Nonato Guedes
Júlio Rafael, que faleceu no fim de semana em São Paulo, foi um dos construtores do Partido dos Trabalhadores na Paraíba, em que ocupou cargos de direção. Era polêmico e travou embates memoráveis internamente, sobretudo nas posições que a legenda deveria assumir diante da correlação de forças no Estado em pleitos eleitorais. Teve a ousadia de propor aliança do PT com o esquema Cunha Lima em Campina Grande, numa época em que facções mais radicais ainda pugnavam pela imagem do partido como um gueto supostamente purista, infenso a injunções que não se coadunavam com os princípios filosóficos que nortearam a fundação da legenda. A composição acabou sendo absorvida e o PT chegou a ser contemplado com a vice-prefeitura, indicando Cozete Barbosa. Posteriormente, houve atrito na relação e Cozete concluiu de forma melancólica o mandato de Cássio, que havia se desincompatibilizado para assumir outras missões. Mas o empenho de Júlio abriu espaços para a reformulação de táticas internas, de diretrizes que emperravam o crescimento da legenda no Estado, pelo sectarismo que contaminava os agrupamentos fundadores.
É desse detalhe que lembro ao evocar a partida de Júlio Rafael, bem como a colaboração que ele prestou, com sua visão de economista, para arrastar a agremiação a um campo mais propositivo, saindo do tradicional discurso que tinha mais lemas do que conteúdo. E é impossível ignorar o grau de interlocução que o ex-superintendente do Sebrae construíra junto ao ícone maior do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agnaldo Almeida relatou, em coluna no extinto jornal “O Norte”, um encontro restrito de Lula, em Brasília, com Júlio Rafael e com o então governador Cássio Cunha Lima, do PSDB. Daí a iniciativa do hoje senador Cássio em comunicar ao ex-presidente Lula, através de mensagem deixada no seu Instituto, em São Paulo, sobre a morte do outrora aguerrido militante petista. Em reuniões internas, Júlio partiu para o enfrentamento com destemor, alertando, sempre, para a correção de rumos que desviavam as chances de evolução da legenda na sua caminhada para empalmar o poder na Paraíba.
Ninguém pode obscurecer que, no nascedouro, por razões óbvias, o Partido dos Trabalhadores cometeu equívocos, não só na Paraíba, mas no plano nacional, que o levaram a perder quadros relevantes capazes de oxigená-lo. Era compreensível essa postura diante da falta de clareza sobre como deveria ser um Partido de Trabalhadores no Brasil, país acostumado a agremiações controladas por caciques políticos e grupos econômicos poderosos e influentes. O PT adotou, por assim dizer, uma postura preventiva, de autodefesa, que acabou resvalando para o sectarismo. Antônio Mariz, Marcondes Gadelha, Lúcia Braga e Wilson Braga chegaram a ser vetados no desejo de ingressar na legenda. Marcondes rememorou, em livro, que tinha apoios na cúpula nacional para se filiar ao PT mas foi barrado na Paraíba, por causa das suas origens familiares, como descendente de um grupo econômico atuante na cidade de Sousa. Dizia-se que ele tinha o “pecado” de nunca ter usado um macacão, como se não fossem outras as origens familiares de Marcondes.
Olvidou-se, nesse episódio, a própria trajetória marcante de Gadelha dentro do antigo MDB em defesa dos Direitos Humanos, inclusive, na solidariedade emprestada a ativistas políticos do PMDB que estavam sendo perseguidos e hostilizados pelo regime militar. Na época prevalecia o conceito de que, não sendo petista quimicamente puro, qualquer agente político estava vinculado a organizações partidárias burguesas e, portanto, era encarado como oportunista, não servindo ao propósito de edificação de uma legenda diferente, cujas bandeiras abominavam as oligarquias e pregavam a instituição de um novo modelo que representasse a chegada dos operários ao poder.
O aprendizado vivido pelo PT foi, de certa forma, inerente à trajetória que se construía. Mais tarde, porém, o partido teve que se submeter a uma crítica interna. Foi quando se abriu o espaço para as composições, as alianças, com partidos heterogêneos, de filosofias aparentemente contraditórias com o ideário petista. Júlio Rafael, desse ponto de vista, foi precursor da ‘deténte’ na Paraíba, e acabou sendo vitorioso, ainda que persistam bolsões renitentes que lutam dentro do PT para uma volta ao passado. O ex-dirigente do Sebrae era brigão dos bons, e esta sua faceta teve importância para retirar a legenda da letargia a que estava condicionada. Este, o seu mérito maior. Viu longe, viu mais do que outros conseguiam enxergar.