Rubens Nóbrega

Um dos meus projetos para a vida de aposentado é aprender a dançar. Vou me matricular numa escola ou academia porque quero fazer bonito nos bailes da vida. O pessoal da melhor idade que me aguarde!
Não saber dançar é uma das minhas frustrações, mas somente depois de adulto é que descobri que não sabia. Entre adolescência e juventude, por certo tempo botei na cabeça que não apenas sabia dançar como seria dançarino razoável.
A ficha só veio cair quando namorei uma moça que não perdia um assustado, ia a praticamente todos na cidade onde morávamos e em todos dançava a noite inteira, porque ela era realmente um espetáculo dançando, em qualquer ritmo.
Pois bem, no primeiro a que fomos juntos, já namorando, dançamos apenas duas partes e ela, alegando indisposição, pediu para voltarmos pra mesa. Foi justo na hora em que começava a tocar música lenta, de melodia mais propícia aos aconchegos.
Uma semana depois, uma amiga comum nos convidou para uma festa de aniversário e ela desculpou-se antecipadamente pela ausência porque precisava ‘estudar muito’ para as provas bimestrais que se aproximavam.
Não me convenceu a desculpa. Quando ficamos a sós, pedi explicações, de preferências sinceras. E sincera ela foi: de que adiantava ir às festas onde houvesse dança se o seu namorado não era páreo, quer dizer, um par à altura.
Fiquei ofendido, no princípio, mas depois me convenci de que era mesmo ridículo dançando e seria muito egoísmo de minha parte não deixar ‘a morena sambar em paz’. Daí pro namoro esfriar e acabar de vez não demorou mais de um mês.
De qualquer sorte, cheguei à conclusão que pior seria se eu fosse como o meu amigo Feioso, colega de ginásio desde o primeiro ano, mas um sujeito que, apesar da justiça do apelido, era o tipo espirituoso, capaz de fazer piada com a própria feiúra.
Feioso tinha lá a sua graça, é verdade, mas a aparência realmente lhe causava dissabores. Quando, por exemplo, acompanhava a turma aos bailes. Passava a noite olhando os casais dançando ou cubando alguma dama que pudesse tirar pra dançar.
No geral, ele não arriscava. Achava humilhante ser cortado. Mais humilhante ainda era perceber a cara de espanto ou de nojo que essa ou aquela menina fazia diante do convite, como se humilhação fosse ser ‘tirada pra dançar’ por Feioso.
Pra piorar, colegas tiravam o maior sarro dos cortes que o pobre levava. Tinha deles que chamava os outros para ficarem observando Feioso se dirigir a uma mesa qualquer, levar mais um fora e voltar desconsolado pro nosso canto. Divertiam-se com a crueldade.
Em uma dessas tertúlias, Josué, um dos nossos, moleque que só ele, convenceu a sua irmã Janira, moreninha bem apetrechada, a dar bola a Feioso até ele criar coragem e chamá-la pra dançar. Só pra ver o rapaz levar um corte dos grandes.
Para tanto, Josué encheu de esperança o nosso herói, a quem teve a cara de pau de dizer que ouvira a irmã falando para umas amigas dela que Feioso “até que era charmoso”. E ele acreditou, coitado! Tanto que na primeira oportunidade…
– Você vai me desculpar, moço, mas estou cansada – disse Janira ao até então super esperançoso cavalheiro, esquecida, talvez, que o baile havia começado há pouco. Até aquele momento, ela não havia dançado com seu ninguém.
A desculpa do cansaço decepcionou Feioso, que jurou pra si mesmo somente comparecer a qualquer festinha, daquele dia em diante, quando arranjasse namorada.
Um bom tempo se passou e mudanças radicais aconteceram na vida de Feioso depois daquele corte de Janira. Saibam vocês que o homem progrediu na vida e virou um partidão, charmosíssimo e, claro, disputadíssimo.
Soube que casou umas duas ou três vezes, mas só veio a ter filho no último casamento, que acabou ligeirinho assim que o menino nasceu. O bebê não chamou a atenção, o que deixou Feioso bastante cabreiro.
A desconfiança de que não seria o pai da criança – uma criança bem bonitinha, diga-se – apressou o fim do matrimônio e ajudou a propagar o boato de que ele teria pedido exame de DNA pra ver se dessa vez o divórcio não lhe sairia tão caro.
Independentemente de qualquer coisa, Feioso é um amigo e semana passada ele esteve lá em casa, participando de uma festinha para a qual convidei também outros companheiros e colegas do velho ginásio de guerra.
Entre eles Josué, que achou de trazer a irmã porque soube que Feioso estava solteirinho da Silva, de novo. Seria uma oportunidade de tirar Janira do longo caritó a que fora condenada por arte ou maldade do destino.

***
Festa rolando, sem que eu desconfiasse de suas intenções, Josué veio me pedir para sugerir a Feioso que chamasse Janira pra dançar. Não era pegadinha, garantiu.
– Que nada, Rubão! Fique tranqüilo, vai ter corte não. Já falei com ela e ela topa.
Convencido de que seria uma boa causa, fui até perto de Janira e de lá gritei e gesticulei na direção de Feioso, convocando-o a chegar junto. Ele veio e, assim que chegou, sem a menor cerimônia iniciei a minha missão de cupido.
– Fei, ó, por que tu não vai dançar com a moça aqui?
Diante da proposta e de uma Janira passiva e sorridente, oferecida toda, Feioso olhou-me bem sério, voltou-se pra ela e falou com voz bem pausada e firme:
– Desculpa, Rubão, mas não estou a fim. Além do mais, essa dama está cansada…