O médico e o povo

consulte o médico na Internet

Flávio Lúcio

O médico Hélder Alexandre, colaborador contumaz desta coluna, encaminhou a Rubens Nóbrega, e este a mim, texto que mostra bem o estado de espírito da categoria a que pertence contra o governo Dilma Rousseff. Deixo os leitores com Helder Alexandre. Retorno em seguida com minha opinião.

“Cleptocracia: Estado governado por ladrões.”
Não poderiam os Gregos antigos terem criado um termo mais apropriado para descrever a realidade da Nação Brasileira. A atrofia mental e a indigência moral que campeia esta terra foi muito bem retratada no romance “Macunaíma” de Mário de Andrade publicado ainda em 1928. Porque um estado corrupto apenas subsiste alimentado por uma sociedade igualmente desonesta.
(…)
A burrice neste Brasil é tão grande que até hoje o pensamento comum é de que os nossos problemas se dão pela falta de Educação. Todo mundo pensa e repete o mesmo discurso. Não é. O princípio é a Segurança sem a qual nada é possível de ser realizado. Entendendo a Segurança em um sentido muito mais amplo do que a mera integridade física. Que nem isso temos porque não temos respeito pelo princípio da autoridade. Auguste Comte no seu Positivismo dizia que deveríamos ter “O Amor por princípio, a Ordem por meio e o Progresso por fim”. O Coronel Benjamin Constant, suprimiu o princípio e na nossa bandeira nacional ficou apenas Ordem e Progresso. Nesta linha eu afirmo que a Segurança é o princípio, a Educação o meio e a Saúde o fim. No passado cabia aos Médicos, aos Militares e as Meretrizes dar conta de todas as pressões da sociedade. Em todas as suas mazelas e misérias. Hoje essas últimas gozam de muitíssimo mais prestígio do que os primeiros. Palmas para elas. Os Médicos cujo binômio estudo-trabalho não encontra o mais remoto paralelo em nenhuma profissão e em nenhum lugar do mundo sofrem o mais odioso programa de perseguição já visto neste País.
Por uma razão muito simples de entender. O Médico é o inimigo número um do político incompetente e ladrão que precisa de um bode expiatório em quem projetar a sua incúria e a sua corrupção. Por outro lado o Médico é também o seu principal inimigo político se angariar, o que não é tão raro ou difícil, o prestígio da população. Se existe Médico bandido? Existe sim. Mas o que em algumas áreas é a regra, entre os médicos é exceção. Falta Médico nos rincões remotos do Brasil? Falta sim. Mas falta também Enfermeiros, Dentistas, Prefeitos, Juízes, estradas, água potável, energia, esgotos, segurança… Cabe a nós damos conta disso também?
***
Com as devidas escusas pela discordância, digo em primeiro lugar que o texto do Doutor Helder é uma expressiva manifestação da persistente tendência de setores da classe média brasileira de colocar as questões de ordem moral à frente das divergências de ordem política. Assim como aconteceu durante os governos de Getúlio Vargas, JK e João Goulart, no pré-1964, a corrupção volta com toda força hoje a mobilizar esses setores. Até parece que foi Vargas quem criou a corrupção e Lula a trouxe de volta aos dias de hoje.
E, desculpe-me doutor, recorrer a Macunaíma para corroborar seus argumentos para depreciar a “massa ignara” foi demais para mim. Tudo bem com Augusto Comte e seu seguidor brasileiro Benjamin Constant. Mas, o objetivo de Mário de Andrade nunca foi depreciar o nosso povo ao falar da sua ausência de caráter. Pelo contrário. Andrade criticou nossas elites tanto pela recusa em estabelecer um caráter nacional à nossa formação como povo como por sua submissão cultural – o complexo de vira-latas, como definiu tão bem Nelson Rodrigues. Ao invés de negar nossas tradições culturais mais legítimas, como fazia a elite de sua época que adorava tudo que era importado, Maria de Andrade trouxe o povo e sua cultura para o centro da definição de nossa brasilidade. Ao invés de vergonha, começamos a sentir orgulho do povo (mestiço) que somos.
Agora, convenhamos doutor, dizer que as prostitutas hoje tem mais prestígio do que os médicos só porque o governo pretende trazer médicos do exterior para permitir que as periferias das grandes cidades e os rincões mais longínquos desse país tenham direito a atendimento médico, não cabe nem como recurso retórico. Deve ser por isso que os cursos de Medicina são os menos concorridos nas universidades federais. Talvez por isso mesmo, pais se sacrificam para pagar mensalidades de quatro, cinco, seis mil reais, a depender da faculdade particular de Medicina. Por fim, doutor, o senhor parece desejar transformar o médico no herói nacional da antipolítica. Isso não subsiste a uma simples observação mais apurada do perfil profissional dos políticos brasileiros. Ora, se tem uma categoria que gosta de se envolver com política é o médico, exatamente pelo prestígio social que a profissão lhe confere. Quantos prefeitos pelo interior da Paraíba são médicos? Na Câmara dos Deputados na legislatura atual, os médicos, que são 41, só perdem para os advogados, que são 67 deputados.
Enfim, nesse debate até agora, tem corporativismo demais e interesse social de menos.