Por Edilane Ferreira
O título é uma pergunta retórica. É claro que Ronaldo Cunha Lima repreenderia seu neto, que carrega consigo o legado da família. O deputado Pedro Cunha Lima foi um dos cinco dos 31 parlamentares do PSDB que votou na Câmara Federal contra a manutenção da prisão de Daniel Silveira (PSL), preso em flagrante na semana passada por diversos crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, como por exemplo, defender mudança do estado de direito sob força de ameaças públicas, como a restauração de um regime semelhante ao Militar de 64 e atos institucionais.
O que diria Ronaldo se visse seu neto votar a favor de um defensor de um sistema político cruel, de torturas mil, reconhecido pelo Tribunal Internacional Penal como praticante de crimes contra a humanidade?
Ronaldo contaria a história de parte de sua vida. Iria narrar que no raiar do Regime Militar em 1964, ele optou por fazer oposição e se filiou ao MDB, que começou sua vida política ainda no movimento estudantil, que apoiou a instalação da Frente de Mobilização Popular na Paraíba. Ele iria explicar que a Paraíba era a terceira trincheira que mais se contrapunha à Ditadura, só perdendo para as mobilizações do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Ronaldo falaria que assinava manifestos anti-imperialistas, anti-feudais e de autodeterminação do país na política externa. Ele certamente sentiria vergonha de assistir que temos um presidente da República, como Jair Bolsonaro, assim como seus seguidores, batendo continência para a bandeira de outro país e deixando o Brasil de joelhos para os Estados Unidos.
Ronaldo iria lembrar com orgulho de quando dava entrevistas em programas de rádio em 1966 para criticar o Regime Militar, apontando o fascismo a la Mussolini vigente naquela época. Foi um ato de coragem, assim como quando ele saiu em defesa dos jornalistas, em que a Ditadura criara a Lei da Imprensa, dispositivo que continha a prerrogativa de censura prévia. Em 1967, foi contra a criação desta mordaça. Em 1968, o Serviço Nacional de Informação (SNI) anotara em relatório que a campanha que concorreu e venceu para prefeito de Campina Grande tinha viés comunista.
Ronaldo lembraria de um dos mais duros golpes na sua carreira política. A memória não falharia em contar que por todos esses atos, ele foi considerado subversivo, acusado de corrupto pelo SNI, julgado e condenado pelo Conselho de Segurança Nacional.
Era março de 1969. O Conselho e o presidente da República, Artur da Costa e Silva, avaliava a ficha de Ronaldo José da Cunha Lima, ex-deputado estadual e eleito prefeito de Campina Grande. Na apreciação, o presidente destacou: “temos agora uma ficha péssima, que é a do prefeito de Campina Grande, Ronaldo José da Cunha Lima. Eleito por desavenças na política. Precisamos então eliminar esse problema”. E foi assim que Ronaldo foi cassado e teve 10 anos de suspensão dos direitos políticos.
Pedro Cunha Lima, não apenas deputado federal pela Paraíba, é mestre em Direito Constitucional, votou pela soltura de seu colega parlamentar que em um único vídeo cometeu uma série de crimes. Preso em flagrante, dentro do inquérito das Fake News, em que figura como um dos denunciados. O inciso 2 do artigo 53 da Constituição Federal deixa claro que deputados não podem ser presos, “salvo em flagrante de crime inafiançável”. Enquadrado em 4 crimes previstos na Lei de Segurança Nacional. Defendeu violência física contra ministros do STF e de atos em que ministros e diversos políticos, como seu avô, foram vítimas, senão, vejamos:
“Lá em 64, na verdade em 35, eles perceberam a manobra comunista, de vagabundos da sua estirpe, 64 foi dado então um contragolpe militar, é que teve lá os 17 atos institucionais, o AI-5 que é o mais duro de todos, como vocês insistem em dizer, aquele que cassou 3 ministros da Suprema Corte, você lembra? Cassou senadores, deputados federais, estaduais. Foi uma depuração, um recadinho muito claro: se fizerem, a gente volta”.
E teve mais, Pedro: “Você (ministro Fachin) e os seus 10 amiguinhos aí não guardam a Constituição. Vocês defecam sobre a mesma Constituição, que é uma porcaria”.
É, Pedro. Não podemos crer que um estudioso do Direito Constitucional vote a favor de algo que atente contra a nossa Carta Magna. É como se rasgasse a história de teu pai, um dos constituintes e de quem tanto você se orgulha. Ronaldo certamente não gostaria de saber que um neto seu votou pela liberdade disso daí. Até por que, como ele mesmo escreveu em um poema: “noites e dias vivi, os mais medonhos / amargando as desditas de meus sonhos / quase sem forças pra recomeçar”.
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Polêmica Paraíba
Fonte: Paraíba Já
Créditos: Edilane Ferreira / Paraíba Já