Era de Esperança o homem que em vida foi a única ou a última esperança para muitos desvalidos e carentes da Paraíba que, amparados na generosidade e solidariedade dele, puderam ser alguém na vida ou tiveram alguma sobrevida.
Refiro-me ao Padre Zé Coutinho, que veio de Esperança para João Pessoa e aqui, entre os sessenta e setenta do século passado, deu sentido verdadeiro à palavra caridade. Lembrando que a caridade dele era do tipo que podia até não transformar, mas pelo menos socorria, salvava vidas e não pedia voto, em troca.
Volto a escrever sobre Padre Zé, entre outros motivos, porque a simples lembrança de que existiram pessoas como ele na Paraíba e no mundo revigora a minha crença e a de muita gente na raça humana. Apesar de todas as desumanidades em voga na sofrida Pequenina.
Quem me deu o mote para escrever sobre Padre Zé foi o Doutor Ônio Lyra, oficial de Registro de Esperança, o homem do Cartório ‘Serviço Registral Lyra’, conterrâneo do admirável e inesquecível José da Silva Coutinho.
Ônio presenteou o desembargador Júlio Aurélio Coutinho com a cópia de uma carta que o então Monsenhor Zé Coutinho escreveu em 27 de novembro de 1972 a um amigo, o também Monsenhor Manoel Palmeira da Rocha, de Esperança.
Digo que é um presente porque o documento, além do seu valor histórico intrínseco, é prosaica e docemente revelador de como Padre Zé conseguia juntar dinheiro para dar o peixe e ensinar a pescar, como ele gostava de definir o que fazia a partir do Hospital e Instituto que levam o seu nome na Capital.
Através do amigo Giuseppe Lyra, irmão de Ônio, também ganhei uma cópia da carta de Zé Coutinho para Manoel Palmeira. Assim, além de compartilhá-la com vocês, graças à terna missiva que reproduzo logo mais posso oferecer hoje aos leitores uma coluna ao estilo daquelas que um domingo merece.
Só mesmo uma figura como Padre Zé para inspirar trégua na pauleira que é o triste cotidiano da Paraíba em vigor. Só mesmo um Padre Zé pra gente deixar de lado, pelo menos por um dia, a violência a mil e os mil problemas da nossa gente.
Problemas na saúde, na educação, na governança, na infra-estrutura… Todos agravados por enchentes, alagamentos e desmoronamentos que matam, destroem e deixam ao desabrigo de milhares de paraibanos.
Até pela situação em que se encontram as vítimas das chuvas pesadas das duas últimas semanas, bate-me a certeza de que se Padre Zé estivesse entre nós muitas dessas pessoas receberiam a melhor e mais efetiva assistência que hoje não encontram no poder público.
Porque Padre Zé vivia pra isso. Fazer bem ao próximo era a razão de ser e viver do Padré Zé. E até por isso foi que ele deixou de comparecer à festa com que o povo de Esperança se preparava para homenagear o Monsenhor Palmeira no final de 72.
Tanto é que foi para justificar sua ausência naquela celebração que Padre Zé escreveu a carta reproduzida após os astericos, da qual ele próprio confessa ter se aproveitado para enviar cópia a autoridades da época.
Fazia assim que era para sensibilizar quem poderia ajudá-lo na superação das dificuldades em reunir a soma que precisava para bancar sua obra de caridade. Nem sempre conseguia, claro, mas não deixava escapar oportunidade como aquela.
Carta ao Monsenhor Palmeira
João Pessoa, 27 de novembro de 1972.
Caríssimo Colega e Amigo
Monsenhor Manoel Palmeira da Rocha
Esperança – Paraíba
PAZ EM JESUS!
Estou contentíssimo porque a minha querida Terra Natal vai homenagear o grande Apóstolo do meu povo e da minha gente, durante tantos anos, da melhor maneira.
Tudo que se fizer por você é muito pouco, porque você é extraordinariamente caridoso, falemos em termos mais claros, verdadeiro Santo, que praticou totalmente o Evangelho, passando a vida inteira fazendo o bem.
Não fossem meus males físicos e principalmente minha pobreza, eu iria à sua Festa.
Mas, só viajo na boléia de uma camionete, com minha cadeira de rodas em cima, com quatro rapazes, que aqui no Instituto São José chamam de motoristas, para não ficar aí no meio da rua, sem poder me locomover para parte alguma.
Existe, porém, uma razão séria ainda que me impede de ir – a minha responsabilidade financeira: para pagar Cr$ 13.000 (treze mil cruzeiros) em média por mês, recebendo do Poder Público e outras fontes apenas Cr$ 6.000 (seis mil cruzeiros), tenho que arrecadar Cr$ 7.000 (sete mil cruzeiros) de esmolas.
Aqui na Capital, já estou feito, e a minha renda pessoal é de Cr$ 100 (cem cruzeiros) todo dia, agora as mensalidades, promessas etc. que rendem mais do que outro tanto, não podendo perder um só dia de constantes peditórios, sob pena de acumular minhas dívidas.
Pedirei ao Prefeito Antônio Coelho Sobrinho, a quem vou fornecer uma cópia desta carta, pois desejo que ele e seus amigos saibam do Alto Juízo que faço a seu respeito e os sérios motivos porque não vou à Festa, que julgo a maior, que pode ser feita pela Comunidade Esperancense, embora você mereça muito mais.
No domingo seguinte, celebrarei por sua felicidade pessoal e, antes do Evangelho, focalizarei a felicidade que tem a minha Terra Natal em possuir tão modelar Pároco. Pedirei ao povo uma prece por você, a ser rezada por ocasião da Oração dos Fiéis.
Agradecendo antecipadamente a atenção que o Prezado Amigo prestar a esta carta, subscrevo-me sinceramente.
Monsenhor José da Silva Coutinho
Diretor do Instituto São José
Também não perco
Que me perdoem os domingueiros mais convictos, mas também não posso deixar passar a oportunidade de dizer: “Ah, se um outro Coutinho que anda por aí se mirasse no exemplo de Padre Zé!”.