Passei vários dias falando sobre racismo, racismo estrutural e no quanto o brasileiro médio não avalia o que fala, escreve e o que (ou quem) defende. Queria escrever, não estava inspirada o suficiente porque a decepção era grande demais pelas pessoas que vivem com um discurso muito bonito de inclusão (e empatia), mas as (suas) ações entregam e denunciam todo (o racismo e) preconceito. E para mim, as ações valem bem mais!
A exemplo de Ivete Sangalo, renomada cantora branca que se alimenta da cultura negra há anos, apesar de ter um grande público composto por brasileiros negros e dela própria ser da Bahia, é filmada na festa da agora ex-diretora de estilo da Vogue Brasil falando sobre empatia e verdade. Todavia, empatia e verdade para quem? Todos os negros do Brasil foram ridicularizados e humilhados ao serem expostos, em pleno 2019 do século 21, a uma festa em que a aniversariante ostenta mulheres negras vestidas de mucama enquanto ela senta em uma confortável poltrona “de sinhá”.
Gente racista e preconceituosa sempre sai em defesa do abusador e dessa vez não poderia ser diferente, afinal, um enxerga no outro o próprio comportamento tóxico que às vezes por falta de oportunidade não pode ser externado. Há ainda os casos nos quais a subjugação já está tão profundamente arraigada no inconsciente que mesmo aqueles pertencentes ao grupo oprimido não conseguem enxergar as ações violentas do opressor, a exemplo da cantora Preta Gil, pois acima de tudo, inclusive do amor próprio e da própria segurança, há o desejo de pertencer ao outro grupo. Ele quer tanto fazer parte do grupo diferente do seu que oprime os seus iguais em busca de aceitação.
Ser negro ou branco no Brasil é uma questão de autodeclaração por questões sócio-históricas, então algumas pessoas acabam exercendo comportamentos racistas contra quem tem lábio mais carnudo ou não tenha o nariz fininho, mesmo que tenha pele clara; e àqueles que têm pele escura, mesmo que tenha traços mais finos, sempre escuta que “nem parece negro” ou tem que responder se já fez cirurgia plástica no rosto. O racismo, por ser estrutural, consegue se esconder e se adaptar aos mais variados cenários, até em perguntas e ações que parecem inocentes.
O racismo e o colorismo no Brasil é isso: é a reação das pessoas na rua, no transporte coletivo e nos lugares públicos que é sempre diferente quando um negro de pele mais escura se aproxima, no qual alguém vai segurar a bolsa mais firme perto do corpo, olhar da cabeça aos pés, cochichar com a pessoa do lado ou fingir que ele simplesmente não está ali. Tem também quem diga que as mulheres negras de pele mais clara são “mulatas tipo exportação” ou que a situação está tão confusa que “virou o samba do crioulo doido”. Os racistas são pessoas comuns, têm amigos, parentes, filhos, pais, namorados, namoradas, esposas e maridos negros e, ainda assim, se comportam desta forma porque não percebem e, muitas vezes, nem se importam se estão ofendendo alguém.
O exercício cotidiano da empatia é excelente e urgente, mas algumas pessoas preferem fingir que tudo está ótimo, enquanto outras milhares são agredidas ou mortas diariamente. O caso mais recente foi do segurança de um supermercado que matou um jovem em um golpe chamado de “mata leão” e nenhuma pessoa o impediu, apenas retiraram seus celulares para filmar o acontecimento, como se aquele sujeito, aquele corpo, sequer fosse humano – e mais, merecedor de um assassinato.
As pessoas viram que o segurança Davi Moreira (que inclusive é admirador do presidente Jair Bolsonaro, que incentiva ações violentas) estava sufocando Pedro Henrique sem ao menos verificar se havia cometido um delito. Pedro estava ficando roxo, estava desacordado, mas ninguém tirou o jovem negro daquela situação. Esse é o país que mata pessoas negras compulsoriamente, que os expulsa, que os desestimula, que diz que os negros e negras têm a mesma capacidade intelectual que os brancos, mas que não oferece as mesmas oportunidades. A justificativa da inteligência só serve para negar a dívida histórica, presente a cada dia, e criticar as cotas raciais, que tentam equalizar a lacuna de oportunidade de mais de 500 anos.
Já que são as perguntas que movem o mundo, é importante que as pessoas brancas realmente comprometidas com um mundo de paz se perguntem o que podem fazer para mudar, ajudar e combater o racismo. Assim, dessa maneira, eu respondo: escute suas próprias palavras e tente se colocar no lugar de quem foi escravizado, humilhado, marginalizado, recusado, escanteado e hoje tenta conquistar espaço, mesmo sofrendo diariamente as consequências físicas e psicológicas do terror do período da escravidão.
Fonte: Ívyna Souto
Créditos: Ívyna Souto