novo modelo” adotado pelos gestores da chamada Cruz Vermelha. O resultado desse processo é tão sombrio que os índices de infecção hospitalar estão nas alturas, tanto é verdade que uma forte suspeita paira sobre os reais motivos que levaram policial rodoviário federal ter sucumbido recentemente no hospital. Aliás, sobre esse caso, a desativação da câmera hiperbárica, equipamento que permite manter a pressão interna constante ou controlada, também é um dos motivos, uma vez que o paciente carecia da mesma, cujo funcionamento teria se dado desde o início do ano por causa do alto custo para Cruz Vermelha.

A vida humana parece não representar nada para essa gente. Tanto é verdade que a “Nova Paraíba” tem reeditado a saga de Florence Nightingale, pioneira no tratamento a feridos de guerra, quando sozinha cuidava dos feridos durante a Guerra da Criméia. E não é que no Trauma a situação é bem parecida!

Como se não fosse hospital público – se bem que nem no privado isso acontece – no Trauma um único enfermeiro precisa se virar nos 30, diria Faustão, para cuidar de 18 pacientes de UTI, quando o normal/legal seriam, no mínimo, 3 profissionais, situação que se repete nos demais setores da unidade, salientando que ao todo são 37 leitos de UTI, dos quais 30 são no Trauma e outros 7 no Treze de Maio, todos geridos dessa forma pela Cruz Vermelha.

Para finalizar, ainda tem todo o tipo de assédio moral, mudanças repentinas em escalas desses profissionais e, claro, a falta de medicamentos e demais insumos hospitalares, de modo que, como cidadão e profissional que milita profissionalmente no referido nosocômio, estarei encaminhando a referida denúncia ao Coren, a fim de que o respectivo órgão faça cumprir sua função institucional.

Pois é, estimado Rubens, assim fica fácil entender o quanto estamos indo mais longe, embora ainda não saibamos onde tudo isso vai terminar.

Abraço, Otomar.

Aguardando resposta da Cruz

Encaminhei ontem à Assessoria de Comunicação e à Ouvidoria do Trauma/Cruz Vermelha pedido de informações e esclarecimentos sobre as denúncias do Doutor Otomar. Até 18h não havia recebido qualquer retorno. Continuo no aguardo. O que chegar, se chegar, será publicado. Como sói.