A polarização política tem efeitos sobre as decisões das pessoas em esferas da vida que não tem nenhuma relação com a política? Cass Sunstein e co-autores discutem a questão em “Would you go to a republican doctor”? (Você iria a um médico afiliado ao Partido Republicano?), em que reportam os achados de um experimento publicado na conceituada revista da área de neurociência Cognition.
O objetivo do estudo é testar a hipótese que as pessoas são mais influenciáveis por pessoas com quem compartilham preferências políticas, mesmo quando se deparam com evidências que pessoas com opinião política diversa têm mais competência em tarefas sem relação com a política, como, por exemplo, resolução de problemas de geometria.
A conclusão é que sim. Tomar conhecimento da filiação política, digamos, de um neurocirurgião ou matemático, afeta a percepção sobre sua competência. E mais: “Nossos achados sugerem que as fake news irão se espalhar entre indivíduos que pensam de forma semelhante na política mesmo quando elas não têm nada a ver com a política”. Assim, a polarização ultrapassa a esfera política e se manifesta em outras esferas da vida. É o chamado efeito halo, ou de “derramamento afetivo ou epistêmico” (na expressão de Sunstein et al).
Há pesquisas que mostram que as pessoas consideram os simpatizantes do mesmo partido mais atraentes do que as do partido rival; que prestadores de serviço cobram mais por serviços prestados a pessoas de partido adversário; e que há favorecimento de candidatos a emprego do mesmo campo ideológico. A polarização também afeta a percepção do desempenho da economia: sob governos do partido rival ao dos entrevistados há subavaliação das taxas de crescimento do PIB e do desemprego.
O viés partidário aparece também na percepção quanto às características dos membros do partido adversário ao dos entrevistados. Nos EUA, 11% dos democratas são afiliados a sindicatos, mas o americano médio acha que essa proporção é 3,5 vezes maior (39%). Apenas 2% dos republicanos têm renda superior a US$ 250 mil por ano, mas o americano médio acha que esta percentagem é 18 vezes maior (39%).
A politização de todas as esferas da vida é festejada por muitos como um ideal. Tudo é política e pode subsumir-se em uma lógica amigo-inimigo. Essa hiperpolitização é consagrada em visões iliberais que glamorizam o conflito e a violência.
Como as evidências mostram, no entanto, as escolhas sociais em contextos de baixa confiança são ineficientes porque a sociedade torna-se menos cooperativa. E mais: o conhecimento técnico-científico é desvalorizado, e reduzido a uma “verdade” de elites tecnocráticas e/ou antipopulares.
** Marcus André Melo é professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Marcus André Melo