No dia 1º de fevereiro passado, lia-se no site do Conselho Federal da OAB o seguinte: O Conselho Pleno da OAB decidiu pedir o afastamento cautelar imediato do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara. A Ordem oficiará a Câmara e o STF sobre a decisão. “Pelos fatos e pelas notícias que temos, (dizia então o seu presidente) é importante a manifestação do Conselho Pleno da OAB. Estamos sendo demandados pela sociedade sobre o eventual afastamento do presidente da Câmara.” {…} “À medida que o país passa por tantos problemas, esta decisão do Conselho Federal demonstra a responsabilidade da entidade para com a sociedade. A OAB está atenta aos temas da sociedade e efetivamente participando do debate nacional”, afirmou.”
Passados menos de dois meses, a maioria integrante do Conselho Federal da OAB, pelo mesmo seu presidente, foi à Câmara dos Deputados levar um novo pedido de impeachment contra a presidenta da República e, lá, o mesmo Eduardo Cunha – cuja legitimidade para exercício da Presidência daquela Casa Legislativa, recebera aquela inegável impugnação do mesmo Conselho, sobre sua conduta – debochou da iniciativa de modo o mais humilhante.
Conforme anota o site Brasil 247 deste 30 de março, Cunha “disse que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) chegou “um pouquinho atrasada” com o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff apresentado, nesta segunda-feira, e diferentemente do que ocorreu no afastamento de Fernando Collor, não terá agora o protagonismo que teve no passado; “São momentos diferentes, circunstâncias diferentes e pessoas diferentes. Agora a Ordem veio um pouquinho atrasada, o pedido de impeachment já está sendo tratado aqui há muito tempo. Naquele momento (impeachment de Collor) a Ordem veio com protagonismo, hoje ela veio com retardo”.
A comparação com o processo de impedimento do então presidente Collor não foi gratuita mas, mesmo irônica e ferina, própria de quem deseja dar o troco e humilhar, colocando a OAB em situação subalterna e irrelevante, o “protagonismo” do impeachment de agora serve para, entre outras coisas, mostrar algumas diferenças notáveis entre um e outro episódio, deixando a OAB constrangida e, por via direta, todas/os as/os advogadas/os do Brasil envergonhadas/os.
A primeira, a de, no impeachment do então presidente Collor, a OAB não ter esperado para agir, depois de calcular para que lado o vento estava se inclinando e pendia, aparentemente ou não, para empoderar a tese do impeachment, o número das pessoas na rua, quantas panelas soavam, quantas camisas vermelhas ou pretas vestiam manifestantes, em protesto contra ou a favor dele. Uma atitude oportunista desse tipo, como agora a OAB toma, já vem bastante desfalcada ética e politicamente, visa montar nos ombros de uma multidão transcendendo um ódio inoculado por uma campanha midiática de inquestionável propaganda ideológica, tendente a convencê-la não existir outra saída para o país senão a de depor a presidenta.
A segunda, a de, no impeachment de ontem, o mesmo protagonismo não ter sido poderosamente apoiado por um juiz de primeira instância, como Sergio Moro, cujos despachos inconstitucionais e ilegais levaram-no ao ponto de obriga-lo agora – sinceramente ou não – a pedir desculpas ao Supremo Tribunal Federal, como se isso fosse suficiente para cassar todos os maus efeitos que suas decisões já causaram e ainda vão causar, ou livrá-lo de algum inquérito na Corregedoria de Justiça.
A terceira, para a qual uma entidade como a OAB de agora não poderia ter-se distraído, a de sua conduta no impeachment de Collor ter sido precedida de uma rigorosíssima pesquisa de fatos e não de versões comprometedoras da conduta dele, tudo baseado no nosso ordenamento jurídico vigente naquela época, especialmente o processual de investigação de prova, no sentido de conferir onde, quando e como uma crise constitucional passa a ser uma crise constituinte, por responsabilidade de um presidente, no sentido sempre lembrado por Paulo Bonavides, nos seus estudos sobre Direito Constitucional. Isso acontece quando um Poder Público, como o Executivo, por exemplo, está comprovadamente (!) se mantendo pendurado numa lei, como a Constituição Federal em vigor, sem qualquer ligação com a fidelidade legítima que lhe conferiu mandato pelo voto. A direção da OAB de agora – a começar por mal endereçar o seu pedido – pode garantir que essa prova já foi produzida e se encontra fora de dúvida?
A quarta, decorrência direta da anterior, mas talvez a mais significativa, de a OAB ter-se inspirado e motivado, no impeachment do ex-presidente Collor, no principal mandato pelo qual ela mesma é responsável. Depois da deposição deste, certamente foi aquela promoção da OAB que deu causa ao estabelecido no artigo 44, inciso I do seu Estatuto atualmente em vigor (Lei 8906 de 1994):
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.
Será que objetivos dessa grandeza mereciam ter sido postos em risco, serem “colocados no fim da fila” por Cunha, ridicularizados, humilhados por um pedido de impeachment como esse de agora, feito pela atual direção da OAB? Os votos divergentes, colhidos na seção do Conselho Federal que decidiu por essa iniciativa, previram o óbvio: além de inoportuna, mal endereçada e sem fundamento jurídico, ela iria humilhar e constranger as/os advogadas/os do Brasil inteiro. Não deu outra.
Fonte: Revista Fórum