Em entrevista ao UOL, Deltan Dallagnol diz que “filhotes” da Lava Jato devem se espalhar por diversos Estados
A prisão do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB) e as investigações sobre o empresário Eike Batista são os primeiros efeitos de um novo período da Lava Jato. A avaliação é do coordenador da força-tarefa da operação, o procurador federal Deltan Dallagnol. Em entrevista ao UOL, ele afirmou que acordos de delação premiada da Odebrecht devem revelar casos de corrupção em vários Estados do país ligados a políticos de diversos partidos. “É natural que aconteça um desdobramento da Lava Jato com ‘filhotes’ da operação por todo o país”, disse o procurador.
Em pouco mais de meia hora de entrevista, realizada na semana passada, em Curitiba, o procurador rebateu críticas de que a Lava Jato persegue apenas políticos do PT e do PMDB, e revelou que um dos focos da força-tarefa em 2017 são os contratos milionários da Petrobras com empresas de marketing. Confira os principais trechos da entrevista:
UOL: Em relação às investigações em curso, além de empreiteiras e bancos, que outros setores da economia entrarão no foco da Lava Jato neste ano?
Deltan Dallagnol: A Lava Jato está num movimento de expansão. Quando acontecem acordos de colaboração com pessoas e acordos de leniência com empresas, novos fatos vêm à tona. Isso já levou às empreiteiras e às empresas de publicidade. Uma das áreas para qual a Lava Jato tende a se expandir é o marketing da Petrobras.
Outra área que estamos estudando é a das instituições financeiras. Não exatamente porque não existe um controle, mas porque várias delas violaram regras para praticar atos que acabaram favorecendo a realização de crimes graves contra a sociedade. A ideia é fazer com que algumas instituições financeiras do Brasil e do exterior sejam responsabilizadas e que, com isso, possam ressarcir os cofres públicos.
É possível esperar ações relacionadas à Lava Jato, os chamados “filhotes da Lava Jato”, em outros Estados além do Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e do Distrito Federal?
O STF, em dois precedentes, entendeu que fatos que não estejam relacionados a algo próximo à Petrobras não devem tramitar em Curitiba, mas em seus Estados. Isso gerou desdobramentos em São Paulo, no Rio e outras operações. Há acordos de colaboração [premiada] que estão sendo objeto de decisão o STF.
Quando o STF tomar essas decisões, ele deve decidir que os fatos revelados não devem ser todos apurados em Curitiba, mas em vários Estados. Por isso, é natural que aconteça um desdobramento da Lava Jato com “filhotes” por todo o país.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse várias vezes que há interesses estrangeiros na Lava Jato. Recentemente, integrantes do partido disseram que a Lava Jato tem responsabilidade na crise econômica. Como o senhor responde a essas críticas?
Não vou polemizar com investigados, mas posso falar sobre a relação entre Lava Jato e economia. O que vemos em estudos internacionais é que, quanto maiores os índices de corrupção em um país, menores são seus índices de desenvolvimento econômico e social.
Isso mostra que, se nós queremos um país melhor, só há uma saída: reduzir os índices de corrupção. O juiz Sérgio Moro diz que não podemos culpar o investigador por ter encontrado o cadáver.
Vários dos problemas que surgiram em decorrência da Lava Jato não estão ligados à atuação do Estado, mas sim às práticas dos crimes pelas pessoas que os cometeram anos atrás. Vemos ainda que corrupção e ineficiência econômica estão muitas vezes relacionadas.
É como se tivéssemos um paciente com um tumor. Esse tumor é a corrupção. É possível fazer uma cirurgia e extrair esse tumor. Essa cirurgia vai trazer um desconforto para o paciente durante sua recuperação. Mas essa é a única alternativa para que o paciente fique saudável no médio e longo prazo.
Não temos dúvida de que o problema da corrupção é um problema grave, enraizado, histórico e sistêmico no Brasil. Precisa ser enfrentando para que tenhamos um país melhor.
Outra crítica diz respeito ao baixo número de políticos do PSDB investigados pela operação. Na sua avaliação, há motivos para essas críticas?
De novo, eu não vou polemizar com investigados, mas posso abordar de forma geral. Existe essa crítica de que a Lava Jato é partidária porque atingiria só membros do PP, PT e PMDB. Mas existe uma razão para que isso tenha ocorrido. Essa razão é a forma como os crimes se desenvolveram.
A investigação se debruçou por um largo momento sobre os crimes praticados na Petrobras. Quem estava à frente da Petrobras eram pessoas indicadas pelo partido no poder.
Como o partido no poder foi o PT de 2003 a 2016, jamais se encontrariam pessoas de siglas da oposição, entre elas o PSDB, em cargos na Petrobras. Isso fez com que a investigação se direcionasse e encontrasse crimes praticados por pessoas de partidos da base aliada do governo, particularmente PT, PP e PMDB.
A investigação continua evoluindo e é possível e até provável que as outras frentes que estão se desenvolvendo revelem crimes praticados por uma série de outros partidos que até então não estavam implicados. Se o STF decidir que esses casos devam ser investigados aqui em Curitiba, o tratamento que vamos dar será idêntico ao dado aos outros casos.
Com base em tudo o que foi investigado até o momento, há elementos para pedir a prisão do ex-presidente Lula?
Não vou comentar casos específicos porque eles estão em discussão nos processos.
Por que a PF foi afastada das delações da Lava Jato? Esse afastamento trouxe alguma vantagem à operação?
Esses acordos estão tramitando sob sigilo. Então, é uma situação que prefiro não comentar. Mas a participação da Polícia Federal nas investigações é essencial para a Lava Jato.
Recentemente, houve uma onda de rebeliões em presídios em todo o Brasil, inclusive no Paraná. Vocês monitoram a situação dos presos da Lava Jato por conta das rebeliões?
Estamos atentos, mas não fomos informados de nenhum sinal que indique uma possibilidade de rebelião nos locais em que os presos estão.
O Congresso Nacional rejeitou as dez medidas contra corrupção propostas pelo MPF. O ministro do STF Luiz Fux que determinou uma nova votação do projeto. Vocês acreditam que as medidas serão aprovadas agora?
Se a decisão do ministro Fux for ratificada pelo plenário do STF, as medidas voltam à Câmara [dos Deputados] e eu acredito que, nessa hipótese, a Câmara terá uma nova oportunidade para reapreciar essas medidas com mais calma. Analisando as declarações feitas por vários deputados naquela madrugada em que o projeto foi votado, nós percebemos que muitos deles não tinham conhecimento correto daquilo que estavam votando. Havia declarações complemente descoladas daquilo que eles estavam votando.
Agora, voltando à Câmara, a gente acredita que as medidas poderão ser reavaliadas com mais calma e profundidade. Sobretudo considerando que quando elas tramitaram na comissão especial, elas foram aprovadas na sua maior parte.
Fonte: UOL