Nova York

Por Gonzaga Rodrigues

Não precisamos sair com nossos pés e nossa bagagem para conhecer Nova York. O cinema se encarregou disso. Tanto quanto o cinema – para quem se dá bem com a leitura – a sua literatura, pois senti que havia pobres, o lado oculto da primeira grande potência, entrando na América pelas páginas de “Judeus sem dinheiro”, densa novela de Michael Gold, ou pela pulsação social do romance de London, Steinbeck, Caldwell, do próprio Hemingwey e, em tom de denúncia, por um ensaio traduzido há cinqüenta anos para o português pelo major Graciliano Ramos, com estilo e concisão tão peculiares ao tradutor que custa lembrar o nome do autor, o negrão Booker Washington, dos começos do século passado.

Fora do romance sobressaía a grande potência industrial, o coração do capitalismo, mas nos subúrbios sombrios do império latejava carências comuns às nações abaixo do Rio Grande. O cenário hollyoodiano ajudava a que o Tio Sam cingisse à sua cabeça a coroa dos novos Césares, mas, nos subúrbios do império o romance social revelava que o céu não era para todos. O escorpião descia pelos trapos da pobreza para injetar a dor do seu veneno no recém-nascido de “A Pérola” , novela de Steinbeck que virou filme. Havia fome e pobreza nos Estados Unidos, miséria que estávamos longe de suspeitar e que o realismo literário não podia esconder.

Isso me vem à mente lendo sobre a campanha em que se debatem os democratas e republicanos pela prefeitura de Nova York. Bil de Blasio, dos democratas, vai na frente escudado no combate à pobreza, à desigualdade de renda e o aumento da população abandonada das ruas. Di Blásio acusa o concorrente republicano de centrar seus cuidados em Wall Street e promete tirar dos ricos, pelo aumento de tributo, para investir no socorro às classes média e pobre, carentes de habitação, de creches, de serviços primários de saúde. Nas Mandacarus de Nova York. Com esse discurso real é o favorito.

Conclusão: o país mais rico do mundo é também um dos mais desiguais internamente.

A novela de Michael Gold, anterior ao apogeu econômico iniciado na forja das duas grandes guerras, destampa a miséria do gueto dos judeus no East Side de Nova York. Mas Gold era comunista, acusado de propagar esperanças no modelo que se abria com a Revolução Russa de 1917. O fio dessas esperanças deu muita cadeia, perseguição e sofrimento a trabalhadores, intelectuais e artistas tenazmente perseguidos pelo macarthismo.

O comunismo acabou, Marx voltou à estante, mas o anti-comunismo prossegue ativo no país cuja riqueza não teria de que temer. Para baixar os índices de Bill de Blásio o republicano Bloombergh o acusa de estar fazendo uma “guerra marxista de classes”, guerra que a direita composta de antigos esquerdistas decreta esvaziada com a desoneração da URSS. Quem acabou foi a URSS, a luta de classes apenas perdeu seu partido.