Gilvan Freire
Vem ai, provavelmente, uma nova fase do judiciário brasileiro, ao menos com relação à Suprema Corte. Não é que ela vá mudar substancialmente o país, porque as instituições públicas, nas democracias frouxas como a do Brasil, não têm capacidade de influenciar o povo e mudar a sociedade. O povo, sim, é que muda tudo, inclusive as instituições, quando quer e se mobiliza para tanto.
O comum é as instituições afrontarem a sociedade, não apenas pela sua inoperância, mas pelo apego às regalias e os favores (muitos absurdamente indevidos) que seus agentes tiram do Estado – a mãe de leite que amamenta os que gostam das tetas públicas. No serviço público, poucos se movem pelo bem comum, uma fantasia que só serve para ornamentar discursos e aumentar as desesperanças coletivas.
E não se responsabilize o servidor público comum, o assalariado do Estado, porque este já tem que se defender da burocracia estatal que lhe sonega tanto quanto a máquina oficial desatende à população em suas inversões de prioridades, abusos e desvios de compromissos. O problema está nas cúpulas, na classe dirigente, que pensa em se favorecer primeiro dos privilégios que são colocados à sua disposição por um modelo de democracia de luxo que transforma os pobres em lixo.
Não bastasse a ineficiência e o custo Brasil das instituições do Estado, o esbanjamento, a suntuosidade, o desperdício e a falta de sintonia com as aspirações e carências da população, há uma corrupção endêmica que desmoraliza os poderes e a classe dirigente, a chamada elite podre, que nem se dá conta de como é vista do lado de fora dos templos faraônicos.
O judiciário, muito embora tenha uma longa tradição de poder vestal, nunca esteve imune aos vendavais morais, mas pelo menos sempre fez esforços para não descer aos esgotos como os outros poderes. O Supremo, com todos os seus erros, já foi a alma imaculada da moralidade, oráculo do saber judiciário e guardião da Nação (povo e Estado).
Nos últimos tempos, talvez por causa do regime de exceção constitucional e pelo charme que todos os ditadores do mundo exercem sobre os demais poderes e os homens de seu tempo, o judiciário perdeu também os rumos e, muitas vezes, cedeu e se subjugou. Nesse sentido, digamos, o Supremo tem fases.
Mas, a maior mazela do judiciário é, de fato, sua feição elitista e suas cada vez mais estreitas relações com o poder político, este por si só um poço de indecências. Dessa convivência harmônica a Corte nada ganha, mas ela mesma se compromete pelo regime de sua composição, feita a base do beneplácito da presidência da república, que nomeia ministros. É já daí que surgem as más escolhas e as cumplicidades e derivações. Pinçada da literatura, do jornalismo e de informações extraídas da tradição oral, a história da formação das cúpulas do judiciário tem odores insuportáveis.
Nesse julgamento do mensalão, a demora, as manobras, o tráfico de influência e a invasão de privacidade no Tribunal, além das cenas de histrionismo e exibicionismo não foram originais da Corte, foram um espetáculo a parte, para o grande público ver e se enganar. Mas pode ser que o Supremo, a partir de agora, acossado pela vigilância da opinião pública, não tendo feito pelos poderosos o que tencionavam fazer quase todos os ministros, resolva pegar o embalo e limpar a própria cara. E endurecer o jogo, numa espécie de operação mãos limpas, como fez o judiciário da Itália. E ai vem pau a partir do próximo ano. Muita gente vai cair no cadafalso. Isso pode.