O STF pode tanto confirmar sua boa imagem quanto cair no descrédito na quarta-feira
Editorial: Gazeta do Povo
Na próxima quarta-feira, o ministro Celso de Mello dará o voto final que decidirá se os embargos infringentes serão aceitos no julgamento do mensalão, levando a um novo julgamento para os réus que foram condenados, mas tiveram quatro votos pela sua absolvição – é o caso dos petistas José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha e Delúbio Soares, e do publicitário Marcos Valério, os principais nomes envolvidos no escândalo. O decano do Supremo Tribunal Federal (STF) deu a entender que vai aceitar os embargos, e aqui será preciso lembrar que Celso de Mello, apesar de dar o voto de desempate, terá sido apenas um dentre seis ministros que aceitaram o pedido dos mensaleiros; qualquer outro que tivesse votado de forma diferente teria tanto poder sobre o resultado final quanto o decano. Se as previsões se confirmarem, não é apenas o futuro dos réus que estará em jogo, mas a própria reputação das instituições democráticas brasileiras.
A continuação do julgamento tem um efeito colateral indesejado para o Partido dos Trabalhadores (PT). Apesar da condenação, os mensaleiros continuam a gozar de grande prestígio dentro do partido, e parte da biografia de José Dirceu está inclusive para ser transformada em filme, com direção de Tata Amaral e recursos captados graças à Lei Rouanet. Se a possibilidade de ver Dirceu escapar do regime fechado (a que estaria condenado caso Celso de Mello acabe rejeitando os embargos infringentes) é atrativa ao PT por preservar um de seus ícones, por outro lado o prolongamento do julgamento do mensalão afeta os cálculos eleitorais do partido. Afinal, os candidatos petistas terão de conviver, durante a campanha, com a recordação quase diária do envolvimento de sua legenda no que não apenas é um dos maiores escândalos (se não o maior) de corrupção da história da República, mas uma tentativa de sabotar a democracia brasileira ao abolir a independência entre os poderes com a tentativa de compra de apoio parlamentar ao governo Lula.
No entanto, os dilemas eleitorais do PT empalidecem diante do dilema maior, que acomete o próprio Supremo Tribunal Federal. A discussão entre o “novato” Luís Roberto Barroso e seu colega Marco Aurélio Mello, na sessão de quinta-feira, resume a situação. Ao ressaltar a sua independência, o mais novo ministro do Supremo disse: “O que vai sair no jornal do dia seguinte não faz diferença para mim”, ao que Marco Aurélio respondeu: “Pois para mim faz. Devo contas aos contribuintes”. O veterano não queria dizer, com isso, que o STF deve votar guiado pelo clamor popular (e nem seria bom que assim fosse), mas que também é preciso compreender os anseios da sociedade. Se do ponto de vista jurídico há bons argumentos tanto contra quanto a favor dos embargos infringentes, como mostramos neste mesmo espaço na sexta-feira, não se trata de atropelar a lei em nome do grito das ruas, mas de compreender o que está em jogo.
E o que está em jogo é a própria reputação do Poder Judiciário, o único que até agora foi poupado da desilusão popular, manifestada especialmente nas grandes passeatas de junho que eram “contra tudo o que está aí” – ou quase tudo, já que justamente o STF ainda se beneficiava do respeito e da visibilidade adquiridos no ano passado, com o julgamento do mensalão. Executivos e Legislativos Brasil afora seguem dando demonstrações de descaso com o cidadão, desde o subsecretário de Segurança que dispara contra sem-terra na Bahia até os deputados federais que livram da cassação seu colega presidiário Natan Donadon. Mas os tribunais superiores, especialmente o STF, vinham sendo vistos como instâncias com os quais o brasileiro sedento de justiça podia contar. Ao condenar os mensaleiros, desfez a noção de que no Brasil a Justiça só era implacável com os mais pobres.
Pois agora, aos olhos desse mesmo brasileiro, o STF pode tanto confirmar sua boa imagem quanto cair no descrédito na quarta-feira. A simples aceitação dos embargos infringentes não é garantia de que os mensaleiros petistas realmente terão suas penas reduzidas, é verdade; mas a nova composição do Supremo, diferente daquela que condenou Dirceu, Delúbio, Cunha e Genoino, torna plausíveis as previsões mais pessimistas. E a desmoralização do STF, quando os outros poderes já têm uma reputação tão baixa diante do cidadão, é exatamente aquilo de que a jovem democracia brasileira menos precisa agora.