O manicômio fiscal

fotoNonato Guedes

Parece interminável, no Brasil, a queda de braço entre União, Estados e municípios pela partilha das receitas orçamentárias. O governo federal está sempre no índex de prefeitos, governadores e parlamentares pela sua suposta voracidade em abocanhar recursos na mesma proporção em que repassa encargos para entes menores já sacrificados e com a corda no pescoço. Mas, haverá de fato essa desigualdade que tanto se alardeia? O economista paraibano Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, afirma em artigo na revista “Veja” que as coisas não são bem assim e que há muita pirotecnia por trás das costumeiras Marchas a Brasília, geralmente puxadas por prefeitos e entidades que os representam, como parte da estratégia para pressionar o Congresso que, por sua vez, pressiona o Planalto, que, às vezes, não está nem aí, em outras aciona a Justiça e ganha os recursos que reivindica para abarrotar seus cofres.

Maílson sustenta que a federação brasileira é uma das mais descentralizadas do mundo e lamenta que gestores estaduais e municipais não tenham essa percepção e acusem o Poder Central de ficar indevidamente com a parte do leão. Alegam que a União fica com 70% da arrecadação, restando 24,5% para os Estados e 5,5% para os municípios. “É verdade, mas há que considerar o dinheiro transferido mandatoriamente para esses últimos. Aí o quadro começa a mudar: a União fica com 58%, os Estados e municípios passam de 30% para 42%. A situação muda de vez ao se considerarem as responsabilidades constitucionais da União. A fatia que lhe cabe na receita é compatível com suas obrigações”, pondera Maílson. E, de forma didática, tenta colocar os pontos nos is.

Competem à União os gastos obrigatórios com previdência, educação, saúde, e encargos da dívida federal. Somados às transferências a Estados e municípios, perfazem cerca de 90% das receitas federais. Há, também, despesas obrigatórias na prática, como as de defesa, fiscalização e investimentos mínimos em infraestrutura. Restam à União menos de 5% da receita para financiar outros gastos, algo como 60 bilhões de reais no Orçamento de 2013. Conforme Maílson, em menor grau essa rigidez orçamentária já existia nos anos 80. “Sem ligarem para isso, governadores e prefeitos empreenderam bem-sucedido movimento em prol de maiores transferências. Em 1979 a União transferia 20% do imposto de renda e do IPI. Após três reformas constitucionais e a Constituição de 1988, esse porcentual saltou para 47% do IR e 57% do IPI, incluindo 3% para fundos regionais de desenvolvimento. Os impostos da União sobre combustíveis, minerais, transportes e comunicações foram incorporados ao ICMS estadual. Além disso, a Constituição elevou os gastos federais com pessoal, previdência, educação e saúde. Um desastre fiscal para a União: suas despesas obrigatórias aumentaram e as receitas diminuíram. Se nada fosse feito, o déficit público e a dívida explodiriam”, comenta o ex-ministro.

A saída lógica, prossegue Maílson, seria elevar as alíquotas do IR e do IPI, os dois principais impostos da União. Deu-se que, após as transferências e a vinculação de receitas à educação, remanescem na União metade do IR e um terço do IPI. Assim seria necessário cobrar o dobro do Imposto de Renda e o triplo do Imposto sobre Produtos Industrializados, penalizando ainda mais os contribuintes. A solução menos danosa seria recorrer às contribuições, que pertencem inteiramente à União. Elas não geram transferências para outras esferas de governo nem aumentam gastos automaticamente. A qualidade do sistema tributário pioraria, mas se evitaria o colapso das finanças federais.

Maílson diz que entre 1987 e 2012 a carga tributária saltou de 21% para 36% do PIB e estaria aí a origem da complexidade dos tributos federais, que se agravou ainda mais com o aumento real de 115% do salário mínimo entre 1994 e 2012. Houve dramática expansão dos gastos do INSS. O manicômio fiscal se instalou no país. O peso dos gastos e o caos tributário constituem, hoje, o principal obstáculo à expansão do potencial de crescimento da economia e geração de bem estar. “Mesmo assim, governadores e prefeitos resolveram reeditar o movimento dos anos 80 e querem mais dinheiro da União, usando a mesma tese furada da excessiva centralização”, ressalta. Em conclusão: Maílson identifica um perigo enorme, focado na estagnação ou no descontrole inflacionário. E diz que o perigo é tanto maior por causa da incapacidade de articulação do governo. Não deixa de ser lamentável que o Brasil, após tantos avanços, esteja à beira do despenhadeiro!