O Nordeste e a seca

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Nonato Guedes

Fenômeno recorrente na região do semiárido nordestino, a estiagem continua desafiando soluções concretas ou de resultados. Nessa nova temporada causada pelo clima, criou-se pelo menos um bordão mais efetivo: a convivência com a seca. Se o fenômeno é inevitável e, portanto, previsível, a convivência para o enfrentamento das suas seqüelas é o que se impõe. O diagnóstico já está feito, espelhado por uma farta literatura disponível no mercado, fruto de estudos, de apurações “in loco”, até sobre práticas condenáveis de manipulação política que geraram o que se convencionou denominar de indústria da seca, onde candidatos e empresários ganham vantagem, ora com votos, ora com dinheiro de fontes oficiais, enquanto o humilde morador assiste, impotente, cenas dantescas de carcaças de animais que não resistiram à inclemência da natureza, sem falar na própria falta de água para o consumo humano.

Em 82, tivemos uma das mais dramáticas estiagens, assolando indistintamente todos os Estados da região. Houve saques de alimentos em cidades do interior, desencadeando um ambiente de tensão e de insegurança. Na época, o então presidente João Figueiredo prometeu, com aquela ênfase que os políticos emprestam à demagogia vulgar: “Não nos esqueceremos do Nordeste. Vamos virar o mapa do Brasil de cabeça para baixo”. Se isto fosse feito, como alertou um especialista em abordagem publicada naquele ano no jornal “O Estado de São Paulo”, o Nordeste faria fronteira com a Argentina, onde, pelo menos, havia chovido bem. E São Paulo ficaria na Bahia, longe das constantes chuvas ocorridas em dezembro. O especialista opinava que diante da dificuldade de controlar o clima, o Brasil poderia mirar-se em Israel, que precisou de algumas décadas de intenso trabalho, sem mudar o mapa, para derrotar o deserto, contrariando o dogma de que o homem não era capaz de vencer o clima.

Israel estimulou o kibutz, espécie de colônia agrícola de judeus com regime próprio. Em 82 havia mais de duzentas comunidades, produzindo laranja de exportação, limão, algodão, o melhor gado do Oriente Médio, artigos de cerâmica, madeira e metal. A base do sucesso foi a obtenção da água, canalizada do Norte do país, por quilômetros e mais quilômetros, colocada em reservatórios e espalhada pela terra para a semeadura da fertilidade. Quem viajasse de Tel-Aviv para Jerusalém por uma moderna autoestrada poderia ver o resultado da mudança: imensas áreas cultivadas. Eram os “kibutzim” (em hebraico, as palavras no plural terminam em im), garantindo os alimentos e a economia do país. No Brasil, somos reféns de uma promessa e de uma miragem. A promessa, oriunda dos tempos do Império e ressuscitada pelo ex-presidente Lula, era a de promover a redenção do Nordeste por meio da transposição de águas do rio São Francisco, ou da integração setentrional de bacias. A miragem é que o projeto não andou.

Em 1978, um documento elaborado por cientistas do Instituto de Atividades Espaciais, do Ministério da Aeronáutica, em São José dos Campos, São Paulo, previa uma grande seca no Nordeste entre os anos de 1979 e 1985. O estudo foi enviado às autoridades em meados de 78 com o carimbo de “confidencial”. Houve manifestações de ceticismo e o documento chegou até a ser motivo de piadas, conforme o desabafo de um dos autores. A previsão estava correta. O estudo era científico por excelência. Levantou dados constatando que de 13 em 13 anos há secas fortes no Nordeste e que de 26 em 26 anos elas se agravam. A partir daí montou-se um modelo matemático, cuja conclusão revelou que uma das senóides com período de 26 anos adaptou-se ao longo da amostra.

Também outra senóide com período de 13 anos foi adaptada. As duas senóides definiam os anos de poucas chuvas na região semiárida. Quando as duas curvas caminham paralelas, é indicação de grande seca. Era o que estava acontecendo quando da revelação do material produzido. Os cientistas garantiam poder modificar o clima da região semiárida do NE evaporando a água do mar, transformando-a em nuvens que, levadas pelo vento, se precipitariam sobre a área atingida pelas estiagens. Reconhecido pela Organização Mundial de Meteorologia, revestido de simplicidade e baixo custo, o projeto ficou dormindo nas gavetas. Afinal, era tido como coisa de lunáticos. Talvez estivéssemos próximos de um arremedo de solução. Mas desperdiçamos a oportunidade. Porque não levamos as coisas sérias a sério.