O final do mundo e do governo. Adiáveis os dois

Gilvan Freire

Pelas contas do calendário maia, um intrincado sistema de almanaques distintos, usados pela civilização maia da Mesoamérica pré-colombiana e ainda hoje considerado por comunidades descendentes na região de Oaxaca e planaltos da Guatemala, é bem possível que o mundo se acabe neste 21 de dezembro de 2012, dia de grande fraternidade da raça humana. Se vivos não conseguem ser iguais, pelos menos mortos coletivamente todos os seres serão iguais.

Ninguém tem o direito de saber a que horas começa o fim do mundo, nem de que forma se processará o extermínio, ou se alguém sobrevirá a outros por algum instante, de tal sorte que uns possam ainda externar uma esperança ou uma saudade, os dois grandes sentimentos que une o passado e o futuro da espécie em vida. De nada valerá, porém, será tudo em vão. É melhor comemorar esse grande acontecimento antes, valorizar as qualidades humanas e refugar os pecados capitais, porque na hora da grande hecatombe, da mortandade geral, já não haverá diferença entre ser bom ou ruim, fazer o bem ou mal, amar ou odiar, ajudar ou enganar, salvar vidas ou matar; todos os povos serão o mesmo pó, tão igualitários quanto nunca foram noutros tempos.

Quem sabe possa haver uma esperança de que as contas feitas pelos maias estejam erradas, de preferência com relação ao dia 21, ou o mês de dezembro, ou o ano 2012, ou até ao milênio. Ou que Deus nunca tenha sido consultado acerca dessas cavernosas operações matemáticas dos maias, pois o Deus deles era diferente do nosso.

Trabalhemos com a hipótese de o mundo não se acabar neste dia 21 e que haja ao menos um adiamento sine die (por tempo indeterminado). Só assim este artigo poderá ser lido pelos que não morrerem nem mesmo de medo. Medo mata muito.

 AS PROFECIAS AMEAÇAM

Antonio Conselheiro, líder da revolta de Canudos de 1893 a 1897, impregnou no povo faminto a ideia de que a ‘Roda grande passaria pela pequena’, para demonstrar que havia uma força revolucionária na organização de um povo insubmisso contra os senhores feudais da época e o poder político dominante representado pela República.

Enquanto não foram massacrados, os revoltosos cultivaram a crença, que lhes parecia bíblica, de que por conta da organização social e da influência de líderes carismáticos, uma minoria poderia vencer uma maioria e um pigmeu poderia por à pique um gigante.

Passados esses tempos todos é comum se ouvir a profecia canudiana de que, a qualquer tempo, a ‘roda grande vai passar pela pequena’, a expectativa de que algo muito grandioso vai ter de se submeter a algo bastante pequeno comparativamente.

Vez por outra, alguém menor proporcionalmente aniquila, desmonta, defenestra alguém muito poderoso, com a mesma e inexplicável força com que a humildade destrói a arrogância.

O levante da Assembleia Legislativa contra o autoritarismo e a soberba do governador Ricardo Coutinho, que faz do poder uma poderosa arma de guerra contra uma sociedade que busca um Antonio Conselheiro menos quixotesco e mais consciente politicamente, é um marco histórico nesses tempos de submissão e agachamento de homens públicos a outros. RC vai conceder a Ricardo Marcelo e seus generais o privilégio e prestigio de derrubá-lo do pedestal, se além do pedestal não for do próprio poder.

Cumpre-se, mais uma vez, a profecia dos sertanejos do Arraial de Belo Monte na Bahia do final do século 19, que não achavam que a roda grande deveria obrigatoriamente subjugar a pequena. Depois avanço noutras profecias.