O circo é bem maior

Rubens Nóbrega

A Operação Pão & Circo da Polícia Federal, Controladoria Geral da União (CGU) e Ministério Público da Paraíba deveria ser transformada em atividade permanente ou de longo prazo, no mínimo. Seria tarefa de um grupo especial de trabalho formado por delegados, agentes, auditores e promotores de Justiça.

Algo assim há que ser feito para dar margem e tempo de investigar todos os contratos e convênios que envolveram recursos públicos na contratação de bandas musicais e de serviços de som, iluminação, montagem de palco etc. por todos os prefeitos paraibanos que costumam ou costumavam investir em festas juninas, julinhas, de padroeira, de emancipação, carnavais e micaretas.

Há que se fazer também uma varredura na aplicação das emendas parlamentares que beneficiaram festejos populares, via Ministério do Turismo. Sobretudo as emendas destinadas aos redutos eleitorais dos autores. É preciso verificar, além dos cachês milionários, se os milhões de reais liberados foram realmente gastos com seriedade em outras áreas da ‘cadeia produtiva’ dos shows. Na divulgação dos eventos, por exemplo.

Digo isso porque desde 2009 acompanho fundadas suspeitas de que o dinheiro de muitas dessas emendas foi parar menos no bolso dos contratados e mais na conta bancária dos contratantes. Inclusive por ser até hoje impossível assegurar que rádios e tevês, jornais e portais da Paraíba receberam realmente os 25% dos valores liberados para os planos de mídia que, em tese, foram acertados para promover os espetáculos.

Investigador dessas operações que à época colaborava com o colunista disse-me certa vez que a grana da publicidade deveria ser repassada por alguma agência de araque ou ‘empresa de eventos’ que ganhava licitação de fachada para prestar o ‘serviço’ mediante o recebimento da tradicional comissão. Evidente que, além dos veículos da Capital e das maiores cidades, não raro eram incluídas no plano de mídia as emissoras ou portais de ‘propriedade’ de alguns autores das emendas.

Mas será que a publicidade era realmente feita? Essa pergunta o meu colaborador formulou-me naquele ano da seguinte forma: “Rubens, se o Sistema… vai embolsar isso, eu acho muito justo, agora temos que ver se realmente prestou por esses serviços e se vai receber tal importância, pois muitas das vezes essas empresas de eventos pedem os mapas de horários/anúncios com os respectivos valores aos veículos de comunicação e apresentam ao Ministério, na documentação do convênio, como se tivessem realizado tal divulgação”. E emendava (sem trocadilhos):

– Já vi propostas que no plano de mídia diziam pagar tantos mil ao Portal Xis por veiculação de banner por determinado período e quando se olha não tem nada disso. Será que Fulano, dono do portal, sabe disso? Ou será que ele está sendo conivente? Ou será que, sem ele saber, o nome de sua empresa está sendo usada num esquema para desviar recursos federais?

Pra vocês terem uma ideia

Em apenas um lote de liberações do Ministério do Turismo, na última semana do mês de julho de 2009, seis pequenos municípios do Sertão paraibano receberam, juntos, R$ 1 milhão e200 mil para festejos patrocinados por suas prefeituras com verba federal. Vejam a relação dos contemplados e respectivos padrinhos:

• São João Fora de Época em São José de Princesa, no valor de R$ 100.000,00 – Convênio nº 703379/2009 (emenda de Wilson Santiago);

• Paixão de Cristo em Riacho de Santo Antônio, no valor de R$ 200.000,00 – Convênio nº 703152/2009 (emenda de Wellington Roberto);

• II Festança do Bode em Riacho de Santo Antônio, no valor de R$ 200.000,00 – Convênio nº 703632/2009 (emenda de Cícero Lucena);

• São João de Prata, no valor de R$ 200.000,00 – Convênio nº 703647/2009 (Programação do Ministério);

• São Pedro de São José do Sabugy, no valor de R$ 300.000,00 – Convênio nº 703701/2009 (emendas de Efraim Morais, Cícero Lucena e Efraim Filho);

• São João de Paulista, no valor de R$ 100.000,00 – Convênio nº 703612/2009 (emenda de Efraim Filho);

• São João de Santa Cruz, no valor de R$ 100.000,00 – Convênio nº 703850/2009 (Programação do Ministério).

Das atrações que se apresentam naqueles eventos a que levou o maior cachê foi a Banda Forró do Muído (R$ 90.000,00), no São Pedro de São José do Sabugy.

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Não estou dizendo que todo o dinheiro das festas relacionadas foi desviado, aplicado fraudulentamente. Cito-o apenas como exemplo e referência de que a soma de dinheiro público envolvida no circo deve ser muito maior.

Muito maior que os R$ 65 milhões que nas contas de PF, CGU e MPPB foram movimentados em esquemas de enriquecimento ilícito desde 2008 nas 13 prefeituras onde foram detectados indícios de corrupção na promoção de tais eventos.

No mais, é bom saber que dos papéis e arquivos apreendidos, além das escutas telefônicas autorizadas, podem surgir outros envolvidos que também merecem uma boa cadeia. Acredito que entre esses os que ainda não fugiram pra bem longe devem estar se pegando com tudo que é santo para que seus nomes não apareçam nas provas coletadas.