Apesar da euforia dos políticos eleitos no pleito de 2010, mas cuja diplomação foi negada pela Justiça Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que a considerou aplicável apenas a partir das eleições de 2012 não permite que assumam seus mandatos imediatamente. Como a legislação processual privilegia o princípio da individualização dos litígios, seguindo a tradição liberal do direito brasileiro, cada um dos recursos de candidatos barrados pela Lei da Ficha Limpa terá de ser julgado individualmente pelo STF.
Por isso, a decisão tomada pela Corte na última quarta-feira, com base no voto desempate do ministro Luiz Fux, vale somente para a parte interessada no processo julgado naquela sessão. Trata-se do candidato a deputado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Leonídio Bouças. Considerado ficha-suja pela Justiça Eleitoral, por ter sido condenado por improbidade administrativa, ele obteve 41,8 mil votos nas eleições de 3 de outubro.
Os 29 candidatos que também recorreram ao STF, questionando a data de entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa e contestando a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de negar sua diplomação, com base nesse texto legal, terão assim de aguardar a vez do julgamento de suas ações. Isso também vale para os candidatos que aguardam julgamento de recursos na última instância da Justiça Eleitoral.
Graças ao precedente aberto pelo STF, todos já sabem de antemão que irão assumir seus mandatos. Mas, como afirmou o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, a data da posse de cada um deles vai depender da inclusão de seus processos nas pautas de votação do TSE e do Supremo. “E esse é um processo que demorará um certo tempo, pois o julgamento não é imediato”, diz o ministro. Ele também deixou claro que os políticos barrados pela Lei da Ficha Limpa que não entraram com recurso no STF, após o pleito de outubro, não mais poderão fazê-lo.
Os problemas da Lei da Ficha Limpa não se esgotam nas discussões sobre o alcance da decisão tomada pelo STF na quarta-feira nem sobre seu impacto na mudança na distribuição das cadeiras no Congresso e nas Assembleias Legislativas. Eles vão muito além, pois esse texto legal – fruto de um bem-intencionado projeto de iniciativa popular, que recebeu 1,6 milhão de assinaturas – tem redação confusa, peca por falta de precisão conceitual e carece de rigor jurídico.
Por isso, embora o Supremo tenha reconhecido que a Lei da Ficha Limpa é constitucional, a ponto do ministro Luiz Fux tê-la classificado como “lei do futuro”, nada impede que políticos, partidos e até entidades de classe questionem cada uma de suas alíneas e parágrafos, antes das eleições de 2012.
“A lei vai ser fatiada como salame, o que poderá levá-la a ser ainda mais esvaziada”, afirma Lewandowski, antevendo as discussões jurídicas no STF. Alguns ministros, por exemplo, consideram exagerada a inelegibilidade por 8 anos, prevista pela da Ficha Limpa. Outros ministros alegam que a Justiça Eleitoral só pode negar registro a candidatos condenados pela ultima instância do Judiciário – e não por tribunais de segunda instância, como prevê a Lei da Ficha Limpa. Segundo esses ministros, a lei colide com o princípio da presunção de inocência, segundo o qual ninguém pode ser considerado culpado até o final do processo. E há, ainda, quem questione a retroatividade da lei – no caso, o conceito de “vida pregressa”, que é fundamental para o efeito moralizador da lei. “Se você puder apanhar fatos da vida passada para atribuir efeitos futuros, talvez não haja mais limites”, diz o ministro Gilmar Mendes.
Diante da importância da Ficha Limpa para a moralização da vida pública e do risco de que seja inteiramente esvaziada por uma profusão de ações judiciais contra pontos específicos, a Ordem dos Advogados do Brasil anunciou que irá entrar com uma ação direta de constitucionalidade – o que permitirá ao STF escoimar todas as inconstitucionalidades da Lei de uma só vez e estabelecer o definitivo alcance de suas regras e punições.
O artigo foi publicado no Estadão Online