O limite das redes

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Nonato guedes

Depois da efervescência de protestos ensaiados no meio da rua, no Brasil, mas direcionados a partir de redes sociais na internet, discute-se até que ponto os abaixo-assinados digitais são válidos para projetos de iniciativa popular. Que eles pressionam governos, isto é um fato. O problema está em transpor o poder para outras esferas, como o Congresso, onde as leis são construídas, nos moldes da democracia clássica. O Brasil, conforme matéria de “O Globo”, é o país com o maior número de usuários do portal de petições on-line, o Avaaz.org. De 24 milhões no mundo, 4,5 milhões são brasileiros, mas o último grande abaixo-assinado realizado pelo site, que reuniu 1,6 milhão de assinaturas contra a permanência de Renan Calheiros na presidência do Senado não surtiu efeito prático. Pela legislação atual, nem mesmo para a proposição de projetos de lei de iniciativa popular as coletas on-line têm valor.

Rolf Raunschenbach, pesquisador da Universidade de São Paulo, no campo das políticas públicas, admitiu que se chegou a um impasse, porque muitas reivindicações foram formuladas. O que fazer agora? “A internet pode estruturar de maneira mais concreta as reivindicações, assim como formalizá-las em abaixo-assinados. O grande desafio é, depois de fazer tanto barulho, transformar o movimento em falas claras e concretas para que a política tenha que responder às demandas”, contextua ele. Nos Estados Unidos, a Casa Branca mantém a página “We the people”, criada para que qualquer cidadão americano com mais de 13 anos possa criar petições. Se uma delas alcançar 25 mil assinaturas, é encaminhada para avaliação pelos órgãos da administração federal.

A possibilidade de participação, lá, é tão ampla que chega a criar situações inusitadas. Em janeiro, o governo americano teve que ir a público para rejeitar a proposta de construção de uma Estrela da Morte, armamento do Império Galático na série “Star Wars”, por causa do custo, estimado em US$ 850 quatrilhões. No Brasil, a Constituição garante aos cidadãos a possibilidade de apresentar projetos de lei de iniciativa popular, mas eles devem ser subscritos por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, o que representa cerca de 1,4 milhão de pessoas. Além disso, a coleta de assinaturas digitais não tem validade legal. Desde que a Carta Magna foi promulgada em 1988, apenas cinco propostas foram formuladas desta maneira, sendo que quatro se tornaram leis, o que é considerado pouco em comparação com outros países que possuem ferramentas similares.

Nelson Roque, um dos responsáveis pelo portal Petição Pública Brasil, afirma que é urgente mudar a legislação para que seja possível aos cidadãos participar mais ativamente da vida política. Já o coordenador de campanhas da Avaaz.org., Pedro Abramovay, concorda que a mobilização virtual deveria ter validade legal, mas, em sua opinião, essa não é a questão principal. Os abaixo-assinados virtuais prestam o papel de pressionar os poderes instituídos por mudanças, mas faltam mecanismos legais para que a população possa fazer valer a sua vontade. O deputado federal Felipe Maia, do DEM-RN, é autor de uma proposta criando o estatuto da democracia participativa. O texto aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara para seguir para o plenário. Caso sejam aprovadas, as novas regras permitirão a coleta de assinaturas para projetos de iniciativa popular por meio da internet.

O deputado adverte que a população está mostrando que quer participar e o referido projeto vem ao encontro do que está acontecendo nas ruas. “A internet é ferramenta fundamental para a democracia”, insiste ele. Outro projeto em tramitação no Congresso é o do Marco Civil na internet. Para o deputado Alessandro Molon, do PT do Rio de Janeiro, a aprovação do texto é decisiva para que as manifestações organizadas pelas redes sociais continuem a acontecer. Ele também concorda que a internet serve como elemento de mobilização e pressão política, mas ainda não está regulamentada, o que não faz sentido.

O diretor de estratégia da Agência Frog, Roberto Cassano, destaca o papel do ciberespaço para a discussão e elaboração de pautas e reivindicações concretas, mas adverte que há certos limites que devem ser considerados no uso da web quanto a definir pautas e políticas públicas. No caso da coleta de assinaturas, destaca, é preciso criar mecanismos que garantam a segurança do processo, seja por certificação digital, login ou outro tipo de controle. E o presidente da OAB-Rio, Felipe Santa Cruz, lembra que boa parte da população brasileira ainda está offline. “É importante ter em vista que não pode prevalecer a ditadura de quem está on-line”, conclui. Que se chegue a um consenso, então, para que a generosa energia que impulsionou os protestos não descambe em frustração coletiva.