Daqui a quatro anos, quando Alexandra começar a ter consciência do mundo, a distinguir e a identificar os afetos e presenças de sua infância, haverá de perguntar à sua mãe porque não pode brincar com o vovô Alexandre.
Aí, mamãe Alessandra terá que fazer um esforço enorme para conter lágrimas, dor e revolta. Com o mesmo grau de dificuldade terá ainda que explicar porque Alexandre, seu pai, não pode brincar de vovô com a netinha “no tapete da sala de estar”.
Imagino – e sugiro – que ela diga a Alexandra que o vovô está daquele jeito porque fizeram mal a ele no hospital onde foi parar após ter sofrido uma doença muito séria, embora dessa doença pudesse ter se recuperado se tivessem cuidado direito dele.
Acredito que uma explicação assim bastará, então, para a idade e circunstância de Alexandra. Mas, quando ela ficar maiorzinha, haverá de perguntar porque vovô Alexandre não pôde assistir à primeira comunhão, à formatura na escola…
Aí será a vez de Alessandra chamar o marido Ruy, pai da menina, para ajudá-la em explicação mais circunstanciada ou mais séria sobre os motivos de vovô Alexandre não ter ido também às festinhas de aniversário, aos desfiles no colégio…
Aí chegará a vez de Alexandra saber que o vovô foi vítima de uma negligência que o deixou a um passo da morte ou o condenou a uma vida pela qual não valeria a pena viver, a não ser na esperança de milagre um dia acontecer.
Antes, porém, Alessandra e Ruy terão que dizer a Alexandra que o vovô é e sempre foi um cara bacana, batalhador pra caramba e, sobretudo, um sujeito sério, um ser humano digno, um cidadão decente e profissional competente.
Dito isso, talvez Ruy tenha que dizer algo mais ou menos assim à filha:
– Ocorre, filhinha, que seu avô também era jornalista como nós e essa é uma profissão tão estressante (para quem faz jornalismo de verdade, claro) que vez por outra mata um ou deixa vivendo como se não fosse mais vivo.
Se disser assim, é bem capaz de Alessandra tomar a palavra e contar direito o que houve para a menina entender melhor.
Alessandra vai contar em linguagem de mãe que o seu pai, o jornalista Alexandre Torres, foi acometido de hemorragia cerebral em plena antevéspera do Natal de 2007, enquanto assistia a uma missa em Brasília, onde mora.
Dirá também que ele foi prontamente socorrido e rapidamente levado pelos bombeiros ao Hospital Santa Lúcia, onde lhe fizeram um exame chamado tomografia computadorizada.
Exame que mostrou a gravidade do caso, fazendo com o paciente fosse removido para o Hospital da Unimed, onde um neurocirurgião fez uma operação que deu muito certo e deixou toda a família animada e esperançosa.
Nesse ponto, Ruy retomará a palavra e cuidará da parte seguinte, para dizer que Alexandre foi colocado em coma induzido e apresentou sensíveis melhoras nos três primeiros dias seguintes, na UTI. Tanto que os médicos resolvem retirar a sedação.
Mas pra quê, meu Deus? Quando o homem começou a ‘tornar’, manhã cedinho do dia 27, na agonia acabou retirando o tubo que lhe ajudava a respirar, fornecendo-lhe oxigênio.
Foi aquele corre-corre dentro do Hospital. Tentaram reentubá-lo, mas não conseguiram. O médico plantonista pediu que fizessem em Alexandre uma traqueostomia de urgência, realizada posteriormente por um cirurgião.
Na mesma manhã, a família foi informada ‘por cima’ do ocorrido. Quem ligou do Hospital passou a impressão de que tudo estava bem com o paciente e que naquela manhã teria havido apenas um ‘probleminha’, sem maior importância.
Mas nada estava bem e tudo ficaria pior, doravante. A partir dali, o neurocirurgião que havia realizado a bem sucedida intervenção inicial começou a observar o desaparecimento dos sinais de melhora em Alexandre.
Não demorou e logo foi diagnosticado nele um estado de consciência mínima, descrito como nível 3 da escala de Glasglow, ou seja, quase estado de morte cerebral, que é de nível 2 na mesma escala.
Quem acompanhou de perto os primeiros instantes da aflição sabe que desde o incidente de 27 de dezembro daquele ano configurou-se, como dizem os advogados de Alexandre, a “desastrosa atuação” do corpo profissional do Hospital da Unimed.
“Vale ressaltar que esse episódio conduziu à invalidez completa de um pai de família com 54 anos de idade, em pleno vigor de sua força de trabalho, e que convalescia adequadamente do episódio, já superado, da hemorragia cerebral”, garante-me um memorial que recebi sobre o caso.
Segundo o texto que me foi enviado pela amiga Alessandra, no dia 9 de julho de 2009 foi ajuizada ação de reparação de danos morais e materiais contra a Unimed.
A Justiça mandou a Unimed pagar todos os gastos de Alexandre. Mas, até hoje, nada! Foi preciso dar entrada numa outra ação, essa de execução, para obrigar a Unimed a pagar multa diária pelo não cumprimento da decisão anterior.
Qual o quê! Além de um Tribunal ter diminuído a multa, a Unimed continua descumprindo a obrigação de custear os gastos elevados, que não são poucos, para manter Alexandre.
Para quem não sabe ou não lembra, informo que Alexandre é paraibano da gema e um dos colegas mais estimados e respeitados do nosso meio.
Temos a mesma idade e começamos praticamente ao mesmo tempo nesse ofício, com a diferença que ele fez o curso de Comunicação Social na UFPB e estreou profissionalmente na velha Rádio Tabajara, cuidando do noticiário noturno da emissora.
Lembro dele também nas redações do Correio e d’O Norte, onde foi repórter, redator e até charguista, até voar para Brasília, em meados dos 80, onde começou assessorando importantes conselhos federais.
Alexandre Torres foi também chefe de reportagem da TV Nacional e por onze anos quase tudo no Correio Braziliense, onde chegou a Secretário de Redação, depois de ter passado pelas editorias de Economia e Cidade.
Soube também que ele trabalhou como assessor de imprensa de Marco Maciel, na campanha vitoriosa em que o político pernambucano elegeu-se vice-presidente da República na chapa encabeçada por Fernando Henrique Cardoso, em 1994.
Mas aposto como o Galego, como muitos o chamavam, gostaria mesmo era de estar hoje de volta à terrinha, para curtir a filha e esperar pela netinha, a quem muito provavelmente não vai poder dar a bênção nem conselhos.
Entre eles, o de escolher melhor o hospital que por infelicidade um dia venha precisar.